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A relação entre a América Latina e o sistema-capitalista: as transformações socioeconômicas resultantes dessa conexão 1 A relação entre a América Latina e o sistema-capitalista: as transformações socioeconômicas resultantes dessa conexão 2

A relação entre a América Latina e o sistema-capitalista: as transformações socioeconômicas resultantes dessa conexão

Introdução 

O presente artigo terá como objeto de análise as transformações socioeconômicas na América Latina, especialmente do modo de produção dessa região ao longo dos três estágios de acumulação de capital. Nesse sentido, buscar-se-á em um primeiro momento abordar o impacto dessa acumulação mundial de capital na região latino-americana. Em seguida, procurar-se-á discutir as transformações no modo de produção da América Latina, tendo como foco o processo de desenvolvimento do subdesenvolvimento e seus impactos socioeconômicos.

Em outro momento, buscar-se-á tratar acerca dos desdobramentos da revolução industrial na América Latina, assim como será abordado a questão da expansão do capital e seu consequente impacto. Posteriormente, o artigo buscará discutir ainda os padrões de dominação externa na região, bem como se realizará um balanço do neoliberalismo nos países latino-americanos. Além disso, discutir-se-á acerca da ascensão chinesa e sua relação com os países em questão, de modo a destacar os efeitos dessa vinculação nos últimos.

Logo em seguida, buscar-se-á discutir o papel do Brasil na história e, para tanto, o artigo se debruçará sobre os dilemas sociais, políticos e econômicos do país no pós-redemocratização. Tendo como base os pontos que serão desenvolvidos neste artigo, há uma tentativa de realizar um recorte temporal e geográfico, a fim de seja possível compreender as dinâmicas do capitalismo. Desse modo, a partir do enfoque na América Latina e, especialmente, no Brasil ao longo dos estágios de acumulação de capital, procurar-se-á aprofundar o conhecimento acerca do desenvolvimento do sistema-capitalista.

O impacto da Acumulação Mundial de Capital na América Latina

A acumulação primitiva é uma temática abordada em um dos capítulos da obra “O Capital” de Karl Marx e que pode ser entendida como a acumulação inicial de capital, essencial para o surgimento do capitalismo. Nesse sentido, cabe destacar que Marx busca abordar em sua obra o contexto europeu entre o fim do século XV e início do século XVI até o século XVIII.

No que se refere a verdadeira história da acumulação primitiva de capital, segundo Marx, faz-se possível compreendê-la como sendo um processo violento, em que houve expropriação da terra pertencente à população rural (MARX, 2013 [1867], p. 341). Esse movimento implica na separação da terra e das pessoas dos meios de produção emergentes, tornando factível a ascensão da produção capitalista. 

Na obra “Acumulação Dependente e Subdesenvolvimento”, o autor André Gunder Frank contribui para a discussão acerca da acumulação de capital abordando alguns estágios desse processo. Segundo Gunder Frank, o primeiro estágio de acumulação compreende o período entre 1500 a 1770, em que ocorreu o desenvolvimento de algumas nações – europeias – em detrimento de outras que foram subdesenvolvidas – latino-americanas, africanas e asiáticas (Ibid., 1980, pp. 34-35).

Nesse contexto, desenvolveu-se no cenário internacional, a Divisão Internacional do Trabalho (DIT), isto é, a especialização do trabalho pelas nações, baseada na Teoria das Vantagens Comparativas de David Ricardo. Além disso, nesse período a Europa passa a controlar o comércio, enquanto a produção de mercadorias se dá, sobretudo, na América, na África e na Ásia.

As transformações no modo de produção da América Latina

No que se refere as transformações no modo de produção da América Latina, cabe pontuar que essa região foi a que mais sofreu o impacto dessa mudança. O desenvolvimento da Europa implicou em um subdesenvolvimento extremado da região latino-americana, principalmente no primeiro estágio da acumulação de capital (Ibid., 1980, p. 39). Além disso, o autor Gunder Frank destaca que o subdesenvolvimento do Caribe foi ainda mais profundo.

