Há 31 anos, no dia 9 de novembro de 1989, o muro de Berlim, também chamado de “muro da vergonha” pelo governo do lado Ocidental do paredão, foi derrubado. Esse acontecimento marcou o fim do bloco soviético e a ascensão do capitalismo, além de ter reunido famílias e amigos que ficaram separados por vinte e oito anos. Para entender o que causou a construção e a destruição desse muro, é necessário falar sobre o contexto histórico da época.
O fim da Segunda Guerra Mundial e os embates entre as potências vencedoras
Em 1945, a Segunda Guerra Mundial estava chegando ao fim. No início daquele ano houve uma reunião em Yalta, na Crimeia (URSS), entre o presidente norte-americano Franklin Roosevelt, o primeiro-ministro britânico Winston Churchill e o líder soviético Joseph Stalin para debater sobre o fim da guerra e sobre a repartição das zonas de influência entre o Oeste e o Leste. Dentre as decisões tomadas nessa reunião, foi acordado que “os países do leste europeu, como a Bulgária, a Tchecoslováquia, a Romênia, a Polônia e a Hungria – não teriam governos hostis aos soviéticos (FARIA et al., 2010), tendo em vista que o Exército Vermelho já ocupara esses Estados. Ademais, no mesmo ano, em outras reuniões, foi criada a Organização das Nações Unidas e o território alemão, e Berlim, haviam sido divididos entre “as quatro potências vencedoras – Estados Unidos, Reino Unido, França e União Soviética”. (DW; 2013)
No entanto, no mesmo ano, na reunião de Postdam, houve divergências entre os aliados, pois eles não conseguiram chegar em um acordo sobre uma política comum para a Alemanha derrotada; tendo em vista que havia distintos sistemas de domínio no Ocidente e no Leste. Stalin, líder soviético, queria garantir que os acordos firmados na reunião em Yalta, sobretudo a decisão sobre “ter a Europa do Leste como área de influência soviética (FARIA et al; 2010)” fosse concretizada. Contudo tanto os EUA quanto a Inglaterra se mostraram contrários a essa decisão. Portanto, “só houve consenso quanto a quatro ações prioritárias na Alemanha: “desnazificar”, desmilitarizar, descentralizar a economia e reeducar os alemães para a democracia (DW; 2013)”.
Outros acontecimentos no final da guerra também foram decisivos para aumentar ainda mais a tensão entre os países. A bomba lançada pelos Estados Unidos em Hiroshima e Nagasaki, no Japão, quatro dias após a reunião de Postdam, fez com que Stalin percebe-se que o poder das bombas estadunidenses era tão destrutivo que nem todo o seu poderio bélico poderia se igualar. Por conta disso, e com receio de que a URSS fosse invadida novamente, Stalin decidiu endurecer o controle sobre os países do Leste Europeu. Tal atitude foi duramente criticada por Churchill, que alegou publicamente, em seu discurso no Westminster College, nos EUA, em 1946, que uma “cortina de ferro” descia sobre a Europa do Leste.
Um ano depois da fala do primeiro-ministro britânico, o presidente norte-americano, Harry Truman, fez um pronunciamento, que ficou conhecido como Doutrina Truman, na qual ele alegava que o mundo estava dividido em dois lados: “o lado democrático e livre, caracterizado pelo capitalismo e liderado pelos EUA; e o lado comunista, dominado pela tirania da URSS (FARIA; 2013)”. Logo após essa fala, Andrei Jdanov, um dirigente soviético autorizado por Stalin, declarou em uma conferência dos partidos comunistas do Leste Europeu “que a URSS defendia a verdadeira liberdade e que os EUA planejavam levar o mundo a uma nova guerra (FARIA et al; 2010)”.
Os Estados Unidos, que após a Segunda Guerra Mundial se tornaram a nação mais rica e poderosa do planeta, acreditavam que a melhor maneira de combater o avanço do comunismo era através da construção de uma nova ordem mundial, do fortalecimento das economias europeias, que saíram devastadas da guerra, e da criação de mecanismos de controle dos capitais. Sendo assim, em 1947, o Secretário de Estado norte-americano George Marshall anunciou o que ficou conhecido como Plano Marshall, um projeto pelo qual os EUA cederiam empréstimos com juros baixos ou doariam dinheiro para os países da Europa, desde que esses Estados comprassem mercadorias norte-americanas. O governo americano tinha como objetivo reconstruir o sistema capitalista que havia sido abalado pela guerra e ajudar a recuperar as economias europeias, integrando os países europeus à economia norte-americana.
