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O aquecimento global e a necessária reforma do capitalismo
O recomeço da História – Resenha do livro “O regresso da história e o fim dos sonhos”, Robert Kagan (2008)
Dia internacional dos migrantes – 18 de dezembro de 2000

O recomeço da História – Resenha do livro “O regresso da história e o fim dos sonhos”, Robert Kagan (2008)

Escrito originalmente em 2008, o livro “O regresso da história e o fim dos sonhos” de Robert Kagan só ganhou uma tradução para o Brasil em 2012. Apesar de ter passado mais de uma década original e quase isso para a publicação brasileira, o livro passa quase desapercebido pelos meios de leitura das Relações Internacionais no país. Infelizmente. Ao escrever sobre o fim do Fim da História, Kagan faz vorazes críticas ao pensamento de Francis Fukuyama (1989) cuja ideia central era de que o fim da Guerra Fria seria um marco da História da humanidade pois ela deixaria de existir.

Devido ao fim da rivalidade bipolar entre Estados Unidos e União Soviética, houve grande euforia no Ocidente sobre como se daria as relações internacionais a partir desse momento. Dentro de uma lógica aristotélica, o pensamento de Fukuyama se baseia no seguinte: Democracias não entram em guerra com democracias. Sem o comunismo, a democracia se espalhará pelo mundo. Logo, o mundo democrático é um mundo sem guerras. Baseado em uma dialética hegeliana na qual a História é movida pela dialética entre senhor e escravo, Fukuyama pensou que, como o liberalismo democrático declara que todos são iguais, não haveria mais dicotomia entre senhor e servo. Nesse sentido, a História terminaria.

E Fukuyama não estava sozinho nessa. Pensava-se que seria o fim da Geopolítica (LUTTWAK, 1990), que o nacionalismo seria uma coisa do passado (HASSNER, 1993), que o Estado-moderno estava em seus últimos dias (MINC, 1993) e que as questões de segurança sairiam das relações interestatais e teriam foco na segurança humana (UNITED NATIONS, 1994). “O mundo democrático moderno quis acreditar que o fim da Guerra Fria não acabou somente com um conflito estratégico e ideológico, mas todos os conflitos estratégicos e ideológicos” (KAGAN, 2009, p. 3). Segundo o próprio Kagan, pensava-se que a racionalidade humana, encontrada na lógica do Iluminismo, triunfou sobre a selvageria humana.

Essa selvageria seria traduzida do conceito grego thumos, cujo sentido era demonstrar um lado da natureza humana que fosse feroz, tribal e dedicado a lutar pela sua sobrevivência. Então, esse grande otimismo do Ocidente consolidou duas percepções dentro das mentes dessa sociedade: 1) existe um progresso humano inevitável, e 2) o próprio avanço do liberalismo pelo mundo sufocaria a existência dos últimos redutos de autoritarismo pelo mundo. Essa lógica de causalidade entre liberalismo e democratização era sustentada pela crença de que uma liberalização econômica teria um efeito de transbordamento para o campo político. No entanto, não foi isso o que aconteceu.

A primeira frase do livro é a seguinte: “O mundo se tornou normal de novo” (KAGAN, 2009, p. 3). Depois de ter visto que todas as promessas do Fim da História sobre paz e democratização não se consolidaram ao longo da primeira década do século XXI, o autor afirma que tudo aquilo foi uma miragem e que o liberalismo não reina como uma ideologia incontestável e nem moldará os interesses das grandes potências em um futuro previsível. Na verdade, o seu argumento principal é que hoje há uma volta da competição entre as democracias liberais e a autocracias ao mesmo tempo em que as grandes potências alinham seus interesses aos seus regimes internos. Ele chega a dizer, portanto, que “nós entramos em uma era de divergência” (KAGAN, 2009, p. 4).

