A data de 3 de Janeiro de 1976 é marcada por mais uma conquista no campo dos direitos humanos, por ser o dia em que entra em vigor o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC). Trata-se de um tratado multilateral, adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas por meio da Resolução n. 2.200-A, de 16 de dezembro de 1966, o qual passa a viger após passada quase uma década.
O título conferido ao Pacto já expressa as dimensões jurídicas abarcadas pelo documento: aquelas que dizem respeito aos direitos econômicos, sociais e culturais (DESC). Por outro lado, é importante destacar que o artigo 2º, § 1º, deixa claro que os direitos ali contidos são de exercício progressivo, sendo resultado da adoção de medidas técnicas e econômicas efetivas, observadas as restrições dos recursos disponíveis a cada Nação.
Dividido em cinco partes, o tratado contém não apenas uma seção destinada aos direitos em si mesmos, como também pontos destinados, dentre outras coisas, ao compromisso estatal de implementar os preceitos previstos, sem esquecer dos dispositivos referentes ao mecanismo de supervisão.
Quanto aos DESC, são essencialmente considerados direitos fundamentais de segunda geração, ligados ao ideal de igualdade. Sendo assim, visam uma atuação positiva do Estado, diferentemente daqueles preceitos de primeira geração, os quais pressupõem uma abstenção do poder estatal. Destacam-se, aqui, os direitos à saúde, ao trabalho livremente escolhido e aceito, à segurança, à alimentação, à moradia, a condições de trabalho justas e favoráveis, à participação na vida cultural, ao desfrute do progresso científico, dentre outros.
Merece relevo, ainda, o preâmbulo do PIDESC, o qual remete não apenas aos princípios contidos na Carta das Nações Unidas, como também reconhece que, consoante o disposto na Declaração Universal dos Direitos Humanos, para alcançar o ideal de liberdade do ser humano, é preciso que sejam criadas condições as quais permitam o gozo não só dos direitos civis e políticos, como também dos referidos DESC.
Sendo assim, percebe-se que, apesar da existência de diferentes normativas na matéria de direitos humanos, eles são, em verdade, interdependentes e indivisíveis. A respeito dessas características centrais, Carlos Weis pontua que a indivisibilidade está ligada ao escopo maior do sistema internacional de direitos humanos, qual seja, a promoção e a garantia da dignidade do ser humano; já a interdependência diz respeito ao fato de que, por diversas vezes, a concretização de um determinado direito pode estar atrelado à observância de vários outros. É nesse panorama que o PIDESC tem a sua importância reforçada dentro do sistema internacional de direitos humanos, sendo, portanto, uma das principais normativas nessa seara.
Contexto Histórico
Em 1948, é firmada a Declaração Universal de Direitos Humanos. Contudo, a referida normativa, composta por 30 princípios, não era de caráter vinculante, isto é, não obrigava os Estados-membros a obedecerem o conteúdo inserido no documento legal.
É nesse contexto que, em 1966, a elaboração de dois pactos internacionais dotados de caráter vinculante, dentre eles o PIDESC, despontou como uma alternativa para garantir que houvesse maior compromisso dos Estados signatários no que diz respeito à proteção e ao cumprimento de determinados direitos humanos.
Vale ressaltar, ainda, que a construção de dois pactos distintos foi uma escolha feita em razão do contexto histórico da época: a guerra-fria dominava a cena geopolítica. Assim sendo, enquanto os Estados Unidos da América acreditavam na visão liberal e a defendiam no âmbito do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, a União Soviética se esforçava para explicar a importância do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais na sua área de influência política.
Anos mais tarde, a ONU viria a fundir esses dois pactos com a Declaração Universal dos Direitos Humanos e formar apenas um documento: a Carta Internacional de Direitos Humanos. Essa carta é até hoje referência para a defesa dos direitos humanos, sobretudo no que se refere à coordenação multilateral do tema no âmbito da ONU.
O Brasil e o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
Em 1948, o Brasil aprovava a Declaração Universal de Direitos Humanos, com Eurico Gaspar Dutra na presidência. Mais adiante, na época do surgimento do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, em 1966, o Brasil se encontrava no início do que seria a ditadura militar: um governo militar que praticava certas atrocidades contra seus adversários políticos, o que contrariava os direitos humanos.
