As origens da União Europeia: antecedentes históricos
A União Europeia tem suas origens em outras estruturas regionais que a antecederam. A história do bloco conta com Richard von Coudenhove-Kalergi como um dos seus principais precursores, o qual levantou a ideia de uma unificação da Europa – por meio da sua obra intitulada Pan-Europa, publicada em 1923 -, sob o nome de PanEuropean Union (VILLANUEVA, 2005).
Finda a Primeira Guerra Mundial, Kalergi observou que havia a conjuntura ideal para que fosse estabelecida uma Europa unida e pacífica. Com a sua obra, traduzida para os principais idiomas mundiais, encabeçou um verdadeiro movimento de unificação, influenciando grande parte da literatura da época . Um dos seus argumentos principais era o de que, caso não se integrassem, as nações do velho continente acabariam colapsando, sendo transformadas em colônias soviéticas, e (ou) protetorados americanos (VILLANUEVA, 2005). No entanto, com o advento da Segunda Guerra, as suas percepções foram esquecidas, sendo relembradas anos mais tarde.
Considerado um marco de destaque para a retomada do ideal integracionista, o célebre discurso de Winston Churchill, proferido no dia 19 de setembro de 1946, expressou a necessidade da criação de uma espécie de Estados Unidos da Europa, a fim de reerguer as nações europeias em um cenário pós-guerra e promover a paz.
É preciso dizer que a Segunda Guerra Mundial instaurou um cenário fértil para a construção de uma nova Europa. Isso porque os países do velho continente perceberam que não seriam capazes de, isoladamente, evitar a ocupação dos seus territórios por personagens à semelhança de Hitler, sendo necessário, portanto, que houvesse uma união entre eles, de modo a dificultar a instauração de novas guerras e restaurar a influência das Nações recém devastadas no cenário internacional (BOGDANOR, 2019).
O ano de 1948 deu lugar à realização do Congresso Europeu (Congresso de Haia), importante reunião de líderes europeus em benefício da integração europeia. Como resultado, foi criado, no ano seguinte, o Conselho da Europa, organização baseada na cooperação política, buscando não só uma unidade entre as nações partícipes, como também a promoção de princípios comuns e o desenvolvimento sócio-econômico.
Percebeu-se, no entanto, que os países europeus ainda não estavam preparados para implementar uma integração de dimensões continentais. É nesse contexto que surge a corrente neofuncionalista, cujos ideais defendiam a implementação paulatina de uma associação entre os Estados, por meio de passos pequenos e concretos (OCAMPO, 2009).
Sendo assim, o então Ministro Francês dos Assuntos Exteriores, Robert Schuman, em conjunto com o diplomata e economista político, Jean Monnet, encabeçam a ideia de uma estrutura comunitária alicerçada na produção do carvão alemão e do aço francês, matérias-primas fundamentais para a reconstrução dos Estados ali presentes. Admitiam, ainda, que a comunhão entre a França e a Alemanha, tornaria uma nova guerra improvável, pondo fim à rivalidade entre ambos.
Institui-se a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA) em 1952, com Alemanha, Itália, Luxemburgo, França, Bélgica e Países Baixos como integrantes, livrando de taxações as exportações e importações do carvão e do aço. O Tratado de formação da CECA deixa claro o objetivo de estabelecer um mercado comum, a fim de que houvesse uma expansão econômica dos países membros. Não é à toa que Robert Schuman caracteriza a formação regional como essencial para a concretização de bases comuns para o desenvolvimento econômico, sendo, assim, a primeira etapa para a concretização de uma federação europeia.
A organização da Comunidade estava alicerçada em uma Alta Autoridade (High Authority), formada por integrantes designados por cada um dos Estados-membros, com função de administrar o mercado comum; além de contar com um Conselho Especial de Ministros, um Tribunal de Justiça e uma Assembleia Parlamentar.
