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A queda do Muro de Berlim – 09 de novembro de 1989

A Guerra Fria e a criação do Muro de Berlim

No início do séc. XX, o estado de coisas geopolítico era constituído pela divisão internacional de poderes em caráter multipolar, ou seja, as grandes questões internacionais perpassavam pela órbita de diversas potências ao redor do globo (BIAGI, 2001). No entanto, com o advento dos desdobramentos da Segunda Guerra Mundial, iniciada no ano de 1939 e terminada no final de 1945, a Grã-Bretanha, liderada pelo então Primeiro-Ministro Winston Churchill, recolheu seu reconhecido poder político global e passou a auxiliar o poderio dos Estados Unidos, guiado inicialmente pela Doutrina Truman, retirando de si seu ímpeto de iniciativa e ensejando protagonismo ao seu aliado norte-americano na defesa dos interesses ocidentais, com destaque para a economia capitalista (BIAGI, 2001). Por outro lado, a União Soviética (URSS), utilizando-se da Cominform, em escalada expansionista e ditatorial, passou a distribuir suas provisões econômicas e forças militares por diversos países ao redor do globo, como modo de promover, em amplitude internacional, o intercâmbio de informações e coordenação de ações entre diversas centrais comunistas na Europa, constituindo um robusto instrumento de política externa da URSS (BIAGI, 2001). 

Desta forma, a multipolaridade internacional deu lugar a bipolaridade geopolítica no pós-guerra, constituída, por seu turno, pela ampla e frontal disputa estratégica entre o imaginário capitalista, liderado pelos Estados Unidos, e o imaginário comunista, liderado pela União Soviética, tendo-se como objetivo da disputa a conquista das mais relevantes posições no tabuleiro internacional (BIAGI, 2001). Nesta cerne, a Alemanha, vencida pelos aliados durante a Segunda Guerra Mundial, foi inicialmente dividida em quatro zonas: a francesa, a britânica, a americana e a soviética. No entanto, com o advento da bipolaridade política acima discorrida – comumente descrita como Guerra Fria – o território alemão passou a ser dividido em dois países, formando o lado ocidental (capitalista), denominado República Federal da Alemanha (RFA), e o lado oriental (comunista), denominado República Democrática Alemã (RDA), tendo Berlim como capital comum entre as duas nações, tornando-se, portanto, símbolo da divisão político-ideológica entre as cosmovisões americana e soviética (GILBERT, 2016). 

Tendo-se constituída a divisão do território alemão, observava-se um crescimento pujante da economia na Alemanha Ocidental, em decorrência dos investimentos feitos pelo Plano Marshall, e, por outro lado, uma contínua precarização do modo de vida alemão-oriental por seu governo autoritário, desencadeando na ausência de liberdade civil, bem como, na sua atividade econômica atrasada. Este fenômeno, evidente em decorrência da divisão territorial entre as duas superpotências globais no pós-guerra e seus específicos modos de produção, passou a desencadear-se em um robusto êxodo populacional de alemães-orientais rumo a Alemanha Ocidental, como observa detalhadamente o historiador britânico Martin Gilbert (1936-2015): 

A economia da Alemanha Oriental era muito menos efervescente que a economia da Alemanha Ocidental. O racionamento continuou em prática. Matérias-primas continuaram sendo enviadas para a União Soviética seguindo acordos que eram quase roubos. Desde 1953, mais de 20 mil alemães-orientais tinham fugido para a Alemanha Ocidental, e, durante 1957, o fluxo de pessoas para o Ocidente chegou a 5 mil por semana (GILBERT, 2016, p. 572-573)

Assim, observando o êxodo cada vez mais robusto, a RDA, coordenada pela União Soviética, após tentar, sem êxito, o impedimento da passagem de seus melhores profissionais mediante a utilização da Polícia Secreta da Alemanha Oriental (Stasi), decidiu pela necessidade de uma barreira física definitiva para o bloqueio fronteiriço existente entre a Alemanha Ocidental e os cidadãos alemães-orientais. Assim, por meio da operação militar que ficou conhecida como Operação Rosa liderada pelo secretário do Comitê Central para assuntos oficiais Erich Honecker (1912-1994), a Alemanha Oriental, em segredo perante a comunidade internacional, construiu um cercado de arame farpado na virada do dia 12 para o dia 13 de agosto de 1961, cercando todo o perímetro de Berlim Ocidental e surpreendendo toda sua população. Posteriormente, com a passagem já provisoriamente bloqueada, o muro definitivo foi sendo construído, até sua conclusão no ano de 1964, em conjunção com o deslocamento de torres de vigilância, soldados armados e cães de guarda, para impedir incessantemente a transição de pessoas para a capital da RFA já completamente isolada e inacessível por via terrestre. Desta forma, constituiu-se o maior símbolo da Guerra Fria no seio do território alemão. 

