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1000 Dias de Guerra na Ucrânia: A Tragédia, as Instituições e a Dura Realidade
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1000 Dias de Guerra na Ucrânia: A Tragédia, as Instituições e a Dura Realidade

Foto: geostrategicmedia

Por que a guerra na Ucrânia já dura três anos? Como é possível que a comunidade internacional (e quem seria ela e quais seus interesses?), as instituições multilaterais e os principais atores internacionais não tenham conseguido promover a paz e encerrar este conflito devastador? 

A guerra, que alcançou a marca de 1.000 dias desde o início da invasão em grande escala pela Rússia em 24 de fevereiro de 2022, representa um dos eventos mais complexos e dolorosos da época contemporânea. Esse conflito, que inicialmente parecia uma invasão rápida, evoluiu para uma guerra prolongada, definindo não apenas a vida dos ucranianos, mas também a dinâmica política internacional e a percepção de segurança internacional. 

A marca dos mil dias simboliza não apenas a resistência, mas também as tragédias humanas e a incapacidade das instituições internacionais de intervir de maneira eficaz. Ao longo deste período, questiona-se cada vez mais a real capacidade de organismos como a ONU, a OTAN e a União Europeia em mediar crises e promover soluções duradouras para a paz. A falta de coordenação e de pressão efetiva sobre os envolvidos levanta dúvidas sobre a habilidade dessas instituições de garantir estabilidade e segurança internacional.

A Tragédia Humana e a Devastação da Infraestrutura

Desde o início da invasão, os números falam por si: pelo menos 12.162 civis foram mortos, incluindo 659 crianças, enquanto milhares de outros ficaram feridos e deslocados. No entanto, os dados frios não conseguem expressar completamente o sofrimento humano. Histórias como a de Natalia Panasenko, que viu seu lar ser destruído por um bombardeio em Zaporizhzhia, ilustram o impacto devastador nas vidas dos indivíduos. 

Famílias foram separadas, lares foram reduzidos a escombros, e um sentimento constante de medo passou a fazer parte do cotidiano dos ucranianos. Além disso, cidades como Mykolaiv e Odessa testemunharam ataques devastadores que destruíram infraestrutura crítica, incluindo escolas e hospitais, sublinhando a natureza brutal da guerra moderna.

A destruição de infraestrutura não se limita apenas às áreas urbanas. A paisagem rural também se encontra marcada por minas terrestres e crateras de bombas, criando o que é conhecido como Zona Cinza, áreas de terra de ninguém onde a vida parece ter sido completamente apagada. Esse território entre as forças russas e ucranianas tornou-se um símbolo tangível do impacto duradouro do conflito, onde charnecas queimadas, árvores carbonizadas e casas em ruínas formam uma paisagem pós-apocalíptica. A destruição da infraestrutura energética e a sabotagem de centrais elétricas e gasodutos também tornaram a vida cotidiana insuportável, deixando milhões sem acesso a eletricidade e aquecimento, principalmente durante os rigorosos invernos ucranianos. Esta devastação sistemática da infraestrutura essencial, além de impactar diretamente as vidas dos civis, mina a capacidade de recuperação econômica e impede a prestação de serviços básicos.

A falta de acesso a água potável, energia elétrica e outros recursos essenciais se reflete na deterioração das condições sanitárias, que aumentam o risco de epidemias. Hospitais têm enfrentado escassez de suprimentos médicos básicos, e as escolas, quando não são destruídas, são muitas vezes usadas como abrigos, interrompendo a educação de milhares de crianças. A destruição sistemática também contribui para a desagregação do tecido social, com comunidades inteiras forçadas a se desintegrar e migrar em busca de segurança, criando uma das maiores crises de refugiados da história recente na Europa.

Resiliência em Meio à Devastação

Apesar de toda a devastação, a resiliência do povo ucraniano é algo que impressiona o mundo. Todos os dias, trabalhadores mantêm o país funcionando, como é o caso dos trabalhadores da usina de aço Zaporizhstal, que mantêm a produção ativa apesar dos constantes ataques e quedas de energia causadas pelas ofensivas russas. “Os trabalhadores mais velhos carregam tudo em seus ombros. Eles sabem o que estão fazendo e entendem que precisamos resistir e segurar as pontas, na esperança de que o futuro seja melhor”, disse Serhii Saphonov, gerente da usina.

Outro exemplo de resiliência é a persistência de atividades cotidianas em cidades como Odessa, onde grupos de amigos ainda nadam no Mar Negro, mesmo sob as temperaturas frias e as ameaças constantes de minas e ataques com drones. “Se você tem medo de lobos, não entre na floresta”, disse Dmytro, um dos nadadores, ilustrando o espírito de perseverança que permeia a população.

