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Um assunto particular com implicações coletivas: Dia Mundial do Vaso Sanitário – 19 de novembro de 2013

A possibilidade de acessar um banheiro, seja em casa ou em espaços públicos pode parecer à primeira vista algo irrelevante para o debate na contemporaneidade. Contudo, possuir um espaço adequado para realizar as necessidades fisiológicas, aliado a um sistema de saneamento, ainda é um problema em diversos locais no mundo. No quadro das implicações que a inexistência de um vaso pode causar, se encontram o agravamento de questões socioeconômicas; impactos ambientais e na saúde pública; reflexos no sistema educacional e principalmente a falha na salvaguarda dos direitos humanos.

Tendo em consideração esses fatores, 19 de novembro do ano de 2001 foi fundada a Organização Não Governamental World Toilet Organization (WTO), ocorrendo concomitantemente a primeira conferência desta instituição. Com o objetivo de trazer a atenção da comunidade internacional para esta temática e suas implicações, a data marcou esta iniciativa que inicialmente foi vista como uma agenda não prioritária entre as pautas internacionais neste período. Para tanto, a definição da data como o Dia Mundial do Vaso Sanitário só ocorreu doze anos após a primeira conferência da WTO.

A Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu o dia comemorativo no decorrer da 67° Assembleia Geral, em Nova York, em 2013. Como pode ser visto na Resolução A/67/L.75 (ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS, 2013), a profunda preocupação com o pouco progresso alcançado no âmbito da garantia ao saneamento básico impulsionou a criação. Do mesmo modo que se incentivou a adoção de políticas de ampliação do acesso a saneamento por parte dos Estados Membros e o compromisso em ampliar o debate sobre o tema nas Organizações Internacionais

Vale destacar que as Conferências da WTO ocorrem anualmente, e atualmente contam com o apoio da ONU, amparada pelos Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável – Agenda 2030. Principalmente o 6° Objetivo, que inclui entre as metas a eliminação de instalações inadequadas utilizadas como banheiro; a garantia do acesso equitativo ao saneamento básico e higiene pessoal, com destaque aos aspectos de gênero; o acesso à água potável, entre outros.

Porque precisamos desta data?

Como destaca o relatório desenvolvido pela WTO, denominado We can’t wait, em 2013 existiam cerca de 2,5 bilhões de pessoas sem acesso a instalações adequadas e saneamento, o que é retratado como uma crise sanitária. Dentro deste quadro, se torna mais evidente as disparidades socioeconômicas e de gênero sendo meninas e mulheres as mais afetadas pela ausência de banheiros. De forma enfática, o relatório aponta que aproximadamente 526 milhões de mulheres e meninas realizam suas necessidades fisiológicas a céu aberto, sendo expostas a diferentes tipos de infecções e até mesmo violência.

Como mencionado acima, as questões de desigualdade de gênero se apresentam com maior impacto e acompanha pautas que não ainda são abordadas de forma restrita, tal como a menstruação. Como aponta o relatório lançado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância e a Fundo de População das Nações Unidas, a ausência de banheiros e artigos de higiene ainda impedem que executem atividades diárias fundamentais, como frequentar a escola pela ausência de banheiros adequados e condições de higiene suficientes para garantir a segurança dos usuários e pela dificuldade de acesso a artigos de higiene pessoal (SANTOS, 2021). 

Incontáveis são as consequências sociais que a falta de um banheiro e saneamento pode causar.  A mortalidade infantil também pode ser identificada neste cenário, como salienta a Organização Mundial da Saúde, estima-se que anualmente ocorrem cerca de 432 mil mortes causadas por diarreia e doenças relacionadas com a precariedade do saneamento básico e gestão de águas, tal como verminoses, cólera, hepatite A e outras infecções gastrointestinais. Como destaca Günther e Fink (2011), a melhoria na higiene e saneamento impactaria em cerca de 20% no total estimado de mortes relacionadas às doenças acima citadas de crianças menores de cinco anos. Esta conclusão parte de uma análise de 38 países em desenvolvimento que apresentam precária infraestrutura de saneamento.

Não diferentemente, efeitos no meio ambiente podem ser vistos de forma paralela à proliferação de doenças. Tal como expõe Ferreira e Garcia (2017), o descarte inadequado do esgoto e dejetos humanos são responsáveis não apenas pela disseminação de doenças como também a contaminação de bacias hidrográficas; mananciais; e o impacto na biodiversidade e dos recursos hídricos também esgotáveis.

