Certamente você já ouviu falar nele. Elon Musk se tornou uma das pessoas mais poderosas do mundo, figurando em no ranking da Forbes, ao lado de outros bilionários, como Jeff Bezos e Mark Zuckerberg.
A sua fortuna e suas ambições o levaram a desempenhar um papel crescente na política internacional e, em particular, na política doméstica americana. As eleições de Donald Trump em 2024, com a promessa de desregulamentar setores estratégicos, priorizar políticas protecionistas e redefinir o papel dos Estados Unidos em organizações multilaterais, se associam às pretensões de Musk, que visa através das suas indústrias dominar tecnologias chave.
Sumário
Nesse cenário, Elon Musk destacou-se como um dos maiores financiadores e articuladores da campanha republicana. Dono da rede social X (antigo Twitter) e CEO de empresas como Tesla e SpaceX, Musk investiu cerca de 277 milhões de dólares para impulsionar a candidatura de Trump e utilizou sua rede social como uma ferramenta de amplificação das mensagens populistas que caracterizaram a campanha.
Seu papel não se restringiu ao apoio financeiro ou midiático, pois Musk emergiu como um aliado próximo de Trump, influenciando escolhas estratégicas para o governo, incluindo sua nomeação como líder do Departamento de Eficiência Governamental, criado na nova administração.
O envolvimento de Musk nas eleições americanas e sua transição de empresário para figura política internacional levantam questões sobre como um indivíduo pode se tornar um ator na política internacional. Normalmente, a política internacional é conduzida por Estados e organizações internacionais, mas figuras como Musk demonstram que indivíduos com vastos recursos econômicos, influência tecnológica e alcance comunicacional podem moldar agendas políticas e diplomáticas.
Musk conseguiu alavancar essas características para influenciar decisões governamentais e moldar narrativas sobre o futuro da humanidade, sobre disputas econômicas e geopolíticas. Ao financiar campanhas políticas, interagir diretamente com líderes internacionais e até interferir em processos eleitorais no exterior, Musk exemplifica como a concentração de poder econômico e tecnológico pode transformar indivíduos em atores no sistema internacional, rompendo com a exclusividade tradicional dos Estados nesse papel.
Esse fenômeno também reflete mudanças mais amplas na governança, onde atores não estatais – como empresas multinacionais, organizações religiosas, org. terroristas, org. esportivas e indivíduos com recursos significativos – exercem influência crescente na agenda internacional para defenderem seus próprios interesses.
No caso de Musk, sua capacidade de operar em múltiplas esferas – da tecnologia à política – tem causado grande polêmica e debates sobre como um indivíduo pode controlar a humanidade. Por um lado, ele traz soluções inovadoras, como o uso do Starlink, que oferta internet através de satélites para regiões subdesenvolvidas, afastadas da infraestrutura de cabos de internet ou em conflito.

Entretanto, sua postura polarizadora e sua interferência direta em questões internas de outros países, como o apoio a partidos de extrema-direita na Alemanha, têm levantado preocupações sobre os limites éticos e políticos de sua influência. No Brasil, suas declarações críticas às ações do governo brasileiro relacionadas ao bloqueio do Twitter geraram intensos debates sobre liberdade de expressão e governança digital. Na Ucrânia, sua atuação foi marcada pelo apoio através do fornecimento da rede Starlink, essencial para a comunicação em regiões de conflito, enquanto na China, sua relação com o governo se mostrou ambígua, com a Tesla equilibrando interesses comerciais em um ambiente politicamente sensível.
Um paralelo com Jack Mak
Na China, o caso de Jack Ma, fundador do Alibaba, exemplifica como o governo chinês tem atuado para conter a influência de grandes bilionários e reafirmar o controle estatal sobre setores estratégicos. Jack Ma, antes amplamente celebrado como um símbolo do sucesso empresarial chinês, viu sua trajetória empresarial ser abruptamente interrompida após fazer críticas públicas às regulações financeiras do país em 2020.

Essas declarações provocaram uma resposta contundente do governo, que suspendeu a oferta pública inicial (IPO) do Ant Group, braço financeiro do Alibaba, avaliada em mais de 37 bilhões de dólares, e iniciou uma série de investigações regulatórias contra suas empresas. O caso destacou o esforço de Pequim em limitar o poder de magnatas que, através de suas plataformas tecnológicas, poderiam desafiar a autoridade do Partido Comunista Chinês (PCC) ou influenciar questões sociais e políticas de maneira contrária aos interesses estatais.
A campanha para retificar grandes empresas privadas, combinada com desaparecimentos temporários de figuras como Jack Ma do cenário público, reflete a estratégia do governo chinês de reforçar a primazia do Estado sobre o setor privado e garantir que nenhum indivíduo ou conglomerado se torne grande o suficiente para rivalizar com o poder político central.
Um indivíduo na política internacional
Todos podem ter opinião ou vontade que o mundo seja um lugar diferente, mas poucos, pouquíssimos, possuem recursos para tanto. No caso de Musk, ele não apenas opina, ele age de diferentes formas para influenciar na política internacional, se envolvendo em diferentes agendas.
Para explicar, listei as formas como ele tem feito isso:
1. Disseminação de Desinformação
Desde sua aquisição do Twitter em 2022, Musk transformou a rede social em uma ferramenta de influência política para promover seus interesses, até mesmo modificando o algoritmo para promover suas mensagens. Governos europeus, por exemplo, têm expressado preocupação com o papel da plataforma na disseminação de desinformação, especialmente em momentos cruciais como eleições. Como destacado por líderes europeus, a falta de moderação eficaz no X tem contribuído para a ascensão de partidos populistas de extrema-direita, como o AfD na Alemanha e o Reform UK na Grã-Bretanha (ABC News).