Em Chernihiv, o sistema de saúde também luta para oferecer o mínimo aos que sobreviveram aos ataques. Dr. Vladyslava Friz, uma cirurgiã reconstrutiva, menciona que realizou mais cirurgias nos últimos mil dias do que na década anterior de sua carreira, frequentemente enfrentando a falta de recursos, como estruturas metálicas para reparações faciais. Ela destaca que a maior preocupação é que o mundo está perdendo o interesse pelo conflito, enquanto a Ucrânia continua a perder vidas todos os dias. 

A sensação de abandono é palpável. Muitos ucranianos, inclusive profissionais de saúde, sentem que a atenção internacional se desvia lentamente para outras crises internacionais, enquanto o país permanece preso a uma luta desigual pela sobrevivência.

Instituições Nacionais e Internacionais: Limites e Potencialidades

O conflito na Ucrânia também evidenciou os limites das instituições nacionais e internacionais. Internamente, o governo ucraniano tem enfrentado enormes desafios para manter a unidade nacional e garantir o funcionamento das instituições essenciais. A mobilização social, muitas vezes desempenhada por redes informais e organizações não governamentais, se tornou um pilar fundamental para preencher lacunas deixadas pelo Estado. Essa mobilização reflete um desejo por autonomia e inclusão, herança do movimento Maidan que se intensificou com a invasão russa.

No cenário internacional, a ONU tem se posicionado contra as violações dos direitos humanos, apelando para que a Rússia cesse imediatamente suas hostilidades e retire suas forças da Ucrânia. Contudo, a eficácia de suas ações é limitada pelas dinâmicas do Conselho de Segurança, onde a Rússia possui poder de veto. Isso levanta uma questão incômoda: como pode uma organização, criada justamente para prevenir conflitos e assegurar a paz, estar tão limitada na sua capacidade de agir frente a uma guerra tão devastadora? A ONU se vê, repetidamente, refém das estruturas de poder que deveriam servir ao bem coletivo, mas que são frequentemente manipuladas para proteger interesses individuais dos membros permanentes.

A OTAN, por sua vez, continua a fornecer apoio militar à Ucrânia, mas o prolongamento do conflito e as demandas crescentes sobre recursos financeiros e materiais pressionam seus membros. Bruxelas e Washington enfrentam um dilema: aumentar o apoio à Ucrânia ou buscar uma saída diplomática que evite um conflito mais amplo. Ainda assim, a hesitação em tomar medidas mais enérgicas contra a Rússia também levanta dúvidas sobre o compromisso dessas nações com a paz e a segurança internacionais. A falta de uma estratégia clara e unificada por parte dos aliados ocidentais tem contribuído para o prolongamento do conflito, evidenciando fragilidades na capacidade da OTAN e da União Europeia em atuar de maneira decisiva.

A União Europeia também desempenhou um papel crítico, principalmente através da aplicação de sanções econômicas contra a Rússia e do apoio financeiro à Ucrânia. No entanto, a dependência energética da Europa em relação ao gás russo revelou vulnerabilidades que tiveram que ser rapidamente abordadas por meio de acordos com outros fornecedores. Essa transição para alternativas energéticas é parte de uma transformação maior na política externa europeia, que busca reduzir riscos e assegurar maior independência. Ainda assim, o impacto das sanções tem se mostrado limitado em alterar a postura do Kremlin, revelando os limites do poder econômico como ferramenta para moldar políticas externas agressivas.

Os Desafios da Reconstrução e a Busca por Paz

A dura realidade é que o fim da guerra, quando eventualmente chegar, deixará uma Ucrânia devastada que precisará de uma reconstrução abrangente. A reconstrução não será apenas física, mas também social, política e econômica. Estima-se que o custo da reconstrução possa ultrapassar os 750 bilhões de dólares, segundo o Banco Mundial e o FMI, cobrindo desde infraestrutura básica até serviços sociais críticos. 

O país precisará de investimentos massivos em infraestrutura, como estradas, pontes, hospitais e escolas, que foram sistematicamente destruídos ao longo do conflito. Além disso, reformas profundas serão necessárias para combater a corrupção e fortalecer suas instituições democráticas, um dos principais desafios da Ucrânia desde a independência. 

Programas de apoio internacional serão essenciais não apenas para reconstruir hospitais, escolas e estradas, mas também para restaurar a confiança social, oferecer suporte às famílias deslocadas e reintegrar combatentes na vida civil. De acordo com a ONU, a reconstrução social será um dos maiores desafios, exigindo uma verdadeira mobilização da comunidade internacional (e quem seria ela?) para evitar o colapso total do tecido social do país. A cooperação entre agências internacionais, ONGs e o governo ucraniano será vital para garantir que a ajuda humanitária e econômica chegue a quem mais precisa.

