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Guerra Civil de Serra Leoa – 18 de Janeiro de 2002

Um dos conflitos mais marcantes da história do continente africano é a guerra civil que se assolou em Serra Leoa entre 1991 e 2002, conflito que é um resultado do contexto do pós-colonialismo europeu em solo africano. Em 1961 ao conquistar sua independência, os governantes que viriam a suceder o comando do país iriam enfrentar graves problemas que eram provenientes da colonização britânica em seu território, levando assim ao conflito interno que ceifou centenas de vidas em um período de 11 anos, e que marcou a história de um povo que foi explorado (GOMES, 2018).

 Em 18 de janeiro de 2002, o presidente Ahmed Tejan Kabbah declarou o fim da guerra, e como símbolo foi realizada uma cerimônia para a queima de cerca de 3.000 armas. A série de conflitos durante o período da guerra civil causou milhares de mortes e prejudicou o cenário político e econômico do país, que possui um dos mais baixos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) no mundo. 

Histórico de Serra Leoa

O que conhecemos hoje como Serra Leoa, foi no passado um domínio do Império Britânico no séc. XVIII, seu território foi escolhido como destino para os escravos libertados do império após a abolição da escravidão em 1807. A cidade de Freetown (hoje capital do país) desenvolveu de forma exponencial um rápido crescimento populacional ao receber estes povos libertos, os principais grupos étnicos que se consolidaram no país foram os Mendes que ocuparam a parte sul do país, e os Temnes na parte norte, estes dois grupos ao total representam ao total 60% da população total do país e estes mesmos protagonizaram rivalidades que apresentaram grandes casos de violência extrema. 

Os chamados Criollos (nomenclatura esta designado aos descendentes dos escravos livres) levaram a Serra Leoa um fator primordial e chave para desenvolver e consolidar a administração daquele território, pois estes receberam uma educação ocidental, surgindo aí o primeiro grande problema da nação, que foi a criação de uma elite política e o fortalecimento desta classe na cidade de Freetown. A cidade de Freetown desenvolveu uma autonomia econômica, levando a ela uma facilidade de acesso a alguns recursos, dentre estes recursos se destaca serviços essenciais como educação. 

Saltando para sua independência em 27 de abril de 1961, Serra Leoa não conseguiu eliminar totalmente os problemas herdados pelo período em que era colônia britânica como o extrativismo do diamante, mas que por um breve período entre 1961 e 1964 conseguiu se manter em paz interna e estabilidade. Milton Margai cria então o Sierra Leone People’sParty (SLPP), assume o governo do país, a imagem de que o SLPP era um partido de etnia Mende era um pouco inquietante para os demais parlamentares do país que eram ocupadas por Temnese Limba, este tipo de inquietude levou a uma polarização política envolvendo inclusive os militares. 

Os Criollos decidiram apoiar Siaka Stevens, líder APC e de origem Limba, que chegou ao poder em 1968, mas que só conseguiu tomar posse para exercer tal cargo em 1971 e que após tomar posse promoveu diversos golpes de estado que o manteve no cargo por quinze anos. Esta instabilidade política causou uma fragilidade institucional no país levando a uma grave crise econômica e autoritária.

É durante as duas décadas de governo da APC que as posições dos diferentes grupos étnicos alcançaram uma equidistância intransponível. A hipotética aliança entre Mendes e Temnes contra a minoria Limba foi rapidamente frustrada, principalmente devido à contínua desigualdade e competição entre os dois. Embora os Mendes não ocupem mais o governo, eles constituem a maioria das Forças Armadas, e os Temnes, que representam um terço da população, não têm peso na agenda pública – embora um deles tenha sido nomeado deputado em 1978 serviu como presidente do país em 2016 – e as chances de conseguir serviços são ainda piores. Porque durante as diferentes administrações Mende, as regiões do norte foram sistematicamente ignoradas (GOMES, 2018).

O regime de Limba recorreu a uma ditadura de partido único em 1978, o que despertou suspeitas entre diferentes grupos. Joseph Momoh sucedeu Stevens em 1985. Foi ele quem teve de lidar com as consequências da guerra civil na vizinha Libéria, primeiro a nível regional e depois a nível nacional. Serra Leoa desempenhou um papel fundamental na formação de um contingente militar internacional sob o comando da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO). As ações do exército da CEDEAO impediram o líder rebelde Charles Taylor de capturar a capital libanesa, Monróvia. Como resultado, Taylor planejou derrubar Momoh com o objetivo de forçar a retirada das tropas internacionais e encorajar o nascimento do RUF liderado por seu velho conhecido Foday Sankoh de origem Temne (GOMES, 2018).

A guerra civil em Serra Leoa começou no sul do país, mas rapidamente se espalhou para a maior parte de seu território. Nos últimos dez anos, a violência assolou o país em um contexto de extrema instabilidade. À medida que a luta contra os insurgentes se intensificava e a interferência estrangeira, primeiro uma interferência da Libéria e depois uma missão de paz das Nações Unidas, culminou a assim diversos governos e golpes se seguiram e se tornaram fatores decisivos (GOMES, 2018).

