Os níveis de análises de política internacional abarcam desde os tópicos mais tradicionais da geopolítica, como lutas independentistas, afirmação de nacionalidades, rivalidades ideológicas, guerra e paz, tratados, representações diplomáticas, até as novas searas da temática internacional, como meio ambiente, biodiversidade e desenvolvimento sustentável. Dentro dessa gama de assuntos relacionados à política exterior de cada Estado, um tópico em especial será destacado por este trabalho, o esporte.
O intento deste artigo é demonstrar, através de ações factuais ao longo da história, o papel do esporte como ferramenta de propaganda e de disseminação da Política Internacional dos Estados-nações. Independente da modalidade física, a prática esportiva será constatada como sendo uma ferramenta pujante de soft power dos Estados no Sistema Internacional. Além de serem grandes eventos esportivos, como a Copa do Mundo de futebol e os Jogos Olímpicos, grandes competições esportivas representam uma forma de inserção de poder por meio da competição entre nações, raças e ideologias.
Será também exposto neste artigo como a imagem do Brasil se beneficia através do esporte, principalmente em relação ao futebol brasileiro, sendo este reconhecido mundialmente através da nossa seleção e de atletas brasileiros de renome internacional na qual fizeram parte da história futebolística.
Esporte e Política Internacional
Alguns antropólogos afirmam que o jogo pode ser considerado um antecessor da cultura, já que ela, mesmo em suas definições mais rasas, pressupõe sempre a existência da sociedade humana enquanto o jogo, propriamente dito, podendo ser detectado no reino animal, é categorizado como algo selvagem e primitivo.
Para Joseph Nye, destacado teórico de Relações Internacionais, o soft power conjectura os meios de exploração da cultura, esporte e imagem como ferramentas persuasivas e facilitadoras nas interações do Sistema Internacional. O esporte favorece e solidifica vínculos de aproximação entre os povos. A simbiose de afinidades e conquistas que o esporte proporciona transborda para instâncias governamentais, setores empresariais e jornalísticos, tendo como resultado a divulgação internacional dos países e o advento de oportunidades mercadológicas.
Na Grécia antiga, para participar dos jogos de arena e de estádio, os atletas deveriam satisfazer diferentes níveis de exigência entre civis, como, por exemplo, não ser culpado por desobediência religiosa, não ser acusado de crime de morte, não ser considerado como insubmisso político e não ser devedor dos cofres do Estado. Umas das práticas mais conhecidas de esporte leva no nome algo intrínseco entre práticas desportivas e as Relações Internacionais. Em 490 a.C., o famoso soldado ateniense Filípedes correu desde Marathon, na Ática, até Atenas, totalizando uma distância de 42 km, para indicar a vitória de Milcíades sobre os Persas. Devido a esse fato, a competição que faz os atletas percorrerem 42 km, na qual vence quem atinge a marca primeiro, é chamada Maratona.
Uma comprovação de função da prática esportiva no mundo contemporâneo conjectura-se a circunstância do espetáculo desportivo estabelecer um modo sólido e saudável de empregar o lazer aos povos. Alguns cientistas sociais de grande prestígio, como Bertrand Russell, Roger Bastide, Ortega Y Gasset, defendem a importância quase prioritária ao estudo dos esportes, até mais do que a consciência política, devido ao papel de distração e ocupação homogênea das classes sociais.
No Sistema Internacional, os governos aplicaram e aplicam correntemente o esporte como ferramenta de política externa, muitas vezes caracterizada como recurso de diplomacia. A Ditadura Franquista sob o comando do ditador espanhol, General Francisco Franco, manipulou a população do seu país através do esporte. O Franquismo manuseava o futebol com o objetivo de distrair os espanhóis para “maquiar” as barbáries e rigores da Ditadura Espanhola. Torcedor fanático do Real Madrid, Franco fazia uso panfletário das vitórias do time madrilenho contra as equipes do Barcelona e do Atlético Bilbao, como prova de superioridade dos castelhanos sobre catalães e bascos. Franco detinha o desejo de usar o esporte para fazer propaganda do governo e, consequentemente, abrangia o objetivo de fortalecer o time da capital espanhola.