Essa influência digital é amplificada pelo próprio Musk, que utiliza seu perfil na plataforma para criticar líderes políticos, como o chanceler alemão Olaf Scholz, e promover figuras controversas, como o ativista de extrema-direita britânico Tommy Robinson (Washington Post). A falta de transparência e o tom provocativo de Musk geram tensões diplomáticas, particularmente na União Europeia, que já ameaça impor sanções significativas à plataforma X com base no Digital Services Act.
2. Intervenção Política Direta
A atuação de Musk na política internacional não se limita à esfera digital. Ele tem exercido influência direta em campanhas e eleições, muitas vezes apoiando partidos e figuras populistas. Seu apoio explícito ao AfD e sua crítica ao governo de Scholz são exemplos claros de como ele tenta moldar o panorama político europeu (CNN). Da mesma forma, no Reino Unido, Musk tem desafiado as políticas de Keir Starmer, primeiro-ministro britânico, utilizando narrativas polarizadoras sobre imigração e escândalos históricos de exploração infantil.
Nos Estados Unidos, sua proximidade com Donald Trump também levanta questões sobre seu papel como um estrategista informal. Musk, agora parte do governo de Trump como líder do Departamento de Eficiência Governamental, usa sua posição para influenciar desde questões regulatórias até a política externa americana (The Conversation).
3. Tecnologia como Ferramenta de Diplomacia
Outro aspecto significativo da influência de Musk na política internacional é o uso de sua tecnologia como ferramenta diplomática. O Starlink, seu sistema de internet via satélite, foi utilizado para conectar regiões em conflito, como a Ucrânia, e está sendo promovido como uma alternativa estratégica à infraestrutura chinesa no Indo-Pacífico (Geopolitical Monitor).
Entretanto, essa abordagem tecnológica enfrenta críticas por simplificar questões geopolíticas complexas. No caso do Oriente Médio, Musk utilizou o Starlink para dialogar com líderes iranianos, mas foi acusado de ultrapassar as fronteiras da diplomacia tradicional ao agir de forma unilateral, em vez de colaborar com o Departamento de Estado americano.
4. Medindo forças em países periféricos
No Brasil, Musk protagonizou um embate com o Supremo Tribunal Federal (STF) após descumprir decisões judiciais que exigiam o bloqueio de perfis relacionados à disseminação de fake news. Ao encerrar as operações do X no país, Musk acusou o ministro Alexandre de Moraes de censura, escalando a tensão política entre sua empresa e o governo brasileiro (BBC).
Este caso exemplifica como Musk utiliza o discurso de liberdade de expressão para desafiar governos, mas levanta importantes questionamentos sobre as implicações de sua postura para economias emergentes, onde a regulação de redes sociais ainda enfrenta desafios significativos. Nessas regiões, o domínio por corporações estrangeiras muitas vezes transforma os países em repúblicas de bananas – expressão que se refere aos Estados onde empresas exercem controle sobre a política local, influenciam decisões governamentais e se beneficiam de fraquezas institucionais e da corrupção. Essa dinâmica frequentemente está associada aos interesses de potências estrangeiras, como os Estados Unidos, intensificando a dependência econômica e política dessas economias.
5. Desafios para a Governança Internacional
O impacto de Elon Musk na política internacional apresenta desafios para a governança global. Sua influência transcende as fronteiras nacionais, mas suas ações nem sempre são submetidas à responsabilidade ou escrutínio. Líderes da União Europeia já demonstraram preocupação com a possibilidade de Musk atuar como um disruptor ao mesmo tempo em que defende uma agenda político-ideológica alinhada ao populismo de direita.
A agenda ambiental, as regulamentações sobre o uso ético da inteligência artificial, a implementação de veículos autônomos e a exploração espacial passam a ser influenciadas por um indivíduo que utiliza recursos políticos, econômicos e tecnológicos para moldar a agenda internacional de acordo com seus próprios interesses, exercendo uma capacidade de influência superior à de muitos Estados e organizações.
Por outro lado, Musk também simboliza uma tendência mais ampla: a ascensão de figuras privadas no cenário internacional, desafiando o monopólio tradicional dos Estados sobre a diplomacia e a política externa, e redefinindo o papel dos atores não estatais nas relações internacionais.
Conclusão
O papel das corporações americanas de promover agendas internacionais associadas aos interesses de Washington não é novidade. Desde o final do século XIX, grandes empresas têm moldado a política externa americana, seja por meio do comércio, da exploração de recursos naturais ou da exportação de valores democráticos e capitalistas.
O que diferencia o momento atual é o protagonismo do indivíduo, potencializado pelas novas tecnologias e momento da economia mundial. Essas plataformas transformaram empresários e magnatas tecnológicos em influenciadores na agenda política internacional, capazes de moldar opiniões públicas, definir prioridades políticas e interferir diretamente em processos governamentais, tanto dentro quanto fora de suas fronteiras.
Na China, por outro lado, o governo adota uma postura mais crítica e intervencionista em relação a indivíduos ou corporações que acumulam poder desproporcional. O caso de Jack Ma, fundador do Alibaba, ilustra como o Estado chinês busca limitar a influência de grandes bilionários, reforçando que o controle político e econômico deve permanecer sob a supervisão direta do Partido Comunista.
O que acontece nos EUA não é algo novo, mas alcança uma dimensão única. Elon Musk caminha alcançar a cifra de 1 trilhão de dólares e entende o papel do Estado e da política internacional para alcançar seus objetivos. Seu caso serve muito bem para ilustrar como um indivíduo pode ser um ator internacional, questionando o próprio sistema de estados.
Analista de Relações Internacionais, organizador do Congresso de Relações Internacionais e editor da Revista Relações Exteriores. Professor, Palestrante e Empreendedor.