O descomedido convite da história ao entendimento e apreensão dos acontecimentos do passado é um dos mais ousados e morosos empreendimentos das Ciências Humanas. Isto posto, volta-se, na data de hoje, a um dos eventos mais importantes do Cone Sul, a saber, a declaração de guerra ao Brasil pelo então Presidente do Paraguai Solano López.
O episódio conduziu os países à Guerra da Tríplice Aliança ou, mais comumente conhecida, à Guerra do Paraguai, o maior conflito sul-americano desde a colonização que se desenrolou na região do Rio Prata entre os anos de 1864 a 1870. Admite-se que a guerra é, invariavelmente, fruto de um contexto, que, no entanto, não se faz sozinho. Nesse sentido, à título de explorar esse episódio, a presente matéria apresenta, em primeiro momento, uma síntese do que se sucedeu na região àquela época e, em sequência, salienta-se quais foram os desdobramentos da guerra para os países do Cone Sul.
Os antecedentes
A justaposição das origens do confronto nos leva aos antecedentes políticos dos beligerantes envolvidos. A começar pelo Brasil, o Império atravessava um momento de crescimento em termos culturais e de política externa. Mediante a consolidação do Estado Imperial, através da criação da liga progressista, e o estabelecimento das fronteiras nacionais, decorre-se a estabilização dos conflitos internos. Posta a solidez política, a administração do Segundo Reinado deslocou sua atenção para a região do Prata (Vas, 2011). No país, nesse contexto, a década de 50 representou o recrudescimento do patriotismo através da modernização das forças militares.
A Argentina, unificada no início da década de 60, volta a atenção para a região do Rio da Prata com o objetivo de retomar o controle das antigas colônias na região, a saber, Paraguai e Uruguai (ibidem). O território argentino, naquele momento, traçava o caminho para o crescimento e diversificação econômica e, sobretudo, político, após a independência da Espanha.
O projeto de uma Argentina unida somente se tornou real a partir de 1862, especialmente nos governos de Bartolomé Mitre (1862-8) e Domingos Faustino Sarmiento (1868-74), tendo como pilares e promotores da identidade e unidade nacional a Justiça federal e o Exército nacional. Ambos buscaram promover a unidade nacional, a criação de instituições liberais e o incentivo à modernização (VAS, 2011, p.52).
Na sequência, sobre a década de 50, o Império brasileiro atuava de modo a compelir o Uruguai, governado pelo partido blanco do então presidente Aguirre, sob a narrativa de que os brasileiros residentes no país estariam sendo preteridos pela administração local; começando a partir daí as diferentes ingerências políticas no Uruguai.
À vista da reputação histórica enquanto um lugar de disputas territoriais, igualmente por Brasil e Argentina, constituía-se na qualidade de estado frágil, haja vista a recente conquista da independência. Essas intervenções, segundo Vas (ibidem) eram direcionadas ao apoio de partidos locais (blancos e colorados), e contornou a Guerra do Paraguai, uma vez que a aproximação de Aguirre ao Paraguai era diametralmente oposta aos interesses brasileiros e argentinos, aliados ao partido colorado. Desse antagonismo, tem-se a manifestação contrária do presidente paraguaio Francisco Solano López à intervenção brasileira que minaria o “equilíbrio dos Estados do Prata” (MOTA, 1995, p.251).
Em último momento, concentra-se o olhar no Paraguai. Após a conquista da independência em 1811, o país manteve-se apartado e relativamente isolado dos conflitos geopolíticos da região platina. Segundo Lynch (2004), o Paraguai seria uma espécie de “monarquia disfarçada” (Vas, 2011, p.55). Ao longo da consolidação do Estado nacional, o país sofreu constrangimento dos demais Estados no entorno, entretanto, em vistas a explorar o mercado externo,
(…) o Paraguai estabeleceu contatos diretos com os países da Europa e os Estados Unidos. (…) implementando uma estratégia de “crescimento para fora” (…). Essa estratégia permitiu que o Paraguai passasse por uma rápida modernização sem recorrer a capitais estrangeiros (…) (Vas apud Doratioto, 1994, p.60, grifo da autora).
Ao assumir o governo, Solano López buscou lastrear seus intentos para a região, configurando o Paraguai como a nova força para o equilíbrio na região do Prata a partir da expansão do Exército e consequente militarização do Estado (ibidem).