As Olimpíadas de Berlim de 1936 salientaram as projeções do Partido Nacionalista Alemão, sob o comando de Adolf Hitler, de ratificar nos jogos a superioridade da raça ariana. Nas arquibancadas do estádio, erguido especialmente para as Olimpíadas de Berlim, os espectadores que, segundo projeções, chegavam a 100 mil pessoas, erguiam cartazes da propaganda nazista, asseverando a hostilidade racial. A latente discriminação racial foi corroborada quando, o então Ministro de Propaganda e fiel escudeiro de Hitler, Goebbels, chamou os atletas negros norte-americanos de “auxiliares africanos”.
A resposta veio na arena esportiva, quando Hitler e Goebbels testemunharam, presencialmente nas tribunas de honra, o atleta negro norte-americano Jesse Owens vencer as principais provas de atletismo, superando rivais arianos apoiados pelo regime nazista, empilhando recordes mundiais e olímpicos, corroborando assim para uma humilhação pública do nazismo. O episódio ficou marcado na história esportiva, virando tema do filme chamado Race.
Os Estados Unidos e a extinta União Soviética utilizaram, através do meio governamental, do esporte para usos diplomáticos, sublinhado pela disputa ideológica, como meio para atrair e solidificar vínculos com seus aliados. As disputas ideológicas transcenderam no contexto da Guerra Fria para o terreno esportivo. Na abertura das olimpíadas de Helsinque, Finlândia, de 1952, os dirigentes da URSS estabeleceram um enorme painel de resultados, servindo como vitrine e demonstração de superioridade na conquista de medalhas. Entretanto, com os resultados das primeiras provas de pista, mostrando a superioridade norte-americana frente a soviética, o placar foi desarmado. A Olimpíada de Helsinque foi a primeira competição continental que salientou mensurações comparativas entre os regimes capitalistas e comunistas.
Nas olimpíadas de 1956, em Melbourne, na Austrália, o esporte esteve no cerne da arena geopolítica/esportiva devido à invasão Soviética ao território húngaro, à crise do Canal de Suez e ao abandono da China ao Comitê Olímpico Internacional (COI), exigindo a volta da sua delegação dado que a representação de Formosa também estava prevista a participar. O destaque das Olimpíadas foi a União Soviética, que desbancou os Estados Unidos na contabilidade do quadro de medalhas resultando êxitos perpassados para a esfera política e trunfo de propaganda ideológica.
O Japão e a sua capital, Tóquio, vinte anos a posteriori do término da Segunda Guerra Mundial, adquiriram capacidades e condições para investir US$ 2 bilhões no evento esportivo. As olimpíadas de Tóquio foram chamadas de “os Jogos Felizes”, que tiveram como beneficiário mor o Estado japonês, tendo em vista que conseguiu lograr importantes acessos de turistas e de investimentos, retornos comerciais, mas, principalmente os ganhos de projeção externa do Estado japonês, fragilizado pela participação japonesa na Segunda Guerra.
O regime segregacionista do apartheid na África do Sul trouxe malefícios para a imagem externa do país, pois o esporte sul-africano fora duramente afetado. Nos jogos de Montreal, Canadá, em 1976, foi observado a recusa de participação por parte dos países africanos (exceto a Tunísia, o Senegal e Costa do Marfim), em protesto pela inclusão da Nova Zelândia ao evento que, se mostrando indiferente à conjectura internacional, mandara seu time de rugby jogar torneios na penalizada África do Sul do regime segregacionista apartheid. O Estado chinês também não enviou delegações para o evento devido à aproximação do COI com Formosa. A partir de Montreal, a palavra boicote seria manipulada frequentemente no dicionário olímpico, sendo reverberado nas duas competições olímpicas seguintes.