Por conta desse contexto interno, o governo se manteve sob uma perspectiva de cunho soberanista, por não querer se comprometer com acordos de caráter vinculante relacionados a temas domésticos. Essa posição soberana foi defendida internacionalmente, por exemplo, na Conferência de Teerã, e nacionalmente pela implementação do AI-5, ambos de 1968.
Isso gerou uma grande pressão internacional, ainda mais quando o Chile – vizinho que também passava por um regime militar capitaneado por Augusto Pinochet – começou a ser investigado pela Comissão de Direitos Humanos – prerrogativa determinada pela Resolução 1235 de 1967. A fim de se blindar internacionalmente, o Brasil iniciou sua campanha para ser eleito na Comissão de Direitos Humanos e articular uma postura defensiva.
Esse cenário turbulento só iria mudar a partir da redemocratização, quando o governo Sarney (1985 – 1990) iniciou o que o professor Gelson Fonseca Jr. denominou de “renovação de credenciais”. Desde então, o Brasil consagrou a defesa dos direitos humanos no art. 4º da Constituição de 1988; ratificou, em 1992, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos como o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, assim como firmou diversos outros tratados capazes de levar o país a se posicionar de forma positiva e com mais confiança no cenário internacional.
Consequências do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
Conforme disposto anteriormente, o PIDESC especificou direitos econômicos, sociais, e culturais já estabelecidos pela DUDH, de forma a reafirmar sistematicamente os valores provenientes do sistema internacional de Direitos Humanos. O Pacto trouxe aspectos importantes que se refletiram em inúmeras áreas, tais como no direito ao trabalho e à justa remuneração, no direito de formação e associação aos sindicatos, no direito a uma vida adequada, no direito à educação, no direito à não exploração infantil e à participação na vida cultural, dentre outros.
Segundo Silva e Silva (2020), no Brasil, ainda que tenha sido ratificado tardiamente, podem ser percebidos importantes reflexos do Pacto na Carta Magna, sobretudo no tange à área da educação. Exemplos disso vão desde a gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais e da igualdade de condições para acesso e permanência na escola, até a liberdade de aprender e ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento.
No âmbito internacional, instituiu-se, em 1985, o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas, com o objetivo de controlar a aplicação, por parte dos Estados signatários, das disposições do PIDESC – mais uma forma de pressionar o seu cumprimento e alcançar as melhorias desejadas. A partir de então, os países passam a ter o dever de elaborar relatórios nos quais constem as medidas adotadas para cumprir o acordado, descrevendo cada uma de suas iniciativas.
Os relatórios são, então, analisados criteriosamente pelo Comitê que, por sua vez, emite observações demonstrando aspectos positivos das implementações adotadas e apontando soluções para determinados erros, além de participar da formulação de comentários gerais sobre artigos da PIDESC. Dentre os relatórios elaborados pelo Brasil, merece destaque o terceiro, o qual trouxe à baila a promulgação da Lei de Cotas em concursos públicos federais (Lei 12.990/2014), garantidora da reserva de 20% das vagas oferecidas para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito federal para pessoas negras.
Percebe-se, portanto, que, embora as Nações ainda tenham um grande caminho a percorrer, o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais trouxe resultados positivos, sendo alguns deles observados dos relatórios elaborados pelos Estados partes. Tomando o Brasil como exemplo, além dos já analisados reflexos na educação, podem ser ressaltadas as medidas adotadas para a aplicação progressiva dos direitos da população LGBTQ, a campanha “Iguais na Diferença”, em prol da inclusão das pessoas com deficiência, além de outras conquistas observadas do Relatório lll, apresentado ao Comitê.
Dessa forma, apesar de ser de exercício progressivo, o PIDESC traz consigo horizontes otimistas e esperançosos para as disposições nele contidas, sendo, portanto, peça essencial do sistema internacional de Direitos Humanos e um forte instrumento global à disposição dos direitos econômicos, sociais e culturais.
Referências
SILVA, Ariadne Celinne de Souza; SILVA, Celeida Maria Costa de Souza. O Pacto Internacional sobre direitos econômicos, sociais e culturais e o direito à educação no Brasil: o PIDESC e o direito à Educação. Poíesis Pedagógica: 2020, 18, 52–65.