Devido à adesão da Europa ao Plano Marshall, e às propagandas anticomunistas norte-americanas, os partidos comunistas perderam força ao redor do mundo. Contudo a URSS reagiu ao projeto norte-americano, criando o Kominform, “uma agência voltada para a troca de informações e a unificação das ações dos partidos comunistas do mundo (FARIA et al; 2010)”, e o Conselho de Assistência Mútua Econômica (Comecon), cujo objetivo era “integrar as economias da URSS e dos países do Leste Europeu, criando um mercado comum (FARIA et al; 2010)”.
Os EUA, por sua vez, reagiram aos projetos soviéticos e criaram a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), “uma aliança político-militar entre Estados Unidos, Canadá e países europeus que serve, principalmente, para defesa coletiva dos Estados-membros (BBC; 2019)”. De acordo com esse tratado, se um dos Estados-membros for atacado, os outros devem ir em defesa desse país que está sendo atacado. A Guerra Fria estava só começando.
A Guerra Fria
Dois anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, o mundo passou a enfrentar um novo conflito, a Guerra Fria. Esse embate recebeu esse nome por conta de não ter ocorrido confrontos diretos entre os EUA e a URSS, o que não quer dizer que tenha sido uma guerra pacífica, pois as duas potências se enfrentaram indiretamente em conflitos menores, como a Guerra da Coreia e a Guerra do Vietnã. A Guerra Fria foi de fato um embate nas esferas política, militar, tecnológica, econômica, social e ideológica.
Os acontecimentos característicos da guerra
- Bipolaridade;
- Corrida armamentista: teve início com o lançamento das bombas em Hiroshima e Nagasaki em 1945 e consistia nas grandes potências buscando se armar e desenvolver tecnologias bélicas e nucleares para se defender no caso de um ataque de países já armados. De acordo com alguns especialistas, a Guerra Fria só não teve um embate direto entre a URSS e os EUA porque ambas possuem armas nucleares e o resultado de um confronto entre elas poderia ser uma destruição mútua, e de boa parte do mundo;
- Corrida aeroespacial: como foi citado anteriormente, um dos setores nos quais os dois países se enfrentaram foi o de tecnologia. A maneira que eles acharam de demonstrar o seu poder tecnológico foi levando o homem até a lua. O cosmonauta Yuri Gagarin, da URSS, realizou um voo orbital de 108 minutos, e os americanos Neil Armstrong e Edwin “Buzz” Aldrin, astronautas americanos, conseguiram pisar na lua. Esse episódio se tornou um marco histórico do século XX e contribuiu para o surgimento da Terceira Revolução Industrial (técnico-científica);
- Alianças militares: criação da OTAN e do Pacto de Varsóvia, um acordo militar que estabelecia um aliança os países socialistas do leste europeu (Hungria, Romênia, Alemanha Oriental, Albânia, Bulgária, Tchecoslováquia e Polônia) e a URSS;
- Disputa por áreas de influência;
- Independência das colônias africanas e asiáticas;
- Apoio às ditaduras na América Latina.
Envolvimentos indiretos
Por mais que as duas potências não tenham se enfrentado diretamente, elas se enfrentaram de forma indireta, através de outros conflitos. Um dos confrontos mais significativos desse embate indireto foi a Guerra da Coreia, entre 1951 e 1953. Após a Revolução Maoista na China, a Coreia passou a ser pressionada a adotar o sistema socialista em seu território. Contudo a região do país resistiu à essa pressão e, com o apoio militar dos EUA, defendeu seus interesses. Com o término da guerra, a Coreia do Norte ficou sob influência comunista e a do Sul sob influência capitalista.
Seis anos depois, as duas superpotências se enfrentaram novamente de forma indireta, na Guerra do Vietnã, de 1959 a 1975, um conflito que contou com a intervenção direta dos EUA e da URSS. Por conta das dificuldades de combate enfrentadas pelos norte-americanos e pelo suporte dos soviéticos ao soldados vietcongues, os EUA foram derrotados na guerra e abandonaram de forma vergonhosa o Vietnã, que após o confronto passara a ser socialista.