Todavia, foi no ano de 1980, nas Olimpíadas de Moscou, Rússia, que o boicote deteriorou o movimento olímpico intensamente; tendo em vista que o contexto ideológico esteve diretamente interligado na arena política-esportiva. A maior potência olímpica, os Estados Unidos, não enviou sua delegação aos jogos em retaliação à invasão soviética no Afeganistão, em 1979. O presidente norte-americano da época, Jimmy Carter, utilizou a influência do país para sedimentar o apoio de 64 Estados nacionais ao embargo esportivo.
A resposta da URSS veio quatro anos mais tarde, com o embargo da participação dos soviéticos nos Jogos de Los Angeles, Estados Unidos, em 1984. Do bloco socialista, somente a Romênia compareceu. A carta de justificativa dos soviéticos remetida ao COl descrevia a insinuação de que os atletas corriam riscos de atentados, sequestros, e subornos para exílio em Los Angeles. Segundo a justificativa oficial da URSS, uma suposta “campanha antissoviética seria lançada por setores reacionários dos Estados Unidos em simbiose com as autoridades locais”.
Na contextualização da política exterior de cada país, os eventos universais do esporte, como as Olimpíadas, demonstram como, por meio das competições esportivas, outras complexidades e interesses geopolíticos estão em jogo, como gestões políticas, interesses econômicos e tratativas diplomáticas.
A reaproximação das relações diplomáticas entre os Estados Unidos e a China teve no esporte papel imprescindível para o sucesso. Conhecida como “diplomacia do pingue-pongue”, essa iniciativa se embasou em uma “missão precursora” na qual jogadores norte-americanos de tênis de mesa venceram competições na China. Na ocasião, a RPC convidou o time estadunidense para exibir suas técnicas nos torneios de exibição. Tais encontros esportivos serviram como arrefecimento para o clima político na visita de Richard Nixon à RPC em 1972.
O ensejo chinês testemunhava a prática de utilizar o esporte como engendramento político. Henry Kissinger, então assistente para assuntos de segurança nacional do presidente dos EUA, Richard Nixon, clarificava a iniciativa chinesa como “a formalização dos intercâmbios encorajados pelos dois governos, o estímulo à abertura do comércio, o estabelecimento de um mecanismo diplomático para contatos continuados, manifestações comuns acerca de alguns princípios gerais de relações internacionais”. O comunicado de Kissinger demonstra como as práticas desportivas são capazes de atuar como princípios de políticas exteriores dos Estados-nações.
Cuba utiliza seu ótimo desempenho físico como ferramenta de soft power de sua política externa. O esporte serviu, ao longo da história de Havana, como plataforma para explanação de supostas virtudes do regime, reforçando a prioridade que o país dá ao campo educacional. O governo designa sua política pública de esportes como sendo prioritária, utilizando seus programas de cooperação técnica e relações internacionais. Os resultados cubanos refletem em suas ótimas performances obtidas em competições internacionais, sendo superado nas Américas apenas pelos Estados Unidos, e ficando à frente de países mais populosos e de maiores recursos, como Argentina, Brasil e México.
Por ser um esporte de abrangência mundial, e provavelmente o mais assistido do mundo, o futebol frequentemente está envolvido em temáticas relacionadas ao campo das Relações Internacionais. A vitória da seleção argentina contra a seleção inglesa, na Copa do Mundo de 1986, no México, teve um sentimento de revanchismo frente ao que havia transcorrido no pequeno arquipélago do Atlântico Sul, as Ilhas Malvinas – conhecidas em inglês como Falklands. Em uma atuação antológica de Diego Armando Maradona, a Argentina venceu a Inglaterra nas quartas de finais do torneio, com dois gols de Maradona, sendo um deles assinalado com a mão, que lhe rendeu o apelido de “La mano de Diós”.