Outrossim, nesse contexto houve uma tentativa de erigir um desenvolvimento capitalista autônomo na América Latina, que não logrou, de modo que se observou um capitalismo que se deu forma tardia. Nesse ínterim, o autor Gunder Frank argumenta que houve dificuldade de desenvolver o capitalismo na região devido aos Estados latino-americanos serem economicamente e politicamente fracos (Ibid., 1980, p. 44). Sendo assim, esses países não eram capazes de resistir às pressões contrárias ao seu desenvolvimento capitalista com origens no âmbito doméstico e externo.

Em relação ao que Gunder Frank denomina como imperialismo na América Latina, esse ocorreu durante o terceiro estágio de acumulação capitalista, uma crescente dependência econômica, política e ideológica da burguesia latino-americana e dos Estados já “independentes” em relação as metrópoles europeias (Ibid., 1980, p. 201). Nessa perspectiva, a adoção da doutrina e da política do livre comércio – ainda na segunda etapa de acumulação de capital – e as reformas liberais ocorridas nas sociedades na segunda metade do século XIX tinham um forte viés ideológico europeu (Ibid., 1980, pp. 201-202).

Ainda de acordo com Gunder Frank, o desenvolvimento político econômico e urbano da América Latina voltado para a Europa – resultado do imperialismo do século XIX, levou a formação de interesses de classe que, com o auxílio da metrópole, lograram em manter e perpetuar o desenvolvimento do subdesenvolvimento da região ao longo do século XX.

Os desdobramentos da Revolução Industrial na América Latina

Em relação a Revolução Industrial – e mais especificamente, a primeira delas, na segunda metade do século XVIII, o autor Eric Hobsbawn pontua em sua obra “A Era das Revoluções”, que ela de fato “explodiu” (HOBSBAWN, 2001 [1977], p. 60) na década de 1780 e que houve um pioneirismo da Grã-Bretanha, que tinha uma indústria ajustada à revolução, assim como uma conjuntura econômica propícia para o desenvolvimento da indústria algodoeira e a expansão colonial. 

Segundo Hobsbawn, havia tanto condições adversas quanto favoráveis para que a revolução ocorresse nessa espacialidade. Nessa perspectiva, em relação aos fatores desfavoráveis à revolução, pode-se destacar a ciência, a técnica e a educação, bem como a resistência dos ruralistas (Ibid., 2001 [1977], p. 62). Já as condições adequadas estavam vinculadas, especialmente, à política e à economia inglesa (Ibid., 2001 [1977], p. 64).

No que se refere a influência da Grã-Bretanha sobre a América Latina, cabe enfatizar que essa região passou a depender da primeira, principalmente, no decorrer das guerras napoleônicas e após a independência em relação as antigas metrópoles, Portugal e Espanha (Ibid., 2001 [1977], p. 70). Dessa forma, o autor Hobsbawn evidencia que os Estados latino-americanos se tornaram quase que completamente dependentes economicamente da Grã-Bretanha, afastando-se assim das eventuais interferências das demais potências europeias.

A expansão do capital e seu impacto na região latino-americana

O período que compreende 1850 a 1875 foi de grande expansão do capitalismo e, portanto, pode ser considerado sua fase áurea, na medida em que houve uma verdadeira difusão tanto da produção quanto da produtividade de diversas áreas econômicas (HOBSBAWN, 1996 [1977], p. 59). Além disso, essa que pode ser considerada a era dourada do capitalismo (1848-1875), é a era do ferro e do carvão, assim como a era do liberalismo econômico (Ibid., 1996 [1977], p. 74).

Ao final do período analisado (1848-1875) – que Hobsbawn denomina como sendo “A Era do Capital” –, tornou-se bem mais difícil sair da condição de dependência econômica. O arranjo econômico dos países industrializados e desenvolvidos era claramente desfavorável aos países subdesenvolvidos, dentre eles os Estados latino-americanos (Ibid., 1996 [1977], p. 72).

Ademais, nos anos 1880, os investimentos estrangeiros na América Latina foram bastante significativos, sendo responsáveis pelo aumento da rede ferroviária argentina – que foi quintuplicada nesse período (HOBSBAWN, 2002 [1988], p. 66). Houve também um aumento do fluxo migratório para a região, de modo que a Argentina e o Brasil receberam no decorrer dessa década até 200 mil imigrantes anualmente.

