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Gestão de risco no Brasil é caracterizada por ações pós-desastres

Foto por Mílton Jung. Via Openverse

Diante de desastres naturais, que se repetem ano após ano no Brasil – com o exemplo recente das enchentes no Rio Grande do Sul, há a percepção comum de que no País muitas ações só começam a ser implementadas depois que algo muito ruim acontece –, a prevenção, que deveria vir antes, começa a dar os primeiros passos só depois de um evento de grande magnitude e muitas vidas afetadas. Um estudo de pesquisadores em Geografia confirma com dados essa percepção geral. Com liderança de Bianca Carvalho Vieira, eles apresentaram uma revisão cronológica das principais políticas, programas e ações desenvolvidos no País para mitigar o impacto de enchentes e deslizamentos.

O trabalho apresenta em forma de linha do tempo as políticas públicas produzidas nas esferas municipal, estadual e federal, e as ações de organismos globais, como a ONU, que aconteciam no período. “Eu venho trabalhando com deslizamentos e com a questão do monitoramento há muitos anos. Eu estava sentindo falta de algum trabalho que reunisse informações cronológicas sobre as principais políticas públicas [no Brasil] desde o início”, diz Bianca Vieira.

Além dela, que é professora do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, o artigo tem como autores Tiago Martins, da Universidade Federal de São Paulo, Telma Mendes da Silva, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e o doutorando do Programa de Pós-Graduação em Geografia Física da FFLCH, José Eduardo Bonini.

Os pesquisadores identificaram ao menos três fases de ação voltadas para a gestão de risco e que se relacionam com deslizamentos e inundações: compreensão, coexistência e prevenção. “Uma das conclusões da pesquisa é que, de fato, o Brasil tem uma gestão de risco pós-desastre. Todas as grandes leis, as grandes ações, aconteceram depois de grandes desastres”, explica a professora.

O trabalho não tinha o objetivo de avaliar a efetividade dessas políticas – o que aliás, seria uma tarefa desafiadora, se não impossível, de acordo com Bianca Vieira. Ela destaca que “não tem esse dado do quanto que, de fato, efetivamente houve redução de risco”, referindo-se a uma plataforma que unifique pesquisas e dados oficiais sobre o assunto em nível nacional.

A revisão e as análises do artigo foram feitas com base em documentos oficiais do governo federal, no banco de dados de eventos emergenciais, no relatório de danos e perdas materiais resultantes de desastres naturais no Brasil – elaborado pelo Centro de Estudos e Pesquisas em Engenharia e Defesa Civil de Santa Catarina – e em informações fornecidas pelo Serviço Geológico do Brasil e pelo escritório das Nações Unidas para Redução do Risco de Desastres.

enchente no rio piracicaba. um do varios tipos de desastres
Foto por HVL. Via Openverse.

Da compreensão à prevenção

De 1960 a 1990, os pesquisadores consideraram que as instituições ainda tentavam compreender os impactos dos grandes desastres. Foi nesse período que medidas como a instituição de Defesa Civil e a criação de planos emergenciais e de sistemas de alerta aconteceram. Essas medidas eram tomadas principalmente na esfera federal. Já mundialmente, a ONU se dedicou a trazer visibilidade ao tema: em 1987 foi instituída a década para a redução dos desastres naturais e em 1994 foi realizada a primeira conferência mundial para redução dos desastres naturais.

Já na primeira década dos anos 2000, houve um aumento significativo do número de ações tomadas por Estados e municípios brasileiros. Entre as medidas, ganha destaque a criação do Centro de Estudos e Pesquisas em Engenharia e Defesa Civil de Santa Catarina em 2001.

A terceira etapa compreende o momento atual. “A gente enfatizou a última etapa como a mais importante, que é de 2011 para cá, quando [é aprovada] a lei 12.608”, conta Bianca Vieira. A lei 12.608/2012 institui a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil, que autoriza a criação de sistema de informação e monitoramento de desastres no Brasil.

A política foi criada após os deslizamentos e enchentes em mais seis municípios da região serrana do Rio de Janeiro, em 2011, considerada a maior catástrofe climática do Brasil até aquele momento.

O mapeamento de riscos identifica e caracteriza locais afetados por deslizamentos e que podem trazer prejuízos, e estabelece níveis de prioridade para as ações que devem ser tomadas, como estruturas de contenção ou retirada da população do local. “O mapeamento de riscos é, geralmente, baseado numa metodologia que considera a existência de eventos anteriores e, desta forma, áreas onde nunca houveram os processos, mas que podem ser afetadas, são excluídas do mapeamento inicial”, completa.

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A linha do tempo desenvolvida pelos pesquisadores compara os programas e ações criados nas esferas municipal, estadual, federal e pela ONU. Imagem: cedida pela pesquisadora

Os problemas

O Brasil é um país de grande extensão territorial e, com isso, apresenta características de clima e relevo muito diferentes. “A gente identificou que essas características geográficas muito distintas é um dos problemas para implementar de fato algumas leis”, explica Bianca Vieira.

Problemas como a falta de recursos humanos, em um território tão grande quanto o Brasil, fazem parte das questões identificadas pela pesquisa. Instituições como a Defesa Civil e o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), que são responsáveis pela prevenção e gerenciamento da atuação do governo frente a desastres naturais, não conseguem contemplar todas as cidades brasileiras.

Até mesmo medidas que já eram usadas em desastres ambientais passaram a apresentar sinais de que podem não ser tão efetivas frente às mudanças climáticas. Em cidades do litoral de São Paulo, existe um sistema de alerta que sinaliza acumulados de 100 mm de chuva em três dias. A prática é baseada em estudos da década de 1980.

“Esses valores precisam ser recalculados, sobretudo para planos que são contínuos. Então, acho que uma das questões é a gente tentar adaptar essas leis, ou reformulá-las, para novos índices pluviométricos”, diz a pesquisadora, que lembra que em 2023 choveu 630 mm em 15 horas na cidade de São Sebastião.

A pesquisadora ainda destaca que há falta de um banco de dados único para o País, o que evitaria dados duplicados e com a possibilidade de “criar uma plataforma que nós, pesquisadores, pudéssemos alimentar com nossos dados”, diz.

Mais informações: e-mails [email protected], com Bianca Carvalho Vieira

Pesquisa de Bianca Carvalho Vieira, orientada por Luiza Caires e Moisés Dorado, originalmente publicado no Jornal da USP sob a licença Creative Commons Attribution 3.0. Leia o original em: Jornal da USP.

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