Protótipo da atual Comissão Europeia, a Alta Autoridade já assumia feições de uma organização supranacional, tendo a função de representar o interesse comum das Nações e o poder de proferir decisões vinculativas para os Estados integrantes. Desse modo, alega-se que a CECA já continha, desde a sua fundação, o germe da atual União Europeia (BOGDANOR, 2019), a qual, anos mais tarde, vem a ser considerada como exemplo de integração política e econômica, baseada na livre circulação de bens, pessoas, serviços e capitais.
Tratado de Maastricht e a estrutura concebida à União Europeia
De modo a consolidar a convergência de interesses dos Estados europeus que vinham sendo estabelecidos no decorrer da segunda metade do século XX, especialmente após a derrocada do Pacto de Varsóvia, concebeu-se o Tratado de Maastricht, também conhecido como Tratado da União Europeia, cujo principal propósito foi a instituição de uma união política e monetária no continente. Diz-se, nesse sentido, que o documento foi a base para o enquadramento necessário para a projeção da Europa no século XXI (MOURA, 2001).
O Tratado de Maastricht, assinado em 7 de fevereiro de 1992, é apontado pela literatura como um extenso acordo arduamente concebido “entre partidários e adversários da integração” (SILVA, 2010). O texto dispõe sobre a organização do bloco e seus pilares. Um destes é a união econômica e monetária, por ter como objetivo a “plena circulação de capitais, o controlo da inflação, a solidez das finanças pública (sic), a fiscalização efetuada pelo Instituto Monetário Europeu sobre os progressos realizados pelos Estados-membros e a realização da União Monetária” (NUNES, 2018). A consolidação desse projeto se deu com a instituição do euro como a moeda a ser utilizada no bloco a partir de 1999 (NUNES, 2018).
Nota-se que quando da elaboração do documento, Reino Unido e Dinamarca foram objeto de uma cláusula de isenção à aderência da moeda única, resguardando a possibilidade de aderir ao euro. Expõe-se que enquanto a Dinamarca sujeitou a questão a referendo, cujos votantes massivamente se manifestaram contra a adesão ao euro, o Reino Unido nunca o considerou seriamente (SILVA, 2010).
Vale apontar também o projeto de integração entre as populações do continente europeu, que se deu com o alargamento do conceito de cidadania, que passou a abarcar todos os nacionais dos Estados-membros numa cidadania europeia. Seu detentor adquiriu o direito de transitar livremente entre os países do bloco e de estabelecer residência onde quisesse (NUNES, 2018). Além disso, o Tratado de Maastricht tem previsões de políticas educacionais e culturais, de modo a impulsionar a mobilidade dos jovens entre os Estados e a promoção da “especificidade cultural europeia” (SILVA, 2010).
Posteriormente, o Tratado da União Europeia foi reformado mediante uma série de tratados dos quais se destacam o de Amsterdã (1999), de Nice (2001) e de Lisboa (2007), que tiveram por objetivo acomodar os alargamentos do bloco e ajustar uma série de compromissos firmados anteriormente, fortalecendo os mecanismos de funcionamento do bloco, inclusive os democráticos (SILVA, 2010). A sucessão de documentos políticos que buscaram a integração dos países europeus tem sido vista como um meio de fomento à cooperação internacional, ao reforço da segurança e a sustentabilidade do plano social (NUNES, 2018), com frutos que suplantam, em abundância, os projetos de união previstos no início do século XX.
Referências
BOGDANOR, Vernon. Beyond Brexit – Towards a British Constitution. Londres: I.B. TAURIS, 2019
GRANILLO OCAMPO, Raúl – Direito Internacional público da integração. Tradução de S. Duarte – Rio de Janeiro: Elsevier, 2009
MOURA, Teresa. De Maastricht a Nice. Nação e Defesa, 2001.
NUNES, Rosa Albuquerque. História da Construção Europeia, 2018.
SILVA, António Martins da. História da unificação europeia: a integração comunitária (1945-2010). Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2010.
VILLANUEVA, Daniel C., Richard von Coudenhove-Kalergi’s Pan-Europa as the Elusive “Object of Longing”. Rocky Mountain Review (fall 2005), University of Nevada, Las Vegas, 2005.