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Coreia do Norte e o Jogo Político Internacional: Mísseis, Alianças e Sobrevivência Coreia do Norte e o Jogo Político Internacional: Mísseis, Alianças e Sobrevivência

Coreia do Norte e o Jogo Político Internacional: Mísseis, Alianças e Sobrevivência

A Coreia do Norte é frequentemente lembrada por sua história de isolamento, repressão e militarismo. Desde a Guerra da Coreia (1950-1953), que consolidou a divisão da Península Coreana, o regime norte-coreano liderado pela dinastia Kim tem moldado sua política interna e externa com base em três pilares principais: o culto à personalidade, o desenvolvimento militar e o isolamento estratégico. Por décadas, o país manteve sua sobrevivência política às custas de uma população submetida a um dos regimes mais repressivos do mundo, marcado por prisões arbitrárias, campos de trabalho forçado e uma crise humanitária agravada por décadas de sanções internacionais e má gestão econômica.

Ao mesmo tempo, Pyongyang tem se destacado por sua habilidade em navegar pelo sistema internacional, utilizando a ameaça nuclear e ações provocativas como ferramentas de barganha. Embora seja um dos Estados mais empobrecidos do mundo — com crises alimentares recorrentes e infraestrutura precária —, a Coreia do Norte investe cerca de 25% de seu PIB em gastos militares, buscando garantir sua posição como um ator relevante na geopolítica.

Recentemente, o envolvimento da Coreia do Norte na Guerra da Ucrânia, ao fornecer soldados e armamentos à Rússia, trouxe à tona novas questões sobre a política externa do país. O apoio direto a Moscou, em um contexto de crescente polarização entre grandes potências, não só amplia a relevância de Pyongyang no cenário internacional, mas também revela a evolução de sua estratégia de alianças. Este artigo examina os aspectos históricos, políticos e estratégicos que moldam essa aliança, o impacto desse movimento no equilíbrio de poder e como o retorno de Donald Trump pode influenciar os próximos passos da Coreia do Norte.

Diplomacia da Persuasão Norte-Coreana

A Coreia do Norte desenvolveu uma estratégia diplomática singular que combina demonstrações de força militar com aproximações estratégicas a potências regionais, como China e Rússia. Esta “diplomacia da persuasão coercitiva” é um mecanismo para alcançar objetivos políticos e econômicos em um cenário internacional onde o regime de Pyongyang enfrenta isolamento e sanções severas.

A Lógica do Equilíbrio Estratégico

A abordagem diplomática de Kim Jong-Un tem raízes na estratégia de seu avô, Kim Il-Sung, durante a Guerra Fria. Kim Il-Sung assinou alianças militares com a União Soviética em 1961 e com a China no mesmo ano, buscando equilibrar as relações entre as duas potências para evitar a dependência excessiva de qualquer uma delas. Essa política permitiu que a Coreia do Norte explorasse as rivalidades sino-soviéticas para obter apoio militar, econômico e político sem perder autonomia (Isozaki Atsuhito, 2024).

Kim Jong-Un replica essa lógica em um cenário mais dinâmico e fragmentado. Desde sua ascensão ao poder em 2011, ele consolidou a parceria com a China enquanto estreitou os laços com a Rússia. O fortalecimento do relacionamento com Moscou culminou na assinatura, em 2024, de um “tratado de parceria estratégica abrangente”, comparável aos acordos da Guerra Fria. Este tratado incluiu cláusulas de assistência militar mútua, refletindo o esforço norte-coreano para diversificar suas alianças e diminuir sua dependência de Pequim.

Essa estratégia tem sido bem-sucedida, especialmente no contexto do aumento da cooperação entre China e Rússia. A China, embora essencial para a sobrevivência econômica da Coreia do Norte, tem relutado em apoiar abertamente os testes nucleares de Pyongyang, especialmente desde 2018, quando as relações sino-americanas ainda mantinham vestígios de estabilidade. O apoio russo fornece a Kim uma alternativa valiosa, permitindo a Pyongyang se posicionar como um ator relevante no equilíbrio regional e global.

A Persuasão Nuclear

A capacidade nuclear é central na diplomacia coercitiva norte-coreana. Desde o sexto teste nuclear em 2017 — o mais poderoso até agora, com uma explosão estimada em 250 quilotons —, a Coreia do Norte tem se consolidado como uma ameaça estratégica. Testes subsequentes de mísseis balísticos intercontinentais (ICBMs), como o Hwasong-15 e o mais recente Hwasong-18, demonstraram alcance suficiente para atingir alvos nos Estados Unidos.

Essa capacidade nuclear serve como um instrumento de barganha com grandes potências. Por exemplo, o congelamento de testes nucleares de 2018 a 2019 foi amplamente visto como uma concessão para abrir negociações com os Estados Unidos e obter alívio de sanções. Porém, em 2023, com a intensificação das tensões globais, Pyongyang retomou os testes de mísseis, reforçando sua postura como um Estado nuclear de pleno direito.

A parceria com a Rússia amplia essa estratégia. A possibilidade de cooperação tecnológica com Moscou em sistemas de mísseis e defesa pode fortalecer as capacidades balísticas norte-coreanas, que ainda apresentam falhas em testes de reentrada na atmosfera. Esse apoio também dá a Pyongyang uma posição mais forte para negociar com outras potências, ao mesmo tempo que mantém seu papel desestabilizador na Ásia-Pacífico.

Marcos Recentes na Diplomacia Norte-Coreana

  1. 2017: Sexto teste nuclear e desenvolvimento de ICBMs capazes de atingir o território americano.
  2. 2018-2019: Três encontros históricos entre Kim Jong-Un e Donald Trump, culminando na primeira visita de um presidente dos EUA à Coreia do Norte, mas sem avanços concretos em desnuclearização.
  3. 2020: Explosão do escritório de ligação intercoreano, marcando o fim de uma breve era de cooperação entre as Coreias.
  