Introdução
Em 1977, o presidente egípcio da época, o conhecido Anwar Sadat, visitou Jerusalém em busca de reconciliação após mais de três décadas de conflito. Desde a criação do Estado de Israel, em 1948, os dois países estiveram de lados opostos em quatro conflitos de grandes proporções – a Guerra de 1948, a Crise de Suez em 1956, a Guerra dos Seis Dias, em 1967 e, a Guerra do Yom Kippur, em 1973 – que deixaram enormes rastros de violência e acabaram por permitir que Israel anexasse uma grande faixa de território, incluindo a península do Sinai que outrora pertencia ao Egito.
Durante a visita, considerada um marco na história do Oriente Médio, o presidente do Egito discursou no Knesset, parlamento israelense. Lá, apesar de deixar claro o seu desejo pelo fim dos conflitos na região, desagradou os sionistas ao insistir na necessidade de uma solução para a questão palestina pós-1967 (SHAPIRA, 2018, p. 442).
Apesar das inúmeras críticas dos países árabes vizinhos, entre os dias 05 e 17 de setembro de 1978, o primeiro encontro entre representantes de um Estado Árabe – Egito, e o Estado de Israel, mediados pelo então presidente dos Estados Unidos Jimmy Carter, aconteceu em Camp David, base militar e casa de campo localizada em Maryland, Estados Unidos, para firmar um acordo de paz, sendo mediados pelo então presidente Jimmy Carter.
Havia sido estabelecido que os participantes das negociações deveriam entender as questões em jogo e buscar soluções para as mesmas, tudo isso antes do encontro ter início. Cada uma das partes, sendo elas, Sadat e Begin, deveriam apresentar uma proposta aos americanos que as mesclaram em uma formulação de compromisso de paz.
As negociações para se chegar a uma solução pacífica entre os Estados tiveram como base a Resolução 242 das Nações Unidas em todas as suas partes, e além disso o convite de negociação foi estendido a outros países árabes envolvidos nos conflitos entre os dois Estados. O objetivo central do encontro entre os dois líderes era alcançar um acordo justo, abrangente e durável para o conflito no Oriente Médio, incluindo nesse propósito países terceiros, como a Jordânia e a Palestina.
As negociações em Camp David
Em um primeiro momento das negociações, os dois representantes se mostraram relutantes em ceder suas posições originais. Israel defendia a manutenção dos territórios ocupados durante a Guerra dos Seis Dias, alegando que a devolução seria geraria uma ameaça à segurança interna israelense (CARTER, 1995, p.333). Já a proposta feita por Sadat era dotada de demandas do Egito e dos países árabes, exigindo grandes indenizações pelo uso das terras ocupadas e pelas retiradas de petróleo de seus poços, além de requerer o retorno sem restrições de todos os refugiados para a Cisjordânia, a retirada das forças israelenses às linhas de antes da guerra de 1967, incluindo o Sinai e Líbano, e que os israelenses permitissem aos palestinos formar sua própria nação e terem controle sobre Jerusalém Oriental (DUARTE, 2003, p.82).
Com as propostas dos dois lados apresentadas, ambos os líderes se reuniram com seu mediador para a discussão sobre um possível acordo, ainda enfrentando relutância dos dois lados. Ao final das discussões, foram definidos os objetos principais a serem negociadas se baseando na posição de cada parte, e o Presidente dos Estados Unidos foi o responsável de elaborar uma nova proposta e apresentá-la às partes, a fim de eliminar os obstáculos entre eles, baseando-se nas resoluções da ONU serviram como referência (CARTER, 1995, p.84).
Embora algumas questões já houvessem sido resolvidas, duas ainda permaneciam em aberto: a natureza da autonomia palestina e os assentamentos no Sinai. Os dois lados alegavam que já haviam sido muito flexíveis e não iriam abrir mão de suas posições. Em nova conversa com Begin, os membros americanos conseguiram convencê-lo a aceitar a demanda sobre os assentamentos. Com isso, pode-se trabalhar nos termos finais do acordo. Terminada a mediação em Camp David, no ano seguinte (1979), as negociações foram finalizadas em Washington.
A questão da disputa de território entre Israel e Palestina
O acordo previa rodadas de negociação entre os representantes do Egito, Israel, Jordânia e Palestina a fim de resolver a disputa sobre os territórios da Cisjordânia e Faixa de Gaza, que em sua grande maioria foram ocupados por Israel após a Guerra dos Seis Dias (1967).
Foi estipulado que essa etapa do acordo seria dividida em três estágios: durante um período que não deveria exceder cinco anos, através da mediação da Jordânia, seriam feitos arranjos a fim de uma transição pacífica de poder para o povo palestino, com a retirada dos militares e administração civil israelenses, que se iniciaria assim que eleições livres fossem realizadas para a escolha de um governo próprio e representativo da Palestina; os atores envolvidos (Israel, Egito, Jordânia e Palestina) iriam definir os poderes e responsabilidades do governo eleito da Palestina, além de incluir arranjos que assegurariam a segurança e ordem pública; e finalmente, quando for estabelecido o governo da Palestina, que atuará sobre os territórios da Cisjordânia e Faixa de Gaza, o período transicional terá início e incluirá negociações que definirão a localização de fronteiras e a organização de medidas de segurança para os territórios. Nessa fase, deverá ser reconhecido o direito legítimo dos Palestinos e suas solicitações devidas, como o retorno de pessoas deslocadas pela Guerra dos Seis Dias, e o estabelecimento de medidas que garantam a manutenção da segurança e ordem.
