O Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte é uma das potências mais influentes do mundo ocidental. Seja pela influência de seu império, sua presença em momentos chaves da história mundial, seu livre-comércio ou até mesmo pelo seu consolidado sistema de governo parlamentarista ainda em atividade desde a Revolução Gloriosa de 1688. Por mais de três séculos, a Câmara dos Comuns de Westminster produziu alguns dos debates e discursos mais icônicos já testemunhados na história. Todavia, eis que nos últimos anos o mundo todo teria seus olhos voltados para um dos eventos mais importantes na história da Grã-Bretanha.
“Let’s Get the Brexit Done” fora provavelmente a frase mais mencionada pelo líder do Partido Conservador, e atual premier do Reino Unido, Boris Johnson durante as eleições de 2019. Após meses de incessantes discussões na Câmara, acerca de como seria conduzida a saída do país da União Europeia, o parlamento estava completamente travado e incapaz de aprovar qualquer possibilidade de acordo. Contudo, após múltiplos episódios de digressão, um destes marcado até por uma tentativa de dissolução do próprio parlamento, o país acabou por conseguir a aprovação de um acordo que determinaria o futuro das relações políticas entre ambos os agentes políticos.
Pouco mais de três anos após o tímido referendo, que muitos acreditavam que não resultaria em nada, o Reino Unido tornou-se oficialmente o primeiro país a deixar o status de Estado-membro da União Europeia, após 47 anos de união e cooperação junto ao bloco europeu.
Desta forma, este ensaio emerge com o intuito de fazer uma breve recapitulação das negociações restritas ao processo do Brexit, por via de uma abordagem descritiva. Todavia, no percorrer deste trabalho, buscar-se-á analisar tais negociações a partir dos conceitos previstos na Teoria dos Jogos, em particular o conceito de ponto de equilíbrio estabelecido pelo economista norte-americano John Nash acerca de jogos não cooperativos.
Sendo assim este ensaio se dividirá em duas partes. Na primeira seção será apresentado o enquadramento teórico a ser desenvolvido no decorrer deste trabalho, a Teoria dos Jogos; recorrendo a registros históricos, como a contribuições de teóricos anteriores, e salientando a importância que tal teorização ganhou no cenário das relações internacionais, especialmente nas negociações e prática diplomática. Na sequência, abordaremos de forma mais elucidativa o chamado Equilíbrio de Nash, e como este tem presença em jogos de natureza não cooperativa e jogos de soma não zero.
Na segunda parte será feita uma exposição cronológica das negociações entre Reino Unido e União Europeia, desde os debates iniciais no ano de 2017 até o acordo aprovado no final de 2019, com a proposta de melhor familiarizar o leitor deste ensaio sobre a trajetória factual dos acontecimentos de maneira sintetizada e assim conduzir para a análise propriamente. Feito isto será aplicado o devido enquadramento teórico, discorrido a priori, fazendo assim uma análise critica a fim de salientar o ponto de equilíbrio previsto na Teoria dos Jogos e nas discussões e negociações do Brexit.
A Teoria dos Jogos e o Ponto de Equilíbrio de Nash
A Teoria dos Jogos pode ser definida como um método de estudo do comportamento humano de maneira interdisciplinar, não se limitando a somente uma área do conhecimento em específico e podendo ser aplicada em diversos cenários. Em uma visão bem sintetizada, a teoria busca estudar como ocorre a combinação de estratégias racionais e suas respectivas decisões em uma situação de conflito.
Esse conflito, ou jogo, pode ser cooperativo quando todos os jogadores participantes conhecem as regras existentes e as possibilidades estratégicas presentes na mesa de negociação, ou pode ser não cooperativo quando os jogadores estão a buscar de forma racional a melhor estratégia possível para a obtenção ou maximização dos ganhos, a fim de vencer o jogo. Segundo Tavares (2012):
É a análise quantitativa de qualquer situação que envolva pelo menos duas partes em conflito, com o objetivo de indicar as estratégias ótimas para cada uma dela e alcançar os melhores resultados possíveis (…) A Teoria dos Jogos pressupõe que os jogadores estabeleçam um programa de jogo que lhes possibilite alcançar resultados ótimos sem deixar de levar em conta que os concorrentes também tentariam estabelecer planos similares. (p. 53).