Eventos-causa da queda do Muro de Berlim

O muro de Berlim, como dito anteriormente, tornou-se marco simbólico, a partir do ano de 1961, da disputa estratégica entre o imaginário capitalista e o imaginário comunista, representados por Estados Unidos e União Soviética, respectivamente. Além disso, ao servir pragmaticamente como medida extremada de isolamento de Berlim Ocidental, a vasta edificação do muro em torno da capital da RFA, passou a representar categoricamente o ímpeto autoritário da República Democrática Alemã e, por conseguinte, da própria experiência comunista soviética perante a comunidade internacional. No entanto, como será discorrido no presente tópico, a instalação do muro teve seu declínio decorrente do próprio fator político externo que outrora ignorou e desafiou (MARCHIORI NETO et al, 2021). 

Em maio de 1989, a Hungria, a partir do aspecto político reformista baseado na perestroikata, decidiu romper suas barreiras fronteiriças militares na direção da Áustria, tal medida do governo húngaro acabou por ecoar no seio das experiências socialistas ao redor da Europa, fazendo com que o ideário soviético sofresse intensos desgastes no interior do velho continente. Dentre esses desgastes, acabaram-se constituindo diversas tentativas migratórias robustas da Alemanha Oriental para a Alemanha Ocidental, algo que foi observado, com temor, pela alta cúpula da República Democrática Alemã. Nesta cerne, afirma Ávila: 

E em poucos dias o êxodo dos alemães tornou-se massivo e dramático para um país de 16 milhões de habitantes. Observe-se que até dezembro de 1989 aproximadamente 350 000 germano-orientais, principalmente jovens em idade produtiva, abandonaram seus lares e trabalhos provocando graves consequências econômicas, políticas, sociais, ideológicas e principalmente familiares (ÁVILA, 2010, p. 95).

No entanto, a preocupante realidade migratória para a RDA acima discorrida apenas fortificou, na prática, a pretérita e ainda contínua pressão internacional sofrida pela União Soviética em decorrência do modus operandi autoritário de suas experiências políticas. No ano de 1987, por exemplo, em discurso histórico feito na presença do chanceler alemão Helmut Kohl, do presidente da Alemanha Ocidental Richard von Weizsäcker e do prefeito de Berlim Ocidental Eberhard Diepgen, o presidente dos Estados Unidos Ronald Reagan (1911-2004), pressionou o então Secretário-Geral do Partido Comunista da União Soviética Mikhail Gorbatchov (1931-), ao proferir as seguintes palavras: 

Há um sinal de que os soviéticos podem fazer que seria inconfundível, que avançaria dramaticamente a causa da liberdade e da paz. Secretário Geral Gorbachev, se você busca a paz, se você busca a prosperidade para a União Soviética e a Europa Oriental, se você busca a liberalização, venha aqui para este portão. Sr. Gorbachev, abra este portão. Sr. Gorbachev, derrube este muro (Estadão Embed, 2014, n.p) 

As palavras ditas por Reagan, na época, ecoaram como representação exata dos interesses ocidentais na Europa, assim como, serviram como sinalização apropriada aos anseios dos cidadãos alemães-orientais. Nesta cerne, retornando ao distinto ano de 1989, além das consequências migratórias sofridas pela RDA em decorrência dos acontecimentos na Hungria, o ânimo político pela derrubada do muro de Berlim consolidou-se num grupo de oposição chamado Neues Forum, composto por aproximadamente uma centena de intelectuais e profissionais das mais diversas áreas, ameaçando pôr fim ao unipartidarismo da Alemanha Oriental (MARCHIORI NETO et al, 2021).  

Desta forma, a quase simultânea ocorrência de eventos confrontadores ao regime instaurado na Alemanha Oriental, apesar de inicial repressão de Honecker, levou o último dirigente da RDA Egon Krenz, a decretar, em novembro de 1989, a livre mobilidade dos germano-orientais e a abertura das fronteiras inter-alemãs, o que, por consequência, levou à aceitação da queda do muro de Berlim (MARCHIORI NETO et al, 2021). A medida tomada por Krenz por reivindicação popular e externa, em simultaneidade à crise econômica sofrida pela União Soviética, levou o ideário socialista ao completo descrédito na Alemanha Oriental, fato consolidado quando, no dia 4 de novembro de 1989, uma manifestação inédita reuniu aproximadamente 500.000 pessoas, como forma de repúdio em relação ao regime comunista até então instaurado. Assim, em decorrência da manifestação, no dia 9 de novembro, o parlamento alemão aprovou, com eficácia imediata, a lei que viria a possibilitar a livre circulação de germano-orientais para a RFA, o que fez milhares de alemães-orientais se deslocarem ao muro de Berlim com a intenção de coagir Krenz a anunciar a aprovação da lei e, portanto, a derrubada do muro de Berlim. Fato este concretizou-se no mesmo dia 9, dando início ao declínio do comunismo na Europa Oriental e Central (MARCHIORI NETO et al, 2021).