Já no que se refere a relação entre o mundo desenvolvido e o subdesenvolvido, em 1860, metade do total de exportações da América Latina dirigia-se somente a Grã-Bretanha (Ibid., 2002 [1988], p. 89). Não obstante, em meados de 1900, a participação britânica decaiu para um quarto e as exportações do Terceiro Mundo – incluso os países latino-americanos – para os demais Estados da Europa ocidental, já ultrapassava as destinadas a Grã-Bretanha (Ibid., 2002 [1988], pp. 89-90). Segundo Hobsbawn, a era dos impérios já não era mais monocêntrica (Ibid., 2002 [1988], p. 90), isto é, o poder econômico não se concentrava somente na Grã-Bretanha como outrora.

A América Latina no breve século XX

No contexto da Grande Depressão, que teve início com a quebra da Bolsa de Nova York em outubro de 1929, a América Latina sofreu um forte impacto com a crise instaurada – que se iniciou na economia norte-americana. De acordo com Hobsbawn, houve uma crise na produção básica tanto de alimentos quanto de matérias-primas, na medida em que os preços passaram a decair por não ser mais possível mantê-los por meio da formação de estoques (HOBSBAWN, 2001 [1994], p. 96). Nesse contexto, as economias latino-americanas se prostraram diante desse acontecimento, haja visto que os países eram extremamente dependentes do comércio internacional, da exportação de determinados produtos primários. 

Ainda, há a emergência de tendências gerais da política de massa que terão repercussão no futuro (Ibid., 2001 [1994], p. 212), pois surge nessa conjuntura o populismo latino-americano, que se sustenta com base na figura de líderes autoritários que buscam o apoio, sobretudo, dos trabalhadores urbanos. Além disso, destaca-se as mobilizações políticas promovidas por líderes sindicais que se tornariam posteriormente líderes partidários, como exemplifica o caso da região caribenha dominada pela Grã-Bretanha.

Já na Era de Ouro, que remonta a segunda metade do século XX, há a expansão da indústria no chamado “Terceiro Mundo” – com ênfase na América Latina. Nesses países, também denominados como “países em recente industrialização” (NICS), houve uma diminuição acentuada no número de Estados que dependiam da agricultura, especialmente para financiar suas importações (Ibid., 2001 [1994], p. 256). 

No entanto, esse breve momento de euforia foi seguido de mais um período de crise que atingiu, dentre outras regiões, a América Latina, de forma a cessar o crescimento do seu PIB per capita (Ibid., 2001 [1994], p. 395). Nessa perspectiva, a maior parte das pessoas se tornaram mais pobres na década de 1980 e a produção decaiu durante alguns anos nessa região, segundo Hobsbawn. Destarte, enfatiza-se que não há dúvidas que na África, na Ásia Ocidental e na América Latina, a década de 1980 foi de uma depressão severa.

Os padrões de dominação externa na América Latina

Em sua obra “Capitalismo dependente e classes sociais na América Latina” (1973), o patrono do campo sociológico brasileiro, Florestan Fernandes, aborda sobre o moderno colonialismo, conectando esse conceito ao contexto latino-americano. De acordo com o sociólogo, a construção da massa ferroviária latino-americana, por meio do financiamento externo, foi realizada a fim de drenar as riquezas da região (FERNANDES, 1973, p. 28). 

Segundo Florestan Fernandes, existem quatro fases ou formas de dominação externa, sendo os padrões de dominação, respectivamente: a exploração colonial (Ibid., 1973, pp. 13-14), o neocolonialismo (Ibid., 1973, pp. 15-16), o imperialismo restrito (Ibid., 1973, pp. 16-17) e o imperialismo total, também denominado de capitalismo corporativo ou monopolista (Ibid., 1973, pp. 18-19). Nesse sentido, reconhece-se que cada um desses padrões de dominação, ao longo da história, já fizera parte da realidade latino-americana.

Ademais, o sociólogo reflete sobre o novo imperialismo e a hegemonia dos Estados Unidos, de forma a evidenciar que essa nova forma não é resultado apenas de fatores econômicos, mas que a política foi também um elemento decisivo no processo. Evidencia-se nesse cenário o influente fator político do governo estadunidense, sobretudo na segunda metade do século XX, ao apoiar ditaduras na América Latina (Ibid., 1973, pp. 25-26). 