Ao olhar para o lado histórico da questão, a Teoria dos Jogos não é tão recente. Na verdade, sua origem é bastante antiga, remontando ao século XVIII a partir de estudos sobre a Teoria das Probabilidades de Blase Pascal, que juntamente com o matemático Fermat desenvolveria um estudo de probabilidade em jogos de azar.
Destarte, pode-se afirmar que a Teoria dos Jogos teve seu inicio de fato no século XX, quando o matemático húngaro-americano John Von Neumann provou o teorema Minimax. Segundo ele, há sempre uma solução racional para um conflito entre dois indivíduos cujos interesses sejam adversos (Almeida, 2006, p. 01).
No decorrere do século XX, a teoria fora estudada e aperfeiçoada por diversos outros acadêmicos, sendo um dos mais proeminentes nesta área o matemático norte-americano John Forbes Nash em 1950. Formado na Universidade de Princeton,nos Estados Unidos, Nash abalou todas as estruturas existentes relativa à Teoria dos Jogos por meio de sua tese Non-cooperative Games, publicada em 1951. Em sua tese, – que futuramente lhe renderia a sua indicação para o prêmio Nobel de Economia em 1994 – Nash afirma que em todo jogo de caráter não cooperativo existe ao menos um ponto de equilíbrio entre as estratégias escolhidas pelos jogadores presentes, aspecto este que destacaremos mais a frente.
É absolutamente notório o grande impacto que a Teoria dos Jogos teve em diversas áreas do conhecimento. Entre estas se destacam áreas como: Economia, Gestão, Negócios e até mesmo Ciências Militares. Contudo, outra área em que o conceito da Teoria dos Jogos também é muito aplicado é a de Relações Internacionais.
Como fora possível observar, a Teoria dos Jogos busca entender de maneira racional o comportamento dos jogadores envolvidos em meio a um conflito, na qual estes têm de analisar e buscar as estratégias que lhes tragam melhores benefícios. Esses jogos podem ser cooperativos, em que os jogadores conhecem as regras estabelecidas e cooperam em conjunto por um melhor resultado para todos (um jogo de soma nula), ou pode ser uma disputa não cooperativa em que os adversários buscam atingir seus ganhos de maneira individual por meio de estratégias que sejam melhores que a de seus opositores (um jogo de soma zero).
Tal concepção encaixa-se perfeitamente naquilo que hoje se compreende por relações internacionais, pois no âmbito atual os Estados buscam sim a cooperação uns com os outros, tal como nos apontam os professores Jackson e Sørensen (2018),
Embora reconheçam que os indivíduos são egoístas e competitivos até certo ponto, acreditam também que há muitos interesses comuns entre eles e, portanto, podem se engajar em ações sociais cooperativas e colaborativas, tanto nacional como internacionalmente, resultando em mais benefícios para todos em casa e no exterior. (p. 151).
Todavia, na mesma medida em que essa perspectiva liberal prospera, esta também é contornada pelo seu antagonista, o pensamento realista. Nas relações internacionais, algumas das premissas do pensamento realista clássico são:
A centralidade do Estado, que tem por objetivo central sua sobrevivência, a função do poder para garantir essa sobrevivência, seja de maneira independente — no que seria caracterizada a autoajuda —, seja por meio de alianças, e a resultante anarquia internacional (Nogueira & Messari, 2005, p. 22).
Nesse sentido, a Teoria dos Jogos seria um instrumento a ser utilizados pelos atores (Estados) no jogo das relações internacionais (conflitos) como uma forma de garantir e proteger aquilo que lhe é próprio (segurança nacional e sobrevivência estatal), e não obstante, maximizar sua capacidade de potência para atingir melhores ganhos e recursos presentes no jogo. Conforme nos conta Sarfati (2005),
Para poder deduzir as estratégias sob diferentes hipóteses quanto ao comportamento do restante dos agentes, a Teoria dos Jogos tem de analisar diferentes aspectos, como: as consequências das diversas estratégias possíveis, as possíveis alianças entre os jogadores, o grau de compromisso dos contratos entre eles e o grau em que cada jogo pode se repetir, proporcionando a todos os jogadores informação sobre as diferentes estratégias possíveis. Em suma, a Teoria dos Jogos analisa o comportamento do jogador que crê que seus adversários são racionais e atuam visando maximizar seus poderes e o modo como ele deverá levar em consideração o comportamento deles, ao tomar suas decisões com o objetivo de maximizar o seu próprio objetivo (p. 192).