A ditadura argentina havia acabado, dando inicio à democracia. A posteriori da derrota na Guerra das Malvinas, o sucesso argentino no jogo contra os ingleses serviu como um desabafo acentuado para os argentinos, uma revanche não bélica, mas na seara esportiva. Maradona, na ocasião, fez mais do que dois gols; ele foi responsável por recuperar no campo de futebol o orgulho ferido pelos ingleses na batalha de 1982. Esse caso exemplifica como o esporte transborda para as relações internacionais, exibindo amplas ligações profundas.
Em 2019, na final da Liga Europa, segundo torneio mais importante do continente europeu, disputado entre os times ingleses do Arsenal e do Chelsea, o jogador armênio Henrikh Mkhitaryan, do Arsenal, foi impedido de participar da partida, realizada no estádio Olímpico de Baku, capital do Azerbaijão, por uma questão de segurança. A Armênia, terra natal de Mkhitaryan, e o Azerbaijão, local onde foi disputada a Final da Liga Europa, litigiam a região de Nagorno-Karabakh desde 1994. Sendo assim, o país palco da final do torneio recusa vistos de entrada a cidadãos armênios. Temendo pela seguridade de Mkhitaryan, o Arsenal optou por não utilizar o atleta na partida, asseverando como o transbordamento político afeta a esfera esportiva.
O ex-Secretário-Geral da ONU, Kofi Annan, afirmava que “povos e governantes que admiram esportistas e artistas por seus feitos fantásticos sensibilizam-se com o trabalho dos referidos representantes especiais da ONU e podem deles recolher inspiração para a justiça social, o equilíbrio das relações internacionais e o objetivo maior da paz mundial”.
Outra questão levantada por esta pesquisa é o que diz respeito à capacidade de recursos de natureza esportiva para geração de viabilidades publicitárias, retornos comerciais, superávit financeiro e o desenvolvimento da projeção nacional dos Estados oriundos de grandes eventos esportivos. Os benefícios que fomentam os esportes também são distribuídos para outras áreas internas dos países gerando riqueza e renda para os cidadãos. Como o setor de construção civil, obras públicas e locação de material de TV e vídeo, para o televisionamento de grandes eventos. A promoção esportiva, além de ser uma oportunidade sublime para a política externa dos países, confirma também novas oportunidades de inversões, exportações, massificação da divulgação na mídia internacional convergindo a combinação de esporte, cultura, lazer e bem-estar para as populações dos Estados.
Os esportes há muito têm sido propícios aos espetáculos, com eventos como as Olimpíadas, World Series, Super Bowl, a Copa do Mundo e os campeonatos de basquete da NBA, atraindo audiências maciças e gerando anúncios a preços astronômicos. Esses rituais culturais celebram os valores mais profundos da sociedade – por exemplo, a competição, o sucesso e o dinheiro – e as empresas estão dispostas a investir vultosas verbas para que seus produtos se associem a tais eventos. Realmente, parece que a lógica da mercadoria do espetáculo está tão inexoravelmente entranhada nos esportes profissionais que estes não podem mais existir sem o acompanhamento de torcidas animadas, mascotes gigantes, que brincam com os jogadores e espectadores, sorteios, promoções e competições envolvendo os produtos de diversos patrocinadores (KELLNER, 2006, p. 128).
Citando especificamente a NBA, e reverberando a magnitude que os esportes alcançam para as relações internacionais em quesitos econômicos, em 2019, a liga norte-americana esteve no âmago de uma polêmica envolvendo a China e um diretor-geral da franquia do Houston Rockets, Daryl Morey. O diretor utilizou sua conta pessoal no twitter para tuitar “Fight for freedom, stand with Hong Kong” traduzindo para o português “Lute pela liberdade, apoie Hong Kong” manifestando seu apoio público aos manifestantes de Hong Kong.
Após críticas e insultos velados ao seu comentário, o diretor da franquia texana apagou imediatamente sua postagem numa atitude de arrefecer a indignação chinesa por essa mensagem de apoio aos manifestantes pró Hong Kong. Em um comunicado, a própria NBA admitiu que as palavras proferidas por Morey “ofenderam profundamente muitos de nossos amigos e fãs na China, o que é lamentável”.