Ainda em relação ao contexto da região, Florestan Fernandes salienta a existência de um dilema latino-americano, em que destacam-se estruturas econômicas, socioculturais e políticas internas aos países, que são capazes de absorver as transformações do capitalismo, mas que, concomitantemente, inibem a integração nacional e o desenvolvimento independente dessas nações (Ibid., 1973, p. 26). 

Nessa perspectiva, a dominação externa que estimula a modernização e o crescimento, nos estágios mais avançados do capitalismo, impedem a revolução nacional e uma verdadeira autonomia dos países da região (Ibid., 1973, p. 26). Portanto, segundo Florestan Fernandes, “o desafio latino-americano não é tanto produzir riqueza, mas como retê-la é distribuí-la, para criar pelo menos uma verdadeira economia capitalista moderna” (Ibid., 1973, p. 20).

Um balanço do neoliberalismo na região latino-americana

O neoliberalismo é uma reação não apenas ao socialismo, mas também ao Estado de bem-estar social, isto é, foi uma reação tanto teórica quanto política ao Estado tido como intervencionista e de bem-estar social (ANDERSON apud. BÓRON & SADER, 1995, p. 9). A hegemonia da ideologia e do programa neoliberal na Europa e na América do Norte foi sendo construída ao longo dos anos 1980. Para o credo neoliberal, o desemprego é saudável em uma economia capitalista, em contraponto ao pensamento keynesiano, outrora predominante.

Houve uma segunda abertura para o neoliberalismo nos anos 1990, por conta da vitória do Ocidente e do capitalismo neoliberal à Guerra Fria com o fim da União Soviética em 1991 e, com isso, pode-se dizer que houve um triunfo neoliberal no mundo (Ibid., 1995, p. 19). O neoliberalismo, como movimento ideológico, possui uma capacidade de expansão (um caráter mundial) bem maior que o liberalismo clássico que vigorou em muitos países, até a crise de 1929. No entanto, ele fracassou economicamente, na medida em que não foi capaz de reativar o capitalismo avançado (Ibid., 1995, pp. 22-23).

A América Latina, segundo o autor Perry Anderson, foi a terceira região em que houve experimentações neoliberais (Ibid., 1995, p. 19), com exceção do Chile e da Bolívia, onde esse processo se deu anteriormente, ainda nos anos 1970. O neoliberalismo chileno pressupôs uma abolição da democracia, já que de acordo com alguns de seus idealizadores, como Hayek e Friedman, a democracia não seria um valor central para o neoliberalismo (Ibid., 1995, pp. 19-20). Já na Bolívia, a hiperinflação foi um elemento essencial para a implantação do neoliberalismo no país (Ibid., 1995, p. 20). 

O autor Carlos Eduardo Martins, em sua obra “Globalização, dependência e neoliberalismo na América Latina” (2011), traz uma rica contribuição no que tange à articulação da região latino-americana à economia mundial e sua relação com o padrão neoliberal de desenvolvimento, que fortalece a condição de dependência desses países às economias centrais. 

Segundo o autor, a articulação da América Latina à economia mundial se deu em três fases, sendo que a primeira data dos anos 1980, em que os Estados Unidos, diante de sua crise de longo prazo, drenaram os excedentes da economia mundial, afetando assim as economias latino-americanas (MARTINS, 2012, p. 313). Já a segunda fase, nos anos 1990, é marcada por um novo ciclo expansivo estadunidense que provocou nas economias periféricas da América Latina, fortes desvalorizações cambiais, recomposição dos saldos das balanças comerciais, equilíbrio na balança de pagamentos dentre outros efeitos. Por fim, na terceira fase, já nos anos 2000, ocorrem alterações no projeto neoliberal em função da ascensão chinesa na economia mundial, além de um consenso popular anti-neoliberal, que provocou mudanças nas políticas implementadas pelos países latino-americanos – adoção de políticas externas independentes e sociais compensatórias (Ibid., 2012, pp. 313-314).