Tendo em vista o papel de influência que a Teoria dos Jogos desempenha nas relações internacionais, se faz necessário abordar o conceito de Equilíbrio de Nash comentado a priori no texto. Conforme fora apresentado, John Nash estabeleceu o conceito de Ponto de Equilíbrio em sua tese de jogos não cooperativos. Nesta, o matemático expõe que nos conflitos nos quais os jogadores precisam escolher uma estratégia a fim de superar a do seu adversário, a chamada “estratégia da melhor resposta”, a solução mais racional para a questão talvez não seja superar a estratégia do oponente, mas sim identificar as estratégias de cada jogador.
Afinal, cada jogador vai buscar o melhor caminho para satisfazer seus interesses, correto? Logo, se ambas as estratégias forem identificadas no jogo, isso consentirá no encontro da chamada “solução racional de um problema”. Segundo nos frisa Nash (conforme citado em Borges & Simão, 2005),
Por definição, dizemos que a solução racional de um problema é sempre auto estabilizante. Encontrar a solução em um jogo com dois atores consiste, portanto, em identificar um par de estratégias a serem adotadas, de maneira que cada uma corresponda à melhor resposta em relação à outra. O par de estratégias, neste caso, indica o par de equilíbrio, o qual por sua vez, determina o Ponto de equilíbrio de Nash (p. 10).
Logo, John Nash nos sugere que em um caso no qual os jogadores precisam avaliar as opções plausíveis e escolher a tática que vai lhes trazer melhor beneficio, o mais racional talvez não seja nem a vitória de um e a perda do outro (jogo de soma zero), mas a identificação de estratégias por parte destes a fim de que elas convirjam em um cenário que todos atingem os ganhos almejados.
A Trajetória das Negociações entre Reino Unido e a União Europeia
No seguimento da primeira seção apresentada, tendo abordado o devido enquadramento teórico, abordar-se-á agora a trajetória cronológica das negociações relativas ao Brexit com o intuito de melhor situar o leitor deste ensaio para a análise que virá a posteriori.
No dia 23 de junho de 2016, os eleitores do Reino Unido votaram de forma majoritária a um referendo proposto pelo então primeiro-ministro da época, David Cameron, em que fora declarada a vontade por parte destes de querer deixar a União Europeia. A decisão inesperada a favor da retirada causou uma reviravolta sem precedentes na política doméstica do país, como renúncia do primeiro-ministro ao cargo, a votação pela oposição por uma nova liderança de seu partido, e a maior desvalorização da Libra esterlina já registrada desde 1985, que chegou até 13% do seu valor. Entretanto, mesmo que o impacto com a surpresa do resultado tenha sido avassalador, as autoridades britânicas já buscaram se mobilizar o mais rápido possível para a mediação das negociações que estariam por vir.
Logo no inicio de 2017 se começou a debater, sob a gestão da líder do partido, Theresa May, os primeiros esboços de um possível acordo com a UE. Inicialmente, as propostas ainda estavam relativamente acanhadas e assim continuariam até dezembro daquele ano, quando o Reino Unido e a União Europeia publicaram um relatório conjunto definindo pontos de acordo comuns na pauta da retirada.
Um destes aspectos era a disputa relativa à fronteira irlandesa, em que tanto o RU quanto a UE optaram por respeitar o Acordo de Belfast de 1998 e não jogar com a possibilidade de uma fronteira rígida entre as duas Irlandas. O relatório deixava claro a vontade de ambos os países de deixar a questão da fronteira irlandesa como um tópico para as relações futuras, em que se sentariam para discutir uma solução com mais pragmatismo e, caso esta não fosse acertada, o Reino Unido “manteria total alinhamento com as regras do Mercado Interno e da União Aduaneira (HM Government & European Comission, 2017, p. 08)”. Tal postura contribuiu para um clima de instabilidade dentro do parlamento, especialmente por aqueles simpáticos a um Hard-Brexit.