Os banheiros no Brasil 

Torna-se relevante mencionar a Lei nº 11.445/2007 – Diretrizes Nacionais para o Saneamento Básico,  estabelece o compromisso com o acesso universal a água, limpeza urbana e o trato com os resíduos, levando em consideração tópicos relevantes como os aspectos socioeconômicos, ambientais e de saúde pública que interagem de forma interdependente com a pauta sobre saneamento. Ainda vale citar a criação do Comitê Interministerial de Saneamento Básico, em 2020, com o objetivo de delinear as políticas, estratégias, e orçamentos sobre esta pauta.

Apesar de representarem marcos importantes na gestão do saneamento básico no país, muitos avanços devem ser alcançados até que se considere o Brasil um espaço livre desta crise. Como discorrido ao longo deste texto, a crise sanitária causada pela falta de banheiros também pode ser identificada no Brasil em diferentes dimensões e evidencia o caráter de desigualdade social deste cenário. Mais especificamente, como aponta Moraes (2014), o fator da renda familiar deve ser ressaltado dentro do quadro de residências sem banheiros adequados, sendo majoritariamente observado em residências com renda entre 1 e 2 salários mínimos per capita.

Este retrato também se estende à infraestrutura escolar, durante os anos de 2017-2018, no Brasil, aproximadamente 321 mil meninas estudam em escolas sem banheiros em condições saudáveis de uso. Tal fator é apontado como causa para a perda de horas letivas principalmente durante o período menstrual por não terem condições adequadas para o manejo do seu período menstrual. Igualmente, cerca de 900 mil meninas, não possuíam água encanada dentro da casa; e cerca de 6,5 milhões residem em locais sem rede de esgoto (SANTOS, 2021).

No tocante a relação existente entre o meio ambiente, a saúde pública e as pessoas afetadas pela crise sanitária na população, Teixeira (2018) expõe que, apenas no ano de 2015, 2,35% das internações ocorridas no Brasil estavam correlacionadas com doenças associadas ao consumo ou contato com água contaminada. Especificamente, encontra-se casos de doenças endoparasitárias fecais e outras infecções gastrointestinais.

O ato de encontrar alívio para as necessidades em um espaço que proporcione segurança não deveria ser uma pauta desprezada ou tratada com um tabu, principalmente quando é uma crise com efeitos multidimensionais. Torna-se inegável atribuir ao Dia Mundial do Vaso Sanitário a sua relevância neste sentido. Contudo, além da criação de políticas que garantam a criação de infraestrutura adequada para a instalação de banheiros; encanamento de água e a captação e descarte correto dos resíduos outros fatores devem ser levados em consideração nesta e em futuras investigações, tal como os efeitos causados pela desigualdade socioeconômica e suas implicações na construção de uma vida digna para os indivíduos afetados.

Referências

ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS. Resolução A/67/L.75. AGNU, 17 julho 2013. Disponível em:<://www.un.org/millenniumgoals/pdf/GA%20Sanitation%20for%20All%20resolution%2024%20July.pdf>. Acesso em: 7 de out. 2021.

FERREIRA, Mateus de Paula; GARCIA, Mariana Silva Duarte. Saneamento básico: meio ambiente e dignidade humana. Dignidade Re-Vista, v. 2, n. 3, p. 12, 2017.

GÜNTHER, Isabel; FINK, Gunther. Water and sanitation to reduce child mortality: The impact and cost of water and sanitation infrastructure. World Bank Policy Research Working Paper, n. 5618, 2011.

MORAES, Luiz Roberto Santos et al. Análise situacional do déficit em saneamento básico. Panorama do Saneamento Básico no Brasil, v. 2, 2014.

SANTOS, Caroline Costa Moraes dos. A pobreza menstrual no Brasil: Desigualdades e violações de direitos. UNICEF, UNFPA, 2021. Disponível em: <https://brazil.unfpa.org/pt-br/publications/pobreza-menstrual-no-brasil>. Acesso em 10 de out. 2021. 
TEIXEIRA, Maria Dilma Souza et al. Impactos socioambientais provenientes do esgotamento sanitário a céu aberto. Revista Brasileira de Gestão Ambiental e Sustentabilidade, v. 5, n. 11, p. 849-858, 2018.

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