Desdobramentos da queda do Muro de Berlim

Constituída uma das datas mais emblemáticas do século XX, após o dia 9 de novembro de 1989, o então muro que representava a Guerra Fria foi demolido e cidadãos da Alemanha Oriental estavam agora livres para migrar ao Ocidente sem possuir temor de serem assassinados pela RDA. Contudo, a migração não foi o único efeito causado pelo fim do muro. Neste cerne, serão dissertadas outras implicações, como econômicas e sociais, que surgiram a partir de novembro de 1989.

A transação imediata de famílias para a Alemanha Ocidental iniciava um novo capítulo na história do país, que objetivava seus investimentos para reerguer-se após a 2° Guerra Mundial. Agora unificada novamente, a Alemanha possuiria como objetivo o desenvolvimento econômico igual em todo seu território, o que não foi um objetivo fácil de se atingir tão rapidamente. Entretanto, destaca-se, principalmente, uma divisão clara entre a progressão educacional de ambas as metades, o que dificultou o objetivo maior da Alemanha agora unificada.

Para tanto, reformulou-se a política externa a fim de uma abertura para o Ocidente e novas parcerias comerciais. Uma Alemanha unificada agora poderia construir sua autonomia em um plano de longo prazo, visando desenvolvimento e bem-estar social. Nesse âmbito, observa-se ponderações importantes por Pfetsch (1936- ), que discorre profundamente sobre as possibilidades da política externa alemã:

A determinação da posição da Alemanha como um Estado industrial e comercial no centro do continente europeu pode ser vista como uma função de ligação com um sólido atrelamento na aliança ocidental, como força impulsionadora, por um lado, do aprofundamento e ampliação e, por outro lado, de abertura para o Leste e para a renovação econômica e política dos ex-Estados socialistas. Essa função de ligação é tudo menos uma variação nacionalista do conceito de ligação, do neutralismo, de um Centro independente ou mesmo de um caminho autônomo. (PFETSCH, 1997, p. 189)

Além do setor educacional e a política externa, o crescimento econômico sustentado do território Oriental estagnou-se durante as mais de duas décadas sob regime soviético, em comparação com o Ocidente onde o Estado previa um livre comércio entre seus agentes econômicos (STIER, 2018). Isso é deduzido a partir do sistema econômico, marcado pela economia centralmente planejada e fechada para o comércio exterior com outras nações, características presentes nas repúblicas soviéticas da época. Consequentemente, poucos avanços tecnológicos foram realizados e não houveram melhoras na infraestrutura local, impedindo um aumento na produtividade dos trabalhadores. Entretanto, a queda do muro proporcionou uma esperança para os trabalhadores orientais.

Estendendo-se também para os demais setores, permitindo a evolução tecnológica e um investimento proporcional na educação, agora em todo o território nacional. Em um período de meses não foi possível notar uma grande diferença, pois o aumento populacional e a distribuição geográfica tomavam tempo para ajustar-se devidamente. Após o equilíbrio, com organização política e disciplina, a ornamentação de recurso e progressão dos setores desfalcados puderam compensar o tempo onde pouco avançaram em comparação ao globo e especialmente com seu vizinho.

Não obstante, uma das maiores consequências deu-se no campo geopolítico e ideológico das nações envolvidas. A perda do controle da Alemanha Oriental causou um aceleramento do declínio da URSS, que já ocorria desde o início da guerra contra o Afeganistão, agravando sua crise político-econômica e enfraquecendo seus sistemas. Portanto, a simbologia carregada pela queda do muro, como outrora afirmado, abriu portas para o fim da guerra fria e contribuiu para a construção da Alemanha como reconhecida nos dias de hoje.

Referências

BIAGI, Orivaldo Leme. O imaginário da guerra fria. Revista de História Regional v. 6 n. 1, p. 61-111, verão, 2001.

ESTADÃO EMBED. Discurso do presidente americano Ronald Reagan em 1987 em Berlim. Youtube. 7 de nov. de 2014. 

GILBERT, Martin. A história do século XX / Martin Gilbert; [tradução Carolina Barcellos, Ebreia de Castro Alves]. – 1. ed. – São Paulo: Planeta, 2016.

GUSMÃO, Tallyta; PREVIDELLI, Maria de Fátima. A reunificação das Alemanhas e o final da guerra fria (1989-1991). XII Congresso Brasileiro de História Econômica, Rio de Janeiro, 2013.

MARCHIORI NETO, Daniel Lena et al. Relações internacionais contemporâneas. Rio Grande, RS: Ed. da FURG, 2021.

PFETSCH, Frank. A Política externa da Alemanha após a reunificação. Rev bras polít int, vol 40, 2021.

STIER, Lucas. Os impactos econômicos da reunificação da Alemanha após a queda do muro de Berlim em 1989. Insper, São Paulo, 2018.

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