Após meses de intensa negociação, fora publicado em novembro de 2018 um acordo que formalizava o processo de retirada, assim como uma declaração por parte da UE contextualizando as expectativas para uma futura relação politica dos atores pós-Brexit. A ideia que se tinha era de que, tão rápido quanto possível, a Câmara dos Comuns votasse a proposta de acordo ratificada e o processo chegasse ao fim. Contudo, o desgaste causado por divergências internas no parlamento britânico acabara por atrasar o processo em demasia, resultando em um prejuízo nas negociações e até mesmo na renuncia da então primeira-ministra Theresa May. Ao abdicar, a ex-premiê afirmou que um consenso só seria possível se ambos os lados estivessem dispostos a se comprometer com a proposta. (BBC News, 2019).
Em agosto de 2019, o novo primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, enviou uma carta para o então presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, declarando o desejo por parte de seu governo de fazer uma revisão do texto e dos termos acordados pela União Europeia na gestão anterior. A declaração, obviamente, não teve boa repercussão na Comissão Europeia, que passou a ver o novo governo britânico como instável e mais propenso a uma ruptura bruta das relações entre o RU e UE. No entanto, a sequência das negociações durante os dois meses posteriores foi marcada por tentativas de melhor alinhamento das pautas, particularmente por parte da UE, que se via na posição de ceder um pouco a fim de se concluir a negociação, dado que o parlamento inglês estava em um impasse constante.
No dia 19 de outubro de 2019, foi apresentado ao parlamento um novo pacto firmado entre Londres e Bruxelas, que necessitava da aprovação da Câmara para o encaminhamento final. Na época, muitos conservadores favoráveis ao Brexit, que haviam votado contra os acordos anteriores, se disseram a favor do novo pacto fechado no último minuto em Bruxelas. Porém, o estorvo causado pela polarização acabou impedindo qualquer possibilidade de votação na Câmara, contribuindo para a dissolução da mesma no mês seguinte quando foram convocadas novas eleições.
Com o fim das eleições e a vitória esmagadora do Partido Conservador, o caminho para a realização do Brexit parecia certo. “Pode haver infinitas discussões sobre a natureza deste relacionamento no longo prazo, mas não seremos mais parte do bloco econômico que integramos há quatro décadas. O Brexit, pelo menos a primeira parte vai acontecer (Kuenssberg, 2019)". Logo após a eleição geral, o novo pacto estabelecido por RU e UE foi publicado e posto para votação às pressas, e em 19 de Dezembro de 2019, após três anos de intensa negociação, o projeto de lei foi votado e o Reino Unido deixou a União em 31 de janeiro de 2020.
Brexit, Teoria dos Jogos e o Ponto de Equilíbrio de Nash
Conforme observado a priori, as negociações do Brexit foram marcadas por severas discussões, contratempos, avanços e recuos que acabaram por contribuir para o seu alongamento, assim como para a sua resolução no final do ano passado. Tendo em vista o processo cronológico das negociações narrado na seção anterior, adentrar-se-á agora em uma análise mais profunda da questão. Para este fim, serão utilizadas as concepções teóricas e o quadro analítico presente na obra International Negotiation in a Complex World (2015) de forma a salientar todos os aspectos de forma progressiva, abrindo caminho para a aplicação do enquadramento teórico relativo à Teoria dos Jogos.
Torna-se redundante dizer que toda negociação começa com um contexto inicial, ainda que uma negociação não seja, como na maioria dos casos, consumada de imediato e os seus respectivos representantes tenham de regressar a mesa de discussão por varias outras vezes toda negociação tem um contexto inicial.