A guerra do Paraguai
O conflito deflagra-se em 1864. As tensões diplomáticas e políticas entre os países culminam, por um lado, na intervenção brasileira na Banda Oriental e, por outro, quando o Paraguai declara guerra ao Brasil (casus belli), e invade a região do Mato Grosso, com vistas ao território do Uruguai, no intuito de perfazer os supostos projetos expansionistas e geopolíticos do então presidente paraguaio Francisco Solano López (Vas e Oliveira, 2014).
Após a apreensão de um vapor mercante brasileiro, em 13 de dezembro de 1864, o Brasil entra em estado de guerra contra o Paraguai. A formalização da declaração de guerra brasileira só se efetiva em 27 de janeiro de 1865 (Vas, 2011).
Em 1865 forma-se o Tratado da Tríplice Aliança entre Brasil, Argentina e Uruguai. Estes se uniram para defender seus interesses em se figurarem como potências na região, haja vista que a conquista territorial era um aspecto fundamental para as propensões de cada país, uma vez que, à época, confluíram aos objetivos comerciais das elites locais para a Bacia do Prata (Doratioto, 2020). Sob o aspecto econômico, tem-se, por um lado, a finalidade paraguaia para com o comércio via navegação nos rios platinos, e, por outro, o desígnio de conter a expansão econômica do Brasil e da Argentina.
Segundo parte da historiografia, ou não se acreditava na guerra (ibidem), ou acreditava-se que essa seria rápida (Vas, 2011). De todo modo, nenhum dos fatos ocorreu. Em verdade, o tortuoso conflito desenrolou-se, com vantagem paraguaia, até o ano de 1865, quando a situação foi revertida, enfatizada pela a ocupação do território paraguaio nos anos de 1868 e 1869. Na sequência, dada a resiliência do exército paraguaio, o combate encerrou-se no ano de 1870 (ibidem).
Entre os ladrilhos dos campos de batalha revela-se a hediondez do confronto. A guerra que duraria mais de cinco anos acumulava um exorbitante número de mortos, o que implicou na reconfiguração temporal, espacial e política do que se entende por Estado-Nação, bem como o lugar das forças armadas (Mota, 1995).
Desdobramentos
Admite-se que a dimensão do confronto apresentado ultrapassa o contexto da época, não apenas em termos historiográficos, que atravessou leituras e releituras colocando em cheque o ângulo da História, como em termos da correlação de forças entre os beligerantes. Destarte, indaga-se, afinal, acerca dos efeitos germinados ou despertados pelo confronto. Hobsbawm aponta que foi um conflito organizado em parâmetros de potências hegemônicas (Mota, 1995).
Nesse sentido, segundo Mota, o genocídio da Guerra da Tríplice Aliança de origens expansionistas é responsável pela consolidação da própria ideia de América Latina, quer dizer, é a encruzilhada que reúne o passado comum e deletério dos países do Cone Sul.
Em termos gerais, nota-se que, para o Brasil, em primeiro momento, houve a exaltação dos heróis da Guerra, como Duque de Caxias, e politicamente, nos processos de abolição da escravatura e na proclamação da República.
Na Argentina, tem-se a unificação sob a gestão Mitre, que é acompanhada, em contrapartida, por uma rejeição à guerra em favor do Paraguai e contrária ao combate em favor do Brasil. Nos encerramentos, ambos Brasil e Argentina entraram em disputa pelos territórios. Para o Uruguai, tem-se a superação da tradição liberal e religiosa, caminhando para um novo governo militar unido pelo credo autoritário e progressista. O Paraguai, considerado o agressor e, portanto, causador da Guerra, perdeu mais da metade do seu território em litígio, dado o acordo secreto de Brasil e Argentina, além da expressiva redução da população masculina. Sobre o desfecho, tem-se que:
A Argentina protegia no Paraguai os antigos desterrados; o Brasil, além de fazer-se ceder os territórios em disputa, avalizava um governo dominado por antigos generais de López, (…) a reconstrução do Paraguai se fez sob o signo da grande propriedade privada (…); o país fica assim destinado a manter sua principal vinculação econômica com a Argentina (…). (Mota apud Donghi, 1995, p.247)
Referências bibliográficas
MOTA, Carlos Guilherme, Guerra do Paraguai: história e polêmica. Estudos Avançados 9 (24), 1995;
VAS, Braz Batista e OLIVEIRA, Silmária Mouzinho, A Guerra do Paraguai por Meios de Diários e Reminiscências. Historiæ, Rio Grande, 5 (1): 305-330, 2014;