O mercado chinês possui extrema importância para o NBA, visto do ponto econômico. Segundo a Forbes, a NBA China, responsável pelos negócios da liga no país, possui valor de mercado avaliado em 4 bilhões de dólares e estima-se que 500 milhões de torcedores chineses consumam conteúdos ligados ao NBA. Melhor jogador dos Rockets, James Harden, conhecido como “barba”, manifestou seu repúdio à fala do diretor-geral da sua própria franquia. “Pedimos desculpas. Amamos a China. Gostamos de jogar lá”, corroborando a notoriedade que o mercado chinês, considerado o maior fora dos Estados Unidos, exibe para a liga norte-americana. O ativista e artista plástico pró Hong Kong, Badiucao, respondeu a Harden com a seguinte explanação “Você e a NBA não amam a China coisa nenhuma! O que amam é o dinheiro da China. Seu lamentável pedido de desculpa mata a esperança de uma Hong Kong e uma China livres e democráticas”.
A intrínseca junção de desígnios políticos e interesses esportivos pode ser observada durante os correntes acontecimentos mundiais citados neste trabalho. Na próxima seção desta pesquisa, será comprovado como a imagem positiva e singular do futebol brasileiro atua como plataforma de política externa do país.
Futebol e o Soft Power brasileiro
Para alguns países, o esporte estabelece no mundo contemporâneo uma plataforma de poder embasada no soft power. Joseph Nye, um dos maiores pensadores de Relações Internacionais, assinala o Brasil exibindo dois elementos essenciais desta teoria no Sistema Internacional: a cultura popular do carnaval e do futebol. Segundo Monteiro Lobato,
“O jogo de futebol teve a honra de despertar o nosso povo do marasmo de nervos em que vivia. Antes dele, só a luta política tinha o prestígio necessário, nas classes médias, para uma “exaltação” periódica; de todos os esportes tentados no Brasil, só o futebol conseguiu aclimar-se como o café.”
O patrono da diplomacia brasileira e maior diplomata brasileiro de todos os tempos, Barão do Rio Branco, teve a antevisão de postular o apoio das elites políticas à prática dos esportes de massas que julgava propiciatórios para a construção do sentimento e da identificação nacional.
A Copa do Mundo de 1970 deflagrou a marca universal do Estado brasileiro como o país do futebol, na qual o Brasil exibiu para o mundo “a melhor seleção de todos os tempos”, servindo como instrumento de fomento ao patriotismo para o regime militar. Sob o comando do general Emílio Garrastazu Médici, a seleção em 1969 era liderada pelo técnico e notório militante comunista João Saldanha. Porém, há dois meses de iniciar a copa do mundo de 70, Saldanha foi desligado do cargo de técnico da seleção devido a sua posição antagônica ao regime militar. Nas palavras de Saldanha, “era difícil tolerar uma pessoa no comando da seleção com longa trajetória no Partido Comunista Brasileiro ganhando força, debaixo da bochecha deles”. Apreciador nato de futebol, Médici vislumbrava uma oportunidade ímpar durante a Copa do Mundo de ofuscar o endurecimento da repressão em seu início de governo. Médici utilizou propagandas ufanistas como o jingle “pra frente Brasil’’ para vincular sua imagem à seleção brasileira evocando o nacionalismo da população de torcer pela seleção.
Para Ronaldo Helal, sociólogo do futebol, “a seleção era vista como a “pátria de chuteiras’’ e houve uso político da vitória, mas se o time brasileiro não tivesse obtido êxito na conquista do campeonato, os rumos do regime dificilmente teriam mudado”. O futebol brasileiro está profundamente ligado à imagem externa do Brasil no mundo. A camiseta verde e amarela da seleção brasileira é vista frequentemente em países ao redor do globo, parecendo equivaler-se às bandeiras brancas de paz (Vasconcellos, 2012).