Já o autor Emir Sader enfatiza as condições para a adesão aos modelos neoliberais, dentre eles: o ciclo recessivo em meados dos anos 1970, a crise da dívida nos anos 1980 e o fim do modelo desenvolvimentista da década de 1990. Nesse contexto, emerge como modelo hegemônico, o neoliberalismo, a partir da adesão das políticas estabelecidas pelo Consenso de Washington (SADER, 2007, p. 97).

De acordo com Sader, a América Latina e, sobretudo, o Chile, serviu como laboratório dos experimentos neoliberais e, portanto, foi nessa espacialidade que o modelo nasceu, se expandiu, bem como assumiu formas mais radicais (Ibid., 2009, p. 62). Desse modo, na década de 1990 houve uma expansão do neoliberalismo na região, tornando-se um modelo hegemônico. No entanto, o autor enfatiza também as fases da luta anti-neoliberal na região, sendo elas: a resistência ao neoliberalismo (1989-2002), a crise hegemônica e a contraofensiva da direita, a partir de 2007 (Ibid., 2009, p. 167).

O autor Cláudio Katz discute em um determinado momento de sua obra a questão da economia e das classes na América Latina, no período de 1999 à 2013. Na visão de Katz, o neoliberalismo promoveu uma reestruturação do padrão de especialização exportadora das economias da região (KATZ, 2016, p. 33). A globalização neoliberal, portanto, tem reconvertido a América Latina em uma economia com uma elevada centralidade na agroexportação, na mineração e no setor de serviços, em detrimento do desenvolvimento industrial – processo de desindustrialização (Ibid., 2016, pp. 33-36). Nesse sentido, o modelo implica em uma generalizada reinserção periférica ou semiperiférica da região na Divisão Internacional do Trabalho (DIT).

A ascensão da China e a América Latina

O autor Carlos Eduardo Martins em seu texto intitulado “Dependência, neoliberalismo e novos padrões de desenvolvimento na América Latina”, ao salientar as fases de articulação do neoliberalismo latino-americano à economia mundial, situa o papel assumido pela China na terceira fase. A fase, que se inicia na primeira década dos anos 2000, é marcada pelo princípio da decadência da hegemonia neoliberal na região, à medida que a China ascende na economia mundial (MARTINS, 2012, pp. 313-314). 

O autor evidencia que houve nesse período uma reversão dos termos de troca causada pela demanda chinesa na economia mundial, que acabou atuando como um importante fator de sustentabilidade da macroeconomia dos países latino-americanos (Ibid., 2012, pp. 314). No entanto, essa vinculação entre a América Latina e a economia chinesa é marcada por algumas contradições, na medida em que ela inverte de maneira provisória a deterioração dos termos de troca entre produtos básicos e manufaturados, aprofunda a reprimarização da pauta exportadora e cria um leque de oportunidades que apresenta, por um lado, possibilidades e, por outro, riscos (Ibid., 2012, pp. 315).

Já os autores Eduardo Pinto e Marcos Cintra buscam analisar a dinâmica da economia da América Latina nos anos 2000 e 2010 de forma a ressaltar suas conexões com a ascensão chinesa na economia mundial (BRANDÃO apud. CINTRA & PINTO, 2018, p. 154). Nesse sentido, os autores traçam conclusões que, até certa medida, se vinculam com as do autor Carlos Martins. Segundos esses autores, o crescimento das economias dos países latino-americanos ao longo da década de 2000 foi impulsionado por uma dinâmica favorável na economia mundial propiciada pela ascensão da China (Ibid., 2018, p. 153). 

Os autores relacionam a presença chinesa na região latino-americana como parte do escopo das estratégias de internacionalização desse país, que tem como um de seus objetivos garantir o fornecimento de recursos naturais a longo prazo – sendo a América Latina um importante fornecedor desses recursos (Ibid., 2018, pp. 153-154). Em contraposição ao crescimento e a melhoria na distribuição de renda ao longo dos anos 2000, há a manutenção da estrutura produtiva da região baseada em um padrão de produção com foco nas exportações de produtos primários (Ibid., 2018, p. 154). 