Ele afirma isso se baseando no comportamento de três potências principais (Rússia, China e Irã), dentre outras, para o tabuleiro geopolítico internacional. Ele localiza na Rússia como o grande exemplo desse regresso da História. Depois do fim da Guerra Fria, Moscou, o grande representante da URSS, adotou a democracia como seu modelo de regime político e o livre-mercado como o seu regime econômico. No entanto, depois de não colher os frutos esperados por essas mudanças, as quais causaram grandes turbulências sociais no país, a Rússia começou a se tornar cada vez mais autoritária e cada vez mais resistente às narrativas do Ocidente no que tange aos benefícios intrínsecos da democracia. Em relação à China, Kagan diz que o crescimento econômico do país não se traduziu em uma maior liberdade política, mas foi traduzido em uma maior aparelhagem militar a fim de prevenir uma repetição do Século da Humilhação ao mesmo tempo que ela restaura seu orgulho e poder. O Irã, por sua vez, representa uma resistência religiosa aos valores ocidentais e uma interpreta-os como conceitos degenerados ameaçando a soberania do regime teocrático.

Além do mais, desde 1989 até 2001, o autor diz que foi o período em que os EUA mais invadiram coercitivamente territórios estrangeiros em toda sua história. A união da unipolaridade americana somada com seu acúmulo de poder incontestável fez com Washington se pusesse em uma missão de não somente consolidar e reforçar as suas alianças, mas, também, expandir o alcance da ordem liberal internacional. As invasões ao Iraque e ao Afeganistão, mesmo com resistência de grandes aliados como França e Alemanha, foram, portanto, demonstrações de força de um país que se percebia como indispensável para a ordenamento e estabilidade internacional. Essa força e ignorância aos limites das normas internacionais fizeram com grandes potências não-ocidentais como a China e a Rússia, vissem o Estados Unidos com desconfiança e que o avanço e promoção dos ideais democráticos eram apenas plataformas para sua projeção de poder em todos os cantos do planeta.

Dessa forma, é possível dizer que a multipolaridade em que o mundo vive hoje somada às ideias de regimes políticos perseguidos pelas grandes potências atuais fazem com que o mito do fim dos conflitos estratégicos e ideológicos caiam por terra, e que a volta da rivalidade de interesses seja uma realidade. Essa diferença entre países que, teoricamente, estão em dois períodos da História (a modernidade e pós-modernidade) podem acarretar graves problemas de resolução de conflitos e tensões entre eles. Um exemplo oferecido por Kagan é aquele que envolve a União Europeia e a Rússia. Enquanto a primeira é o mais próximo de uma realidade política pós-moderna que existe atualmente (mitigação do papel das fronteiras estatais, fim de uma lógica territorialista, grande alocação de esforços à questão econômica, democracia liberal, etc), a Rússia ainda viveria em uma realidade moderna (ímpeto expansionista, anexação de território, preocupação com o aumento da força militar, ausência de certas liberdades civis democráticas, etc). Essa diferença de percepção das ontologias do que é estratégia e do que é ameaça pode levar ruídos de comunicação entre as duas partes gerando potenciais de conflito. 

Além do mais, é possível dizer que tanto a China, a Rússia e o Irã são autocratas não por conveniência e/ou por oposição ao sistema liberal. Robert Kagan afirma que os líderes desses países acreditam na autocracia. Somada à essa crença, existe uma clara percepção desses países de que não existe a pretensa universalidade necessariamente intrínseca a esses valores. Na visão desses líderes, direitos humanos, democracia, liberdade de imprensa e emancipação feminina são produtos apenas da sociedade ocidental liberal e nada além disso. O autor chega a dizer que “os Estados Unidos e seus aliados sucederam em impor suas visões sobre os outros não porque eles estão certos, mas somente porque eles são poderosos o suficiente para tal. Para os não liberais, a ordem internacional liberal não é progresso. É opressão” (KAGAN, 2009, p. 67).

Outro fator que desmente as premissas do Fim da História, era a expectativa que os últimos bastiões do autoritarismo ou qualquer outro tipo de ideologia não liberal não poderiam sobreviver em um mundo cada vez mais liberal, já que eles não seriam participantes das dinâmicas de produção de riqueza e avanço tecnológico. No entanto, não é isso que vem sido visto na realidade. Levando em consideração os países anteriormente citados, notadamente a China, pode-se que mesmo não perseguindo um ideal de livre-mercado ou sem um modelo democrático de governo, esses países se destacam em algumas áreas do avanço tecnológico e crescimento econômico, e não estão em nada assemelhando um fim. Isso demonstra que não é necessário ser liberal para ser bem-sucedido em uma ordem internacional liberal. Pode-se dizer, também, que esses novos modelos de organização da economia e sociedade vem sendo atraentes para pequenas nações que apresentam dificuldades em encaixar seu aparato burocrático e político dentro dos valores ocidentais.