Ainda que estes jogadores retomem a mesma discussão no futuro, o contexto nunca será o mesmo do anterior. Contudo, entender este contexto tanto de forma macro como micro é primordial para compreender o desenrolar da negociação. Como Starkey, Boyer e Wilkenfeld (2015) devidamente salientam,
O contexto em que as negociações ocorrem deve ser examinado tanto da perspectiva macro quanto da micro. (…) Uma vez definido esse formato geral, é possível analisar detalhadamente os episódios individuais de negociação e identificar suas principais características, incluindo fatores como o número de partes na negociação, os tipos de questões envolvidas e o nível de comprometimento das partes (p. 41).
Sendo assim, ao analisar o cenário de prelúdio do Brexit, torna-se possível constatar que no inicio do processo o ambiente soava bastante favorável à saída do RU da UE, mesmo este tendo importantes nuances a serem discutidas. O cenário em suma era até bastante tempestivo aos britânicos e se nutria muita esperança que tão rápido quanto possível iria-se “negociar e celebrar um acordo, estabelecendo as condições para sua saída, tendo em conta o quadro das futuras relações com a União (TUE, 2012, p. 43-44)".
Ambos os lados concordavam que era pertinente definir o procedimento a ser adotado para os detalhes mais sensíveis da retirada. “Eles concordaram que seria preciso um ‘progresso suficiente’ nessas questões de retirada antes que as discussões pudessem começar no segundo elemento referido no artigo 50°, o quadro para a futura relação entre UE-RU (House of Lords, 2020, p. 06)”. Desta forma, vemos que referente ao assentamento inicial da negociação havia um mutuo senso de otimismo e de cautela que deveria ser adotada por ambos, especialmente nos detalhes preliminares, antes de abordarem questões de natureza macro.
Esta questão dialoga muito bem com uma premissa presente na tese das negociações internacionais; que o ideal seria que os membros de uma equipe de negociação chegassem a um consenso sobre um assunto em pauta antes mesmo de todos se sentarem a mesa (Starkey, Boyer & Wilkenfeld, 2015, p. 52).
No entanto, tão importante quanto à definição do tabuleiro nas negociações, vem à questão relativa aos jogadores imersos no processo, sejam estes agentes diplomáticos ou chefes de estado. Retomando um pouco a tese debatida na primeira parte sobre a Teoria dos Jogos, os jogadores são aqueles indivíduos que em uma situação de conflito, buscar-se-ão a saída mais racional para a situação na qual estes estão inseridos.
Contudo, existe um debate sério sobre quem deve ser o jogador em uma negociação internacional, se são os chefes de estado, que em virtude de suas funções e cargos estão demasiados expostos a todo o momento, ou se são os agentes diplomáticos, que por estarem um pouco mais afastado dos holofotes, conduzem as transições de forma mais cautelar e técnica. Conforme elucidam Starkey, Boyer e Wilkenfeld (2015),
Representantes de estados (…) claramente ainda são atores significativos na arena de negociações internacionais, apesar de compartilharem cada vez mais o palco diplomático com outros atores. Grande parte do trabalho diplomático de rotina dos estados é realizado por diplomatas profissionais (…) seu trabalho é frequentemente aumentado pelo dos líderes nacionais de alto nível em tempos de crise ou intenso de foco da mídia. (p. 71).
Ao olharmos para o Brexit, vemos que este fora um processo que teve um acompanhamento tanto de seus agentes intermediadores quanto de seus lideres políticos. Pode-se discutir os impactos negativos que esta alternância entre jogadores teve nas negociações em si. Todavia, é necessário ressaltar as razões para isto, como o fato da saída do RU ter sido um evento absolutamente inédito na história da UE e pelo fato de que, para além da influência da UE, o Brexit depende das decisões relativas à politica interna de outro Estado igualmente soberano.
Sendo assim, pode-se dizer que o Brexit, no que tange aos seus jogadores, é um ponto fora da curva neste cenário de negociações internacionais, pois não se trata de uma negociação amistosa entre dois agentes independentes que pode ser conduzida quase inteiramente por diplomatas, e sim de uma situação sem qualquer precedente que impacta um Estado tanto internacionalmente como domesticamente.
Diversos aspectos influenciam direta ou indiretamente uma negociação internacional, como: a conjuntura do tabuleiro, os jogadores, a cultura e religião, o histórico diplomático, a instabilidade político-econômica, et al. Entretanto, talvez mais pertinente que os aspectos elementares internos ou externos, sejam os movimentos e as decisões adotadas no transcorrer do processo. Neste sentido, tendo em vista as teses de negociação internacional e a Teoria dos Jogos discorrida, vem à tona a seguinte indagação: Em quais momentos do Brexit é possível encontrar o ponto de equilíbrio sugerido por John Nash?
Ao fazer uma recapitulação do Brexit em seus momentos mais fundamentais é possível identificar o chamado Ponto de Equilíbrio de Nash em três momentos: o relatório conjunto de 2017, o pacto revisado de 2019 e a subsequente dissolução do parlamento britânico.
Quando temos a apresentação de um relatório conjunto das partes em dezembro de 2017, temos ali o primeiro ponto de equilíbrio, pois ambos os jogadores estão a declarar que entendem as circunstâncias presentes no cerne da questão, concordam que não podem prosseguir para uma discussão macro da saída sem antes definirem as nuances mais delicadas, e assim apostam que essa seria a melhor estratégia.
O segundo momento é quando o atual primeiro ministro, Boris Johnson, oficializa o seu mais novo pacto feito em conjunto com a Comissão Europeia. Conforme vimos anteriormente o pacto firmado por Johnson não trazia novidades mirabolantes, contudo, ganhou a simpatia de alguns parlamentares conservadores que estavam dispostos a votar, tendo em vista o desgaste político que a negociação estava causando dentro da Câmara. Pode-se afirmar que a UE tinha em mente o mesmo pensamento, tanto que não demorou muito para a Comissão Europeia aprovar o novo texto e este ser apresentado a Londres, o que salienta um segundo ponto de equilíbrio.
O terceiro e último ponto é a dissolução do governo vigente, talvez seja o mais controverso dos três, que pode ser encarado como um ponto de equilibro entre as estratégias políticas dos atores.
Ao considerarmos que a Comissão Europeia buscou aprovar e encaminhar o novo pacto o mais rápido possível, esta manda para o RU a mensagem de que o tempo esta a se esgotar e uma medida precisa ser tomada o quanto antes. O primeiro-ministro britânico sabia que não poderia aprovar o novo pacto com um parlamento estagnado nas mãos, logo, este percebe que a melhor estratégia possível para assegurar a conclusão da negociação era dissolver o parlamento e propor novas eleições.
Em outras palavras, a dissolução do parlamento inglês foi à resposta dada por Boris Johnson a jogada feita pela Comissão Europeia aquela altura. Neste sentido, ambas as estratégias convergiram para um resultado duplamente benéfico, o parlamento foi dissolvido, as eleições foram feitas, Johnson ganhou e o Reino Unido saiu. O ponto de equilíbrio aqui identificado esta presente tanto na jogada política de um quanto no recebimento desta jogada por parte do outro, resultando assim na estratégia que conduziria a melhor saída.
Todos estes pontos se mostraram como momentos demasiado importantes na transição do processo de retirada do RU. Todavia, o ponto que estou a querer salientar e defender neste ensaio é que as negociações do Brexit chegaram ao seu intento por conta de uma combinação das melhores estratégias possíveis e das jogadas certas nos momentos certos. Afinal, como na maioria dos jogos, fazer as escolhas estratégicas certas às vezes é produto da sorte, porém, é com maior frequência resultado do movimento especializado das peças do jogo (Starkey, Boyer, Wilkenfeld, 2015, p. 121).
Considerações finais
Ao longo deste trabalho tentou-se desenvolver um estudo de caso, tendo como pauta as negociações envolvendo a saída do Reino Unido da União Europeia, e assim realizar uma análise critica da questão à luz da Teoria dos Jogos, em particular a tese de John F. Nash. Deste modo, pode-se concluir que no caso do Brexit existe uma compilação de eventos chave, em que foram exigidos de seus líderes muita cautela e a escolha de movimentos estratégicos precisos para se chegar à respectiva conclusão. Dessa forma, os resultados e ganhos almejados por ambos foram obtidos, ou ainda serão, no longo prazo.
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