O plano de Donald Trump de retirar os Estados Unidos da Organização Mundial da Saúde (OMS) foi recebido com desejo de consternação no campo da saúde pública.
Alguns descreveram uma das primeiras ordens executivas do presidente dos EUA como “um grave erro” e “uma notícia absolutamente ruim“.
President Trump ordered the US to withdraw from the World Health Organization. What comes next? https://t.co/nImdCsciZQ
— The Hill (@thehill) January 22, 2025
O que a OMS faz?
A Organização Mundial da Saúde é uma agência das Nações Unidas que tem como objetivo expandir a cobertura universal de saúde, coordenar respostas a emergências de saúde, como pandemias, e possui um foco amplo em promover vidas saudáveis. A OMS não tem poder para impor políticas de saúde, mas influencia políticas em todo o mundo, especialmente em países de baixa renda.
A OMS desempenha um papel essencial na coordenação de vigilância, resposta e políticas para doenças infecciosas e não infecciosas. Na verdade, doenças infecciosas têm maior necessidade de coordenação internacional, pois, ao contrário de doenças não transmissíveis, as infecções podem se espalhar rapidamente de um país para outro, assim como a COVID-19 se espalhou e causou uma pandemia.
Temos muito a agradecer à OMS, incluindo a erradicação da varíola, um feito que só foi possível graças à coordenação e liderança global. A OMS também desempenhou um papel de liderança no controle da poliomielite e do HIV.
Por que os EUA querem se retirar?
As razões para a retirada incluem: mau gerenciamento da pandemia de COVID-19 e de outras crises globais de saúde, falha em adotar reformas urgentemente necessárias, incapacidade de demonstrar independência em relação à influência política inadequada de estados-membros da OMS.
A ordem executiva também menciona os pagamentos desproporcionalmente altos feitos pelos EUA à OMS em comparação com a China. Em 2024-25, os EUA contribuíram com 22% do financiamento obrigatório da organização proveniente dos estados-membros, enquanto a China contribuiu com cerca de 15%.
O presidente Trump iniciou a retirada da OMS por razões semelhantes em 2020, mas essa decisão foi revertida pelo presidente Biden em 2021.
O que acontece em seguida?
A retirada dos EUA pode levar um ano para entrar em vigor e pode precisar da aprovação do Congresso americano.
Como isso vai se desenrolar ainda é incerto, mas é provável que a OMS perca o financiamento dos EUA.
A retirada dos EUA também pode ser o golpe final no Acordo de Pandemias da OMS, que fracassou em 2024 quando os estados-membros não chegaram a um consenso sobre o rascunho final. A ordem executiva de Trump declara que todas as negociações em torno do acordo serão encerradas, mas sugere que os EUA busquem trabalhar com parceiros internacionais para enfrentar questões de saúde global.
Os Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA (CDC) já possuem parceiros internacionais e podem seguir essa direção, pois coordenam uma rede global de treinamento em resposta a surtos, que poderia servir de modelo. No entanto, isso exigiria ajustes, já que um dos objetivos do novo governo dos EUA é reduzir ou encerrar a ajuda internacional.
A OMS coordena uma variedade de comitês de especialistas e redes de laboratórios de referência, como a rede de laboratórios para influenza, composta por mais de 50 laboratórios em 41 estados-membros, incluindo cinco “super laboratórios”, um deles no CDC. O que aconteceria com essas redes, muitas das quais têm participação significativa dos EUA, é incerto.
Com a ameaça da gripe aviária mutar para se tornar uma pandemia humana, essas redes globais são cruciais para a vigilância de ameaças pandêmicas.

Os comitês de especialistas da OMS também orientam as políticas globais de saúde em diversas questões. É possível que a OMS credencie laboratórios em países que não são membros ou que especialistas desses países participem de seus comitês. No entanto, o futuro disso, especialmente para laboratórios financiados pelo governo dos EUA ou especialistas que são funcionários do governo americano, é incerto.
Outro possível impacto da retirada dos EUA é a oportunidade para outras nações poderosas se tornarem mais influentes na OMS. Isso pode levar a restrições para que especialistas americanos participem dos comitês da OMS ou colaborem de outras formas com a organização.
Embora a retirada dos EUA resulte na perda de financiamento para a OMS, os estados-membros contribuem com cerca de 20% do orçamento da organização. A OMS depende de doações de outras organizações (incluindo empresas privadas e instituições filantrópicas), que representam os outros 80% do orçamento. Assim, a saída dos EUA pode aumentar a influência dessas outras organizações.
Uma chance para reforma
A administração Trump não está sozinha em suas críticas à OMS sobre a maneira como lidou com a COVID e outros surtos de doenças infecciosas.
Por exemplo, a OMS concordou com as autoridades chinesas no início de janeiro de 2020 que não havia evidências de que a “pneumonia misteriosa” em Wuhan fosse contagiosa, enquanto, na realidade, ela provavelmente já estava se espalhando há meses. Isso foi um erro custoso.
Houve críticas sobre o atraso da OMS em declarar a pandemia, em afirmar que a COVID não era transmitida pelo ar (apesar das evidências em contrário) e sobre a investigação das origens da COVID, incluindo conflitos de interesse na equipe de investigação.
A OMS também foi criticada por sua condução da epidemia de Ebola na África Ocidental há uma década. Eventualmente, isso levou a uma série de reformas, mas não o suficiente, segundo muitos.

Mais mudanças necessárias
O especialista em saúde pública dos EUA, Ashish Jha, defende reformas na OMS. Jha, que é reitor da Escola de Saúde Pública da Universidade Brown e ex-coordenador da resposta à COVID da Casa Branca, argumenta que a organização possui uma missão pouco clara, um mandato muito amplo, governança inadequada e frequentemente prioriza sensibilidades políticas dos estados-membros.
Ele propõe que a OMS reduza seu foco para menos áreas, com ênfase na resposta a surtos. Isso permitiria que o financiamento reduzido fosse usado de forma mais eficiente.
Em vez de os EUA se retirarem da OMS, Jha argumenta que seria melhor que o país permanecesse como membro e promovesse tais reformas.
Sem reformas, existe a possibilidade de outros países seguirem os EUA, especialmente se os governos enfrentarem pressões de seus eleitores para aumentar os gastos com necessidades domésticas.
A OMS pediu aos EUA que reconsiderem a retirada, mas a organização pode precisar avaliar mais reformas para viabilizar futuras negociações. Essa é a melhor solução possível.
Texto traduzido do artigo The US intends to leave the World Health Organization. What happens next?, de C Raina MacIntyre, publicado por The Conversation sob a licença Creative Commons Attribution 3.0. Leia o original em: The Conversation.