Essas novas percepções e possibilidades organizacionais abrem o horizonte dos valores a serem escolhidos pelos mais diversos governos. Kagan usa uma frase do Ministro das Relações Exteriores, Sergei Lavrov, para ilustrar essa mudança: “Pela primeira vez em muitos anos, um verdadeiro ambiente competitivo emergiu no mercado de ideias” que podem ser tanto de “sistema de valores e modelos de desenvolvimento” (KAGAN, 2009, p. 70). Essa percepção de novas ideias é essencial ao pensamento russo sobre o que seria um mundo multipolar. Diferentemente de pensamentos clássicos nos quais são levadas em consideração somente a capacidade de poder dos atores (KEOHANE, 2005; KISSINGER, 1994; MEARSHEIMER, 2001), os russos somam a isso a questão da “competição de sistema de valores e ideias […]” (KAGAN, 2009, p. 71).

Direcionando-se ao fim do seu trabalho, o autor afirma que o sistema internacional liberal corre riscos em relação ao seu teor liberal devido a ascensão de novas potências não-ocidentais ao mesmo tempo não liberais para um maior protagonismo no concerto de nações. Ao dizer que a “ordem internacional não se baseia somente em ideias e instituições” mas que ela é “moldada pelas configurações de poder” (KAGAN, 2009, p. 96), potências como Rússia e China podem mudar o teor das instituições e organizações responsáveis pela manutenção da ordem internacional pós-Segunda Guerra Mundial. O autor tenta oferecer uma solução para o que, nos olhos dele, se mostra como um problema.

Preocupado com o status da democracia ao redor do mundo, Kagan propõe que as democracias ao redor do mundo criem mecanismos que possibilitem “proteger seus interesses e defender seus princípios em um mundo no qual esses são mais uma vez poderosamente desafiados” (KAGAN, 2009, p. 97). Segundo ele, isso não significa que as democracias liberais deveriam para de se relacionar ou comercializar com potências não democráticas. Inclusive, é recomendado que haja cooperação entre elas em assuntos que sejam de interesses de ambas as partes. No entanto, o que Kagan alerta é que, partindo do princípio que os interesses das nações são moldados, em parte, pela natureza de seus regimes internos, as democracias precisam se unir para fazer frentes à rivalidades das potências não democráticas. Além disso, ele advoga pela continuidade da promoção de valores liberais pela democracia para que mudar o “poder dos poucos para o muitos” (KAGAN, 2009, p. 101–102).

Sobre o autor:

Robert Kagan é sênior fellow na Brookinga Institutions e colunista para o Washington Post. Além de ter escrito diversos livros, ele serviu ao Departamento de Estado americano de 1984 a 1988.

Ficha técnica

Título: O regresso da história e o fim dos sonhos

Autor: Robert Kagan

Editora: CASA DAS LETRAS

Idioma: Português

Ebook: 105 páginas

ASIN: B009B0I1IS

Referências

FUKUYAMA, Francis. The end of history? The national interest, [S. l.], n. 16, p. 3–18, 1989.

HASSNER, Pierre. Beyond nationalism and internationalism: Ethnicity and world order. Survival, [S. l.], v. 35, n. 2, p. 49–65, 1993.

KAGAN, Robert. The return of history and the end of dreams. [s.l.] : Vintage, 2009.

KEOHANE, Robert O. After hegemony: Cooperation and discord in the world political economy. [s.l.] : Princeton university press, 2005.

KISSINGER, Henry. Diplomacy. [s.l.] : Simon and Schuster, 1994.

LUTTWAK, Edward N. From geopolitics to geo-economics: Logic of conflict, grammar of commerce. The national interest, [S. l.], n. 20, p. 17–23, 1990.

MEARSHEIMER, John J. The tragedy of great power politics. [s.l.] : WW Norton & Company, 2001.

MINC, Alain. Le nouveau moyen age. [s.l.] : Gallimard, 1993.

UNITED NATIONS. Human Development Report 1994 . [s.l: s.n.]. Disponível em: http://hdr.undp.org/en/content/human-development-report-1994. Acesso em: 5 jan. 2021.

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