Com o fim do período de “bonança” em 2012, devido à queda no preço das commodities – por conta da desaceleração da demanda chinesa –, a trajetória de crescimento aliado a distribuição na América Latina se esgotou. Destarte, os autores argumentam que os países latino-americanos perderam a oportunidade de alterar sua inserção na nova Divisão Internacional do Trabalho (DIT) e, por conseguinte, na economia mundial, de maneira a trilhar um caminho mais autônomo de desenvolvimento (Ibid., 2018, p. 155). O que se deu na verdade foi um processo de reprimarização da produção aliado com a desindustrialização dos países da América Latina.

Os dilemas da formação e da modernização brasileira

Em seu texto “O impasse da ‘formação nacional’”, o autor Plínio Sampaio Jr. discute os dilemas da formação do Brasil contemporâneo, a partir do pensamento de grandes pensadores críticos brasileiros, como Florestan Fernandes, Caio Prado Jr. e Celso Furtado. Nesse ínterim, o autor busca compreender os impasses internos e externos que levam o país a ocupar uma posição subalterna na economia mundial (SAMPAIO JR apud FIORI, 1999, p. 415). Esses intérpretes da realidade brasileira procuram encontrar a especificidades dos problemas do país, bem como suas possíveis soluções (Ibid., p. 416).

No que se refere ao pensamento de Caio Prado, o autor defende a tese de que o controle exercido pelo capital internacional sobre o processo de industrialização do país é responsável por gerar uma tendência à reversão neocolonial (Ibid., p. 418). Prado salienta que a presença de corporações transnacionais no Brasil poderia comprometer negativamente o processo de nacionalização na economia do país, de maneira a reforçar os laços de dependência externa por parte dessa economia (Ibid., p. 421).

Já José Luís Fiori, em seu texto intitulado “Para um diagnóstico da ‘modernização’ brasileira”, sintetiza a constituição do Brasil de maneira primorosa, ao associar o processo de formação do país com o contexto geopolítico e geoeconômico da expansão capitalista. Nesse sentido, ele pontua que até a década de 1930 o caminho adotado pelo país foi o do liberalismo econômico e, portanto, esse se ligava a modernidade tão somente pela exportação de produtos primários (FIORI, 2001, p. 271).

Ainda nesse contexto, o autor Fiori destaca que após a crise de 1929 até a década de 1990, a concepção de modernidade no Brasil passou a significar desenvolvimento econômico e industrialização. No entanto, esse era de desenvolvimentismo no país teve fim nos anos 1990, quando as elites econômicas e políticas brasileiras passaram a aderir ao novo mito da modernidade, o da globalização (Ibid., p. 271).

O Brasil da “Nova República” ao governo Bolsonaro: há perspectiva de um futuro melhor para o país?

O professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília, Jales Costa, em seu artigo denominado “Brasil: da ‘Nova República’ à autocracia dissimulada”, busca traçar os rumos que o país tomou após a redemocratização na década de 1980. Nessa perspectiva, o professor argumenta que esse processo se deu a partir da “conciliação pelo alto”, isto é, entre as camadas sociais, historicamente, favorecidas – a elite brasileira (ROSSO; BUENO apud COSTA, 2021, p. 342). Desse modo, pode-se inferir que a participação da massa população foi bastante restringida no processo de (re)construção democrática.

Já no que diz respeito aos governos da década de 1990, sobretudo, os governos do Fernando Henrique Cardoso, o professor realiza duras críticas, afirmando que seu compromisso com as forças retrógradas do país levou a continuidade e ao aprofundamento da política neoliberal no Brasil, não levando de fato a resolução dos problemas da nação (Ibid., p. 334). Já no que se refere aos governos do PT, o professor os define como sendo governos que em são feitas reformas importantes, principalmente na esfera social, mas ainda dentro de uma ordem, historicamente, estabelecida. 

No entanto, evidencia-se a regressão na trajetória de transformações políticas, sociais e econômicas no Brasil, representada pelo golpe à presidenta Dilma Roussef, em 2016, e a eleição do candidato Jair Bolsonaro, em 2018. Nesse sentido, pontua-se que as elites mais uma vez procuraram assumir o comando dos rumos da nação (Ibid., p. 342), a fim de tomarem para si os proveitos das benesses do Estado brasileiro em prol de seus interesses. Tendo em vista essa conjuntura, o professor conclui que continua sendo um desafio do Brasil avançar em uma revolução da ordem vigente que seja tanto interna quanto externa a ela (Ibid., p. 344). 