Os cenários futuros para o conflito apontam para quatro possibilidades principais:

  1. Conflito Prolongado e Congelado: Esse cenário prevê um conflito contínuo, sem uma resolução clara, semelhante ao que ocorreu em outras regiões como a Geórgia e o leste da Ucrânia após 2014. A guerra se transformaria em uma espécie de conflito de baixa intensidade, onde nenhuma das partes consegue uma vitória decisiva, resultando em um impasse duradouro que prejudica o desenvolvimento econômico e a estabilidade social.
  2. Vitória Ucraniana com Apoio Ocidental: Uma vitória militar completa da Ucrânia requereria um massivo apoio militar e diplomático contínuo dos aliados ocidentais. A manutenção desse nível de apoio é incerta, especialmente à medida que o conflito se prolonga e o cansaço da guerra começa a afetar o ânimo político dos países ocidentais. Além disso, uma vitória militar completa poderia desestabilizar ainda mais a região, levando a uma possível escalada da Rússia.
  3. Derrota e Concessões Significativas à Rússia: Nesse cenário, a Ucrânia seria forçada a fazer concessões territoriais significativas para encerrar a guerra, possivelmente cedendo regiões ocupadas à Rússia. Embora possa trazer uma pausa nos combates, esse resultado dificilmente traria uma paz estável e duradoura, uma vez que muitos ucranianos se opõem veementemente à ocupação russa e o sentimento nacionalista está em alta. Essa solução poderia criar ressentimentos profundos e riscos de novos conflitos no futuro.
  4. Solução Negociada e Compromissos Territoriais: Esse cenário envolve uma solução negociada que permita a restauração de alguma forma de normalidade, ainda que com concessões territoriais. A comunidade internacional, incluindo países como China e Turquia, poderia ter um papel de mediador, pressionando ambas as partes a chegarem a um acordo. No entanto, essa solução exigiria compromissos dolorosos, incluindo garantias de segurança que talvez não sejam suficientes para restaurar a confiança da população ucraniana.

Nenhum desses cenários é fácil ou sem consequências, mas todos apontam para a necessidade de um compromisso duradouro para a paz, que é atualmente apenas uma esperança distante. 

Segundo um relatório do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, a manutenção do apoio ocidental será fundamental para qualquer esperança de vitória ou estabilidade. A falta de consenso internacional e a exaustão dos países aliados, entretanto, podem dificultar uma resolução rápida e satisfatória. O Secretário-Geral da ONU, António Guterres, já alertou sobre o risco de uma “paz precária”, caso não haja um esforço coordenado para resolver as causas profundas do conflito e garantir uma reconstrução inclusiva e sustentável.

O papel da União Europeia será fundamental nesse processo. A integração com a UE poderia proporcionar os recursos necessários, assim como a perspectiva de um futuro mais estável e próspero. No entanto, tal integração requereria um compromisso firme tanto da Ucrânia em implementar as reformas exigidas quanto da UE em expandir suas fronteiras para acolher um país que ainda se encontra em um processo complexo de reconstrução e consolidação democrática.

Um Apelo por Compromisso 

Mil dias de guerra não são apenas um número; são mil dias de vidas destruídas, famílias separadas e uma nação tentando sobreviver contra as probabilidades. Este conflito destacou as fraquezas das estruturas internacionais e o impacto devastador de um confronto prolongado. A resiliência do povo ucraniano é inspiradora, mas a pergunta permanece: por quanto tempo mais eles poderão suportar?

É necessário que a comunidade internacional não se afaste do compromisso com a paz e a justiça. É fundamental garantir que as violações dos direitos humanos sejam investigadas e que os responsáveis sejam levados à justiça. Além disso, é essencial que os recursos para a reconstrução sejam mobilizados e que o futuro da Ucrânia seja assegurado de forma justa e sustentável. Esta guerra não é apenas um conflito regional, é um lembrete do fracasso coletivo em prevenir a violência e do alto custo de negligenciar as necessidades de segurança de uma região tão crucial para a economia e política internacional.

O compromisso dos que realmente buscam a paz deve ser renovado e intensificado. Se não for por outra razão, que seja pelo simples fato de que a paz não é apenas o fim da guerra, mas o início da justiça e da possibilidade de um futuro melhor para todos. Mil dias de sofrimento são demasiados, e a esperança é que o mundo não precise contabilizar mais mil para finalmente ver o fim desse conflito.

Referências

  • Hinnant, L., Novikov, I., & Zhyhinas, D. “1,000 days of war in Ukraine, distilled in a single 24-hour span of violence and resilience.” Associated Press, 19 de novembro de 2024.
  • Laurence, J. “Ukraine: Grim milestone of 1,000 days since Russia launched full-scale armed attack.” UN Human Rights Monitoring Mission in Ukraine, 19 de novembro de 2024.
  • Lough, J. “Four scenarios for the end of the war in Ukraine: Assessing the political and economic challenges ahead.” Disponível em: [file:///home/esri/Documentos/India/2024-10-16-scenarios-end-war-ukraine-lough.pdf]
  • Shkliarevsky, G. “REFLECTIONS ON THE WAR IN UKRAINE AND THE EMERGING WORLD ORDER.” Disponível em: [https://www.researchgate.net/publication/385717674]

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