História da fundação
O protótipo da rede social mais famosa do mundo surgiu com o intuito de conectar alunos de uma grande universidade norte-americana, porém com a tendência da expansão da globalização e conexões mundiais com o avanço da internet o portal universitário se abriu para o mundo. Criado em 2003 pelos estudantes Mark Zuckerberg, Andrew McCollum, Chris Hughes e Dustin Moskovitz, o portal online Facemash era uma forma de comunicação interna para os alunos universitários de Harvard (RECUERO, 2014). Logo em suas primeiras horas de lançamento a plataforma contabilizou mais de 450 visitantes e milhares de visualizações nas fotografias disponíveis por um dos recursos do site. Porém a ideia do Facemash foi diluída após a desativação do site partindo de determinações do Conselho de Administração de Harvard. O instituto se baseou em regras de cibersegurança para afirmar que a plataforma infringe a privacidade dos usuários (RECUERO, 2014). Em seu blog pessoal, Mark Zuckerberg, estudante de psicologia e principal idealizador do software, fez um breve desabafo sobre a ocorrência da época: “Talvez Harvard silencie o Facemash por motivos legais, sem compreender o seu valor como um projeto com potencial, que poderá ser expandido a outras universidades …” (O’BRIEN, 2007).
Seguindo uma de suas ideias principais em trazer mais imagens para os sites, logo no semestre seguinte Zuckerberg reaproveitou parte de seu projeto do Facemash para criar uma nova plataforma. Dessa vez, voltada para um trabalho da matéria de Estudos Sociais, Mark desenvolveu um site que abrigava mais de 500 imagens de pinturas da época Renascentista, como uma coleção em formato online. As imagens continham espaços para comentários dos visitantes, permitindo uma interação direta com os alunos de História da Arte: “Em duas horas todas as imagens estavam cheias de comentários, e tive muito sucesso nessa disciplina. Tivemos todos” (McGirt, 2007). Após mais um sucesso de suas criações, Zuckerberg resolveu tentar novamente montar um novo website em janeiro de 2004. O site Thefacebook tinha total inspiração em seu primeiro lançamento, o Facemash, incluindo o incidente ligado ao Conselho de Harvard, já que para essa nova plataforma Mark fez questão de tomar os cuidados necessários com as regras de segurança e privacidade da universidade (RECUERO, 2014).
Após um mês de criação, o Thefacebook já contava com mais da metade dos estudantes de Harvard inscritos em seu banco de dados, sendo possível a expansão para demais universidades estadunidenses. O sucesso direto permitiu que Zuckerberg e Sean Parker, o novo assessor da plataforma, pudessem investir para adquirir um domínio direto do website. Assim, em 2005, a plataforma passou por mudanças, primeiramente se fixando com o nome de Facebook e adquirindo legalmente o domínio do link “facebook.com”, e além disso permitiu a entrada de mais redes universitárias na plataforma, chegando ao número estimado de 800 instituições (Arrington, 2005), depois disso a rede continuou sua tendência de expansão cada vez mais intensamente: “A última grande expansão do Facebook ocorreu em 2006, com o alargamento da permissão de acesso a qualquer internauta com idade superior a 13 anos e com um endereço de email válido.” (ALVES, P. et al, p. 4) Essa última estratégia foi o ponto crucial para que a rede social ganhasse fama mundialmente devido a facilidade de acesso na plataforma.
Popularização
A abertura do Facebook para públicos de fora do espectro universitário foi um sucesso estrondoso, tanto que no ano de 2007 mais da metade dos usuários já não eram mais apenas dos Estados Unidos (KIRKPATRICK, 2011). A adesão internacional causou um impacto generalizado, tanto que em 2009, segundo a empresa Nielsen Company, o tempo gasto na internet com o acesso de redes sociais havia ultrapassado o tempo gasto com a utilização de e-mails pela primeira vez já registrada. O tempo de utilização de redes sociais cresceu mais de 50% em todo o mundo, mas surpreendente o Facebook conseguiu ultrapassar até mesmo esse recorde: “O Facebook, no entanto, estava em outro grupo. Ultrapassou todos os outros serviços que a Nielsen mediu. O tempo gasto no Facebook aumentou 566% em um ano, passando para 20,5 bilhões de minutos.” (KIRKPATRICK, 2011, p. 266). E mesmo após muitos anos de sua estreia ao universo globalizado das plataformas web, o Facebook marcou diversas tendências que são replicadas por outras redes sociais. A mais expressiva de todas são as formas de reação em postagens, com apenas um botão os usuários puderam passar a expressar seus sentimentos diante do que é apresentado a eles. A funcionalidade de “curtir” algo continua sendo replicado em diversas outras plataformas, mas sua popularização inicial começou no Facebook em 2009.