O Muro de Berlim
Como foi citado na primeira seção, a Alemanha havia sido dividida entre quatro países. Todavia, em 1949, os territórios do país que estavam ocupados pelos EUA, pela Inglaterra e pela França foram unificados, originando a República Federal da Alemanha (RFA), um país liberal-democrata, capitalista e alinhado com os EUA. Já a outra parte, ocupada pela URSS, foi transformada na República Democrática Alemã (RDA). A fronteira interna entre esses dois países continuou, e ela era delimitada por:
Cercas, muros, vedações, arame farpado, campos minados, valas e outros obstáculos, sendo patrulhada por aproximadamente 50 000 militares da Alemanha Oriental com ordens de atirar para matar, auxiliados por cães de guarda, cercas elétricas, torres de vigilância e sistemas de armamento automático (FARINGDON; 1986).
Já em Berlim, a fronteira entre os territórios capitalista e comunista era demarcada pelas próprias ruas. Dessa maneira, qualquer pessoa podia transitar pelos dois territórios e se mudar de um país para o outro. Tendo em vista que o lado capitalista se recuperava economicamente dos danos econômicos da Segunda Guerra Mundial bem mais rápido do que o lado comunista, muitos moradores do lado Oriental migraram para o lado Ocidental, em busca de melhores condições de vida; entre 1949 e 1961, cerca de 2,6 milhões de cidadãos da Alemanha comunista se mudaram para a Alemanha capitalista.
Tendo em vista a migração em massa para a Alemanha capitalista, rolos de arame farpado foram postos nas ruas que separavam os dois sistemas políticos. Depois do arame farpado, operários construíram um grande muro, de 43 quilômetros, na cidade, e 155 quilômetros de extensão total, 3,6 metros de altura e com 302 torres de observação, nas quais atirados armados de fuzis vigiavam a fronteira.
O Muro de Berlim foi construído para evitar que os cidadãos da Alemanha Oriental fugissem para a Ocidental. Amigos, parentes e famílias ficaram separadas durante anos, e quem tentasse atravessar o muro era morto. Durante seus 28 anos de existência, 192 pessoas foram mortas, 200 foram feridas por tiros de fuzis e 3.000 foram presas tentando fugir.
A queda do muro e o declínio da influência comunista
Nos anos 80, a URSS enfrentou graves problemas econômicos e escassez de alimentos. A explosão do reator nuclear em Chernobyl, na Ucrânia, em 1986, “foi um momento simbólico do colapso iminente do bloco comunista (BBC; 2019)”. Ademais, problemas políticos também assolaram a Alemanha Oriental, como as reformas Perestroika e Glasnot, encabeçadas pelo líder soviético Gorbachev, que tinham como objetivo modernizar e abrir a economia soviética, e implementar um “regime mais democrático, com maior liberdade de expressão e manifestação. A abertura significou um aumento das manifestações internas contra o regime, que foi enfraquecido (politize; 2017)”. Além das mudanças no âmbito doméstico, Gorbachev também alterou a sua política externa, concedendo maior liberdade aos Estados do Leste Europeu e “refreando a corrida armamentista por parte da URSS (politize; 2017)”.
O fato das medidas de Gorbachev serem liberais, ocidentais mostrou o enfraquecimento do comunismo na região. Além disso, a tentativa exagerada de expansão fez com que muito dinheiro fosse gasto em armamentos e defesa territorial. Por conta desses gastos, outros setores da sociedade foram prejudicados. Ao mesmo tempo que enfrentava tais problemas, Gorbachev era pressionado por dois setores de poder da URSS: o departamento “linha-dura”, de Valentin Pavlov, que exigia uma geopolítica mais rígida e a a centralização do poder em torno dos burocratas do partido comunista soviético, e o departamento considerado liberal e progressista, de Boris Yeltsin, que apoiava a abertura da URSS para a influência das democracias ocidentais e para a economia de mercado.
Além dessa pressão, Gorbachev ainda sofreu um golpe dos apoiadores de Pavlov durante a primeira eleição para deputados não comunistas no Congresso Soviético e foi preso. Sua prisão ocasionou em um protesto liderado por Boris Yeltsin, resultando na soltura de Gorbachev que, apesar de ter voltado ao poder, renunciou ao cargo. Por conta do golpe, muitos países ligados à URSS se declararam independentes, o que causou a dissolução do Império Soviético. Ademais, por conta do declínio da ideologia comunista e da economia soviética, o governo decidiu não utilizar a força para apoiar o comunismo na Alemanha Oriental, resultando na reunião de meio milhão de pessoas em Berlim Oriental em um protesto e, cinco dias depois, o muro que dividia a Alemanha Oriental comunista da Alemanha Ocidental foi derrubado.