Em relação ao texto do autor Emir Sader, denominado “Para onde vai o Brasil” (2020), há uma síntese da história de um país que teve seu destino transformado diversas vezes ao longo de sua história (SADER apud CASTRO; POCHMANN, 2020, p. 157). O autor pontua que com a restauração democrática, após mais de 20 anos de ditadura militar, acreditou-se que a democracia resolveria todos os problemas do país, mas que isso de fato não ocorreu, haja visto que se restabeleceu um sistema político liberal, em que a situação econômica, social e política não foi aprimorada (Ibid., p. 158).

Ainda de acordo com Sader, os primeiros anos do século XXI no Brasil foram marcados por uma transformação fundamental, à medida em que o país foi chefiado por governos anti-neoliberais que tinham como prioridade as pautas sociais – diminuindo a exclusão social –, assim como buscaram fortalecer o papel do Estado e a integração regional e com os demais países do Sul Global (Ibid., p. 163).

Em um momento posterior, o autor pontua ainda o apelo da direita para recuperar o poder, que se deu por meio de um golpe, que tinha como principal objetivo retirar o PT do governo, após quatro mandatos consecutivos. Nessa conjuntura, destaca-se que os principais eixos do governo Bolsonaro eram reinstaurar no país o modelo neoliberal e implantar um Estado policial, a fim de impedir uma nova derrota eleitoral da direita (Ibid., p. 165). Por fim, os prognósticos do autor para o futuro do Brasil, que segundo ele, dependerá da reversão da situação política do país, está atrelado à reconstrução da hegemonia da esquerda, a fim de que se possa redemocratizar o país e retomar o projeto de desenvolvimento econômico com distribuição de renda (Ibid., pp. 169-170).

Considerações finais

Tendo como base os conceitos de acumulação primitiva de capital, explicitado na obra de Karl Marx, e os estágios de acumulação de capital, introduzidos na obra do autor Gunder Frank, buscou-se realizar algumas considerações que as relacionasse com o contexto latino-americano. Destarte, foi possível depreender que o processo de acumulação de capital resultou em um desenvolvimento do subdesenvolvimento da América Latina.

Ademais, com base nas obras do autor Eric Hobsbawn, fez-se possível compreender o impacto da revolução industrial, assim como os desdobramentos da expansão do capital na América Latina. Desse modo, torna-se mais evidente ao examinar a temporalidade que perpassa o século XVIII até o século XX, a situação de dependência que foi sendo construída entre os Estados latino-americanos para com os países desenvolvidos – sobretudo, os da Europa Ocidental e os Estados Unidos.

No que se refere as considerações realizadas por Florestan Fernandes, destaca-se a sua ênfase aos padrões de dominação historicamente construídos, os quais foram submetidos os países da América Latina. Já em relação ao neoliberalismo, buscou-se enfatizar os diversas efeitos negativos que essas políticas engendraram nas nações dessa região, de modo a acentuar sua condição de dependência as economias centrais. Para além disso, buscou-se enfatizar os impactos da ascensão da China e sua relação com os países latino-americanos, visto que esse processo favoreceu a reprimarização e a desindustrialização dessas economias.

No que tange ao Brasil, pode-se concluir que a formação da nação brasileira esteve muito atrelada a conjuntura externa, de modo que o país em seu processo de modernização, não tenha sido capaz de romper totalmente com a sua condição de dependência com os países centrais no longo prazo. Assim, evidencia-se o retorno de uma condição subalterna na década de 1990 que foi revertida em parte, sobretudo na primeira década do século XXI, sobre o comando de um governo de esquerda no país, mas que foi revertida novamente pelas elites, após o golpe de 2016 e a eleição de Jair Bolsonaro, em 2018. 

Todavia, pode haver uma nova reversão nesse cenário, visto que, nas palavras do autor Emir Sader: “Um país não tem destino. Seu destino é definido pelas disputas políticas, sociais, ideológicas, entre grupos que pretendem imprimir seu rumo ao país. A história é sempre um processo aberto” (SADER apud CASTRO; POCHMANN, 2020, p. 159).

Referências

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