O maior jogador da história do futebol, Pelé, foi saudado como “profeta da paz”, durante sua presença festiva em um evento realizado no Líbano, em 1975. Na ocasião, ocorreu uma partida de exibição realizada pelo time de origem libanesa do Estrela Vermelha no Estádio Olímpico de Beirute, reunindo cristãos e muçulmanos, postergando o início da guerra no Líbano para abril do respectivo ano.
Em dezembro de 2004, a ONU designou oficialmente o ex-jogador brasileiro Kaká, então jogador do clube AC Milan como embaixador contra a fome do Programa Alimentar Mundial (PAM). Nas palavras de John Powell, Diretor Executivo do PAM, “os jogadores de futebol são embaixadores naturais. O futebol é o esporte mais popular do mundo, elimina fronteiras e une culturas”. A escolha de um atleta brasileiro foi estimulada pelo fato do governo brasileiro na época aparecer como ascendência internacional muito destacada na luta contra a fome e a pobreza mundial.
Em uma pesquisa realizada pela consultoria alemã Sport + Markt , foi revelado que o jogador brasileiro Ronaldo Fenômeno era o atleta mais conhecido em toda a Ásia, ficando à frente do piloto alemão Michael Schumacher e até mesmo de estrelas do basquete da NBA e de lutadores japoneses de sumô. Em outro levantamento internacional publicado pelo jornal El País, Ronaldo aparecia como terceira personalidade mais conhecida do mundo, perdendo apenas para o Papa João Paulo II e para o ex-presidente norte-americano George W. Bush.
As forças armadas brasileiras nas missões de paz das Nações Unidas, constantemente são recebidas pelas populações locais com afeição e cordialidade, como no Timor Leste e no Haiti, sendo o futebol brasileiro um dos responsáveis por essa simpatia. O Estado haitiano presenciou a força inigualável que o futebol brasileiro representa para a população do país. Coordenada pela Agência brasileira de Cooperação (ABC) o “jogo da paz” foi um amistoso realizado em 2004 entre as seleções nacionais do Haiti e do Brasil na qual o resultado de 6X0, a favor da seleção brasileira, teve papel secundário.
Antes da partida, jogadores como Ronaldo Nazário, Ronaldinho Gaúcho, dentre outros, desfilaram em tanques Urutus do exército, para a euforia daquele país considerado o mais pobre do hemisfério ocidental, de acordo com dados do Banco Mundial. O técnico da seleção brasileira na ocasião, Carlos Alberto Parreira, explanou seu sentimento afirmando que “no futuro, quando me perguntarem qual foi a minha maior emoção no futebol, vou dizer que foi esta. Foi demais. Várias pessoas tinham dúvidas da validade deste jogo”, completou o técnico tetracampeão do mundo pelo Brasil.
A chamada “Diplomacia de Chuteiras” liderada pelo presidente da República na época, Luiz Inácio Lula da Silva, teve como uma das premissas consolidar a intenção do Estado brasileiro de integrar de forma definitiva uma cadeira no Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU). O relatório especial do Comandante da Força da MINUSTAH, (Missão das Nações Unidas para estabilização no Haiti), Augusto Heleno Pereira, relata a empatia despertada pelo jogo da paz:
O jogo da Seleção Brasileira de futebol no Haiti superou o aspecto desportivo para transformar-se em uma questão de Estado… e que, coerente com o papel político que o Brasil vem assumindo no cenário mundial, a mensagem de solidariedade e de paz, dentro do contexto de uma missão de paz que, para muitas nações, significa, sobretudo, projeção de poder, seria fantástica (VASCONCELLOS, 2011;PÁG 228).
O General brasileiro acrescenta ainda que “a declaração do Excelentíssimo Senhor Presidente da República sobre a vinda da Seleção brasileira ao Haiti desencadeou uma expectativa nacional e internacional em relação ao jogo. A população haitiana, verdadeiramente fascinada pelo futebol brasileiro, exprime sua empolgação cada vez que tem contato com um militar e identifica a bandeira do Brasil no nosso uniforme…. A imprensa local considera que a realização do jogo é parte da estratégia da MINUSTAH para o desarmamento e pacificação (VASCONCELLOS,2011; PÁG 228).
Durante o governo de Lula, o tema sempre foi tratado como prioridade na plataforma de política externa brasileira e neste caso específico do Haiti, utilizou o futebol para tentar galgar seu objetivo.
O futebol brasileiro enverga na sua história essa magia de alegria e a exuberância de um futebol acurado provocando quase um estado hipnótico coletivo. O escritor iugoslavo Vladimir Dmitrievich defende que a prática futebolística se tornou o elemento civilizatório e modernizador mais significativo do século XX e afirma que “uma grande seleção de futebol só pode ser realmente grande quando reflete em sua maneira de jogar os ideais e o modo de vida do país que a produziu”, exatamente o que intercorre no caso brasileiro, sendo o futebol o espelho da maneira de viver da população brasileira.
A diplomacia presidencial exercida por Lula no seu empenho em trazer ao Brasil a Copa do Mundo de 2014, ratifica como o esporte e, a priori, o futebol, conseguem auferir tantas virtudes indizíveis para o Estado brasileiro, conhecido internacionalmente como “o país do futebol”. A inserção do Brasil na conjectura internacional foi dita certa vez pelo ex-chanceler Celso Lafer de que “política externa deve traduzir necessidades internas em possibilidades externas”.
Conforme prognosticara Barão de Rio Branco, os esportes teriam função de reverberar profundos reflexos benevolentes para a sociedade brasileira através da solidariedade reunida do povo e da função do programa esportivo de massa, em proveito da solidificação e da projeção nacional e internacional do país. Nessa ótica, o esporte, mais especificamente o futebol brasileiro, integra o soft power do país por ressaltar a identidade própria e assegurar a atuação acentuada de sua ação externa conseguindo benesses, alguns ainda latentes, vantajosos para o protagonismo do Estado brasileiro nas relações internacionais.
Considerações Finais
A poderosa sinergia entre esportes e Relações Internacionais foi destacada neste artigo mediante exemplos factuais que ocorreram ao longo da história. A gênese deste trabalho foi abarcar como as práticas desportivas são utilizadas como baluarte de política externa dos Estados-nações. São fontes que mobilizam vários atores, diversas instâncias, diretrizes e múltiplos recursos, traduzindo o cerne do esporte em quesitos de afirmação de valores, geração de negócios, projeção de imagem externa positiva dos Estados e pulverizando interesses nacionais.
No caso específico do Estado brasileiro, a prática futebolística testemunha a imagem que o Brasil transmite para o mundo de um povo alegre, simpático e que mesmo com todos os problemas que assolam o país, consegue utilizar essa modalidade desportiva como plataforma facilitadora nas suas interações no Sistema Internacional. O esporte é, de maneira geral, um elemento percebido no processo de propagação da cultura podendo ser utilizado no intuito de ser um recurso de política externa dos Estados no Sistema Internacional.
Referência bibliográfica:
KELLNER, Douglas. Cultura da mídia e triunfo do espetáculo. In: MORAES, D. de. (Org.). Sociedade midiatizada . Rio de Janeiro: Mauad, 2006. p. 119-147;
NYE, Jr; Joseph S. Soft power: the means to success in world politics.New York: Public Affairs, 2004;
PIZARRO, JULIANO OLIVEIRA. Fifa e o Soft Power do futebol nas relações internacionais , 2017;
SUPPO, Hugo. Reflexões sobre o lugar do esporte nas relações internacionais. Contexto int., Rio de Janeiro , v. 34, n. 2, p. 397-433, Dec. 2012;
VASCONCELLOS, Douglas Wanderley de. Esporte, poder e relações internacionais – Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2011. 3° ed.