Polêmicas iniciais
Assim como esperado de algo tão expansivo globalmente, algumas atitudes e escolhas de gerenciamento da plataforma acabaram tendo uma exposição muito maior do que calculado. Assim como na primeira criação de Mark, a adequação aos requisitos de segurança cibernética ainda era um fator muito frágil. E com o Facebook essa fragilidade se tornou ainda mais perigosa, pois dessa vez o web site carregava milhões de informações pessoais, um número gigantesco de usuários diários, ou seja, um cenário perfeito para invasores de sistema com más intenções (KIRKPATRICK, 2011). Entre o ano de 2018 e 2019, houveram alguns vazamentos de dados não esperados pela plataforma que geraram, ao todo, mais de 500 milhões de usuários com seus dados pessoais expostos.
Contudo, essa não foi a primeira vez que a empresa esteve envolvida em problemas relativos à privacidade e segurança dos dados pessoais de seus usuários. Em 2012, a Federal Trade Commission, órgão estatal norte-americano responsável pela proteção dos consumidores, emitiu um parecer para que o Facebook adequasse sua conduta e suas políticas sobre o uso de dados pessoais dos usuários, tornando-as mais claras em relação aos dados coletados e ao compartilhamento desses, exigindo que a empresa obtivesse o consentimento claro do usuário antes de tornar os dados públicos. O parecer veio após uma série de denúncias de violações de privacidade da plataforma. Aplicações parceiras podiam ter acesso não apenas aos dados dos usuários que permitiram o compartilhamento dos seus dados, mas também aos dados dos amigos desses usuários, sem seu conhecimento (FTC, 2011).
Ainda em 2012, um estudo psicológico foi conduzido por pesquisadores internos do Facebook com 700 mil usuários da plataforma. Os usuários receberam, ao longo de uma semana, notícias com palavras consideradas mais positivas ou mais negativas em seus feeds. No final desse período, os usuários que receberam notícias positivas tendiam a fazer publicações mais otimistas em seus perfis, além de engajar mais com o conteúdo, enquanto o contrário ocorreu com os usuários que receberam as notícias mais negativas (KRAMER et al., 2014). O estudo sobre o efeito do contágio emocional foi publicado na revista acadêmica Proceedings of the National Academy of Sciences, em 2014. Porém, a pesquisa foi conduzida sem o consentimento expresso dos usuários da plataforma e, apesar de não estar em violação das diretrizes da mesma, que permitia a utilização dos dados de usuários para fins acadêmicos, foram levantadas questões éticas em relação à manipulação do conteúdo fornecido ao usuário pelo Facebook.
O caso Cambridge Analytica
Uma investigação realizada, em 2018, pelos jornais The New York Times, The Guardian e The Observer of London relatou que a empresa Cambridge Analytica havia obtido dados pessoais identificáveis de mais de 87 milhões de usuários do Facebook, sem o consentimento destes. Os dados foram obtidos em 2014, através de um App da plataforma chamado “thisisyourdigitallife“ (essa é a sua vida digital, em tradução livre). O App, usado por cerca de 300 mil usuários, se propunha a fazer uma análise do perfil psicológico dos usuários a partir de um quiz e do acesso aos dados de uso desses usuários no Facebook, incluindo os likes, os relacionamentos, grupos e afins. Por uma falha da plataforma, a mesma pela qual o Facebook havia sido julgado pela FTC, em 2012, o App obteve os dados não apenas dos usuários que aceitaram participar da pesquisa, mas também de seus amigos. Esses dados foram então vendidos à Cambridge Analytica, uma empresa de consultoria política norte-americana ligada à campanha presidencial de Donald Trump, em 2016. A empresa usou os dados obtidos pelo App para criar perfis psicológicos dos possíveis eleitores e, assim, desenvolver estratégias e anúncios direcionados com o intuito de influenciar as decisões de voto desses usuários (ISAAK; HANNA, 2018). A maior parte dos usuários está concentrada nos EUA, porém existem indícios de que esses mesmos dados foram utilizados durante a campanha pelo Brexit, e durante as Eleições de 2018, no Brasil.
O caso não foi considerado pelo Facebook como um vazamento de dados, mas sim como uma violação das políticas da plataforma, pois o uso desses dados eram permitidos para fins acadêmicos na época. O App “thisisyourdigitallife” havia se registrado na plataforma como um App utilizado por psicólogos para fins de pesquisa, o que permitia acesso aos dados dos usuários de forma rotineira. Entretanto, ao repassar esses dados à Cambridge Analytica, houve uma violação das políticas do Facebook e, por tanto, o App foi excluído da plataforma. O Facebook teve conhecimento dessa violação em 2015, mas não comunicou isso nem aos usuários que tiveram seus dados vendidos, nem à FTC, que regulamenta questões sobre privacidade nos EUA.
O ocorrido causou grande impacto na confiança dos usuários e do mercado, o que levou a uma queda de 6% nas ações da empresa no dia em que o caso veio à tona, além de fomentar a campanha de boicote #DeleteFacebook (exclua seu Facebook, em tradução livre), que levou à exclusão de vários perfis de usuários. Como solução, o Facebook se propôs a aumentar a proteção à privacidade de seus usuários, restringindo os tipos de informações que poderiam ser compartilhados com Apps externos, além de também aderir à lei de proteção de dados europeia. Mesmo assim, a empresa foi sentenciada pela FTC a pagar uma multa de US$5 bilhões por violar a privacidade dos seus usuários e pela falsa promessa de que era capaz de garantir a segurança e privacidade dos dados pessoais.
Conclusão: Vazamentos, Facebook Papers e Meta
Um novo vazamento de dados foi reportado em abril de 2021, dessa vez, os dados de mais de 500 milhões de usuários da plataforma foram roubados e expostos em um site para hackers. O vazamento ocorreu em 2019, portanto a empresa decidiu não comunicar aos usuários quais deles foram afetados pelo vazamento, alegando que a falha que permitiu o ocorrido já havia sido corrigida e que as informações roubadas eram antigas. Dentre os dados vazados estavam informações sobre números de telefones, nomes completos, datas de nascimento e endereços de e-mails. Esse novo vazamento impactou de forma negativa a reputação do Facebook, além de ter violado a lei de proteção de dados europeia, a qual a empresa havia aderido após o último incidente.
Uma nova polêmica surgiu envolvendo o Facebook no final de 2021. A ex-funcionária, Frances Haugen, compartilhou com a Securities and Exchange Commission, a agência governamental responsável por garantir as leis de mercado nos EUA, uma série de documentos internos do Facebook contendo estudos, memorandos, e-mails, entre outros, sobre várias questões envolvendo a empresa, que ficaram conhecidos como Facebook Papers. Dentre os documentos, estão evidências de que a empresa estava ciente que uma falha no seu sistema de medida para as reações, das quais fazem parte os likes e emojis, deixava os usuários mais expostos a conteúdos envolvendo Fake News e discurso de ódio e que a empresa demorou a agir para diminuir a ocorrência desses conteúdos por uma decisão de negócios, esse tipo de post gerava mais engajamento. Essa situação é mais grave em países em desenvolvimento por falta de investimento por parte da própria empresa. Em seu orçamento anual para combate a desinformação, apenas 16% é destinado ao “restante do mundo”, que compõem cerca de 90% dos usuários da plataforma.
Nesse mesmo período, o Facebook Inc, a empresa que controla as redes sociais Facebook, Instagram e Whatsapp, anunciou que passaria a se chamar Meta, fazendo alusão ao “metaverso”, o universo expandido que reúne o mundo físico e virtual. A proposta da Meta é ser uma evolução na forma como as pessoas se conectam, utilizando tecnologias de realidade aumentada, óculos de realidade virtual, smart glasses e outros aparelhos smart. A plataforma social Facebook mantém o seu nome, apenas a holding passou pela mudança. A mudança foi interpretada por alguns críticos como uma estratégia para se distanciar de todas as polêmicas envolvendo o Facebook. Há também indícios de que a empresa pretende, sendo a pioneira nesse novo “universo”, moldar as leis que irão regulá-lo. De todo modo, as questões sobre segurança, privacidade, desinformação e manipulação de conteúdo não foram ainda resolvidas.
Bibliografia
ALVES, P. et al. Novas formas de comunicação: história do Facebook -Uma história necessariamente breve. [s.l: s.n.]. Disponível em: <http://revistaalceu-acervo.com.puc-rio.br/media/alceu%2028%20-%20168-187.pdf>.
FTC, Federal Trade Commission. Complaint. 2011. Disponível em: <https://www.ftc.gov/enforcement/cases-proceedings/092-3184/facebook-inc>. Acesso em: 18 jan. 2022.
ISAAK, Jim; HANNA, Mina J. User Data Privacy: Facebook, Cambridge Analytica, and Privacy Protection. Computer, vol. 51, no. 8, pp. 56-59. IEEE, 2018.
KIRKPATRICK, David. O efeito Facebook. Editora Intrinseca, 2011.
KRAMER, Adam; GUILLORY, Jamie; HANCOCK, Jeffrey. Experimental evidence of massive-scale emotional contagion through social networks. Proceedings of the National Academy of Sciences, v.111, n.24. 2014.
RECUERO, Raquel. Curtir, compartilhar, comentar: trabalho de face, conversação e redes sociais no Facebook. Verso e reverso, v. 28, n. 68, p. 117-127, 2014.
MCGIRT, E. Facebook and Virginia Tech, a new normal. 2007.
ARRINGTON, M. 85% of College Students use FaceBook. Disponível em: <https://techcrunch.com/2005/09/07/85-of-college-students-use-facebook/>. Acesso em: 16 jan. 2022.