A Guerra Civil

Em 1991, o ano em que a guerra civil realmente estourou, a economia de Serra Leoa se deteriorou muito. Na verdade, uma série de ações malsucedidas ocorreram no setor econômico desde 1967, como abrir a exploração de diamantes para quem pudesse arcar. Anulando praticamente qualquer possibilidade de uma implementação de políticas de supervisão de mineração mineral e, em um curto período de tempo contribuir para a quase evaporação do tesouro público (GOMES, 2018). Na esfera política, Siaka Stevens respondeu ao golpe mandando alguns líderes do SLPP para a prisão e obrigando as autoridades nacionais a jurar fidelidade à APC. Este fato exacerbou as tensões raciais entre a situação Mende e Temne. Stevens amplia preconceitos totalitários, rastreia organizações de mídia que são contrárias às visões que ele defende e se envolve em corrupção, o que contribui muito para a deterioração do caos econômico (GOMES, 2018)

A causa raiz da guerra civil em Serra Leoa deriva claramente de vários problemas decorrentes da era colonial e da incapacidade do governo de liderar o país política e economicamente após a independência. Apesar da abundância de diamantes, o sofrimento abunda. Na prática, tanto o SLPP quanto o APC aspiram a alimentar e usar corrupção extensivamente. Além disso, as ações das duas partes agravaram os problemas étnicos entre as tribos Mende e Tienne. Além disso, o colapso econômico e o sofrimento de grande parte da população, especialmente no leste, onde não têm acesso a serviços básicos como saúde e educação, enquanto as elites ligadas ao governo enriquecem, o que constitui um ambiente ideal . O surgimento do RUF, com o apoio da Libéria e da Líbia, tornou-se o protagonista do início e do desenrolar da guerra civil em Serra Leoa.

O conflito em Serra Leoa durou de 1991 a 2002. Antes de começar a analisar os fatos desse período, é importante ressaltar os motivos que motivaram os conflitos mencionados há mais de uma década. Em primeiro lugar, deve-se mencionar que os ricos recursos naturais, principalmente os diamantes de aluvião, são fáceis de extrair, nesse processo ficam quase fora de controle, de modo que essas riquezas minerais podem fornecer recursos para o RUF, e o RUF pode levantar recursos para comprar armas por meio da venda. Em segundo lugar, os esforços dos grupos rebeldes para manter a guerra dependem basicamente de três fatores: a disponibilidade de recursos, a forma como esses recursos são administrados e o ponto de troca de armas (Gomes, 2018).  No caso de Serra Leoa, esses três elementos são fáceis de determinar. O diamante é a fonte de riqueza, e como suas rotas estavam localizadas a leste de seu território, fazia com que a troca de armamentos e mantimentos fossem trocados na fronteira com a Libéria (GOMES, 2018)

Em uma das tentativas de conter o conflito alguns ataques foram determinados, e acabaram por refletir na recruta de mais pessoas para a guerra. Diante da necessidade de se estabelecer e aumentar o contingente de soldados, ocorreu um salto de 3 mil para 14 mil, que inclui um número significativo de crianças. A presença de crianças soldados, tanto na RUF quanto no governo de Serra Leoa contribuiu para tornar o conflito armado muito mais complexo e hostil (VIEIRA, 2012).

É necessário ressaltar que a Organização das Nações Unidas (ONU) foi ausente de intervenção direta no país durante sete anos. Por mais que os modelos de intervenções realizadas pela ONU não sejam indicados como melhores alternativas quando se avalia a série de particularidades e contextos internos, a resolução do conflito era em grande parte dependente de um conjunto de estratégias utilizadas pelo governo do país (VIEIRA, 2012).

Em um dos acordos que se seguiram, um caminhava com o objetivo de concluir o desarmamento e a desmobilização dos grupos de combatentes e transformar a RUF em um partido legítimo. Além disso, o acordo contava com a atuação da ONU no processo de resolução de conflitos, onde quem supervisionava o mesmo era a Comissão para a Consolidação da Paz (VIEIRA, 2012).

Por uma década de sua história a Serra Leoa sofreu danos significativos por conta da guerra interna, e esse conjunto de danos se tornam ainda mais relevantes historicamente de acordo com o estado de estagnação no desenvolvimento que se instalou no país. Para além dos custos humanos que registram números altos, somando muitas perdas, o cenário político, econômico e social foi gravemente afetado e reflete nas condições de desenvolvimento da Serra Leoa mesmo anos depois do fim da guerra (DA LUZ SCHERF, GONZALEZ, 2018).

Referências

DA LUZ SCHERF, Erick; GONZALEZ, Rodrigo Milindre. Sobre o papel da sociedade civil organizada na luta pelo reconhecimento das liberdades fundamentais durante os processos de negociação da paz: lições da guerra civil na Serra Leoa e do Acordo de Paz de Lomé. Conjuntura Global, v. 7, n. 2, 2018.

GOMES, Alexandre de Souza. A GUERRA CIVIL EM SERRA LEOA (1991-2002) E SEU PROCESSO DE RESOLUÇÃO: uma análise à luz da teoria de John Paul Lederach. 2018. Tese de Dissertação-Curso de Estado-Maior para Oficiais Superiores, Escola de Guerra Naval. Rio de Janeiro, 2018. 
VIEIRA, Maurício. Promover a paz ou prolongar conflitos: a dualidade das missões de paz da ONU em Serra Leoa. Tese de Doutorado. FEUC. 2012.

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