O fim das negociações em Washington
Embora os acordos sejam chamados de “Acordos de Camp David“, os mesmos apenas foram finalizados na cidade de Washington em março de 1979, quando da assinatura final do texto, já estruturado previamente. Os responsáveis pela assinatura foram os ministros de Relações Exteriores de Israel e do Egito, sem a presença de Jimmy Carter ou da mídia (DUARTE, 2003, p.86).
O primeiro acordo de Camp David firmava a paz entre dois países e também permitia ao Egito recuperar o Sinai em 1982, já o segundo acordo estabelecia um quadro para a conduta das negociações que iriam estabelecer um regime autônomo na Cisjordânia e em Gaza.
Parte do acordo concernente ao Egito e Israel definiu a relação futura entre os dois países e foi colocado em prática. O Egito recuperou seu território de Israel e ajudou a melhorar a posição americana no mundo árabe. Israel passou a ter relações normais com o país árabe mais forte em termos econômicos e militares. O sucesso da assinatura do acordo ajudou Jimmy Carter a melhorar sua imagem política dentro dos Estados Unidos.
No entanto, o que se referia à Cisjordânia e Gaza e às negociações envolvendo os palestinos não foi aplicada. A situação da Palestina continuou a ser debatida nos foros internacionais como os da ONU e, a exclusão dos palestinos fez com que a questão continuasse sendo uma das principais reivindicações a agitar a política do Oriente Médio em relação ao Ocidente.
Consequências
Os esforços de Sadat foram vistos com maus olhos no mundo árabe. Yasser Arafat, líder da Organização de Libertação da Palestina (OLP), chegou a comentar que mesmo com a assinatura do acordo, a paz não iria durar. Ademais, Egito foi suspenso da Liga Árabe, e a sede da organização foi transferida do Cairo para Tunis, além de ter sido isolado no Oriente Médio, devido à aprovação de sanções e rompimento de relações diplomáticas com os países árabes.
Como parte do acordo, os EUA iniciaram sua política de fornecer ajuda econômica e militar ao Egito. O país é atualmente o maior receptor de investimentos norte-americanos na África, e o segundo maior do Oriente Médio, chegando a um valor de US $22,8 bilhões somente em 2019 (EGYPT TODAY, 2019).
Sadat não chegou a ver as tropas israelenses sendo retiradas por completo do Sinai, logo que, em 1981, foi assassinado a tiros durante o desfile anual de vitória realizado no Cairo para celebrar a travessia do Canal de Suez pelo Egito durante a guerra de 1973. A responsabilidade pelo assassinato foi reivindicada pelo grupo egípcio da Jihad Islâmica, que citou como motivação principal o acordo do presidente com Israel, acusando-o de “ter traído o mundo árabe com o acordo de paz”.
Mesmo sob resistência, Israel devolveu o Sinai aos egípcios em 1982 e os dois estados estabeleceram relações diplomáticas, e apesar do descontentamento ocasionado pela assinatura do acordo, ele permanece em vigor celebrando seu 42º aniversário em 2021.
O destino da Faixa de Gaza ficou indefinido, à espera de uma solução para a questão palestina. Um acordo histórico de devolução dos territórios aos palestinos só seria assinado entre a OLP e Israel em setembro de 1993. O conflito na região, porém, prossegue, apesar das inúmeras tentativas de mediação de paz no Oriente Médio (PHILIPP, 2021)
Sadat e Begin dividiram o Prêmio Nobel da Paz de 1978 pelos seus esforços empregados no acordo de Camp David.
Referências
ARMSTRONG, Tony. Breaking the ice. Washington: United States Institute of Peace Press, 1993. 187 p.
CARTER, Jimmy. Keeping faith: memoirs of a president. New York: Bantam Books, 1983. 622p.
DUARTE, B.S.V. O comportamento do mediador no conflito árabes e iraeslenses. Rio de Janeiro: PUC, Instituto de Relações Internacionais, 2003, p.81-88.
EGYPT TODAY. American Direct Investment in Egypt records $22.8B in 2019. 09 de dezembro de 2019. Disponível em: < https://www.egypttoday.com/Article/3/78526/American-direct-investment-in-Egypt-records-22-8B-in-2019>. Acesso em 25 de agosto de 2021.
ISRAELI MINISTRY OF FOREING AFFAIRS (2003). Israel-Egypt: A Review of Bilateral Ties. Disponível em: <https://mfa.gov.il/MFA/ForeignPolicy/Bilateral/Pages/ Israel%e2%80%93Egypt-%20A%20Review%20of%20Bilateral%20Ties.aspx >. Acesso em 23 de agosto de 2021.
PHILIPP, Peter. DW. 1979: Egito e Israel assinam o Acordo de Camp David. Disponível em: <https://www.dw.com/pt-br/1979-egito-e-israel-assinam-o-acordo-de-camp-david/a-305984>. Acesso em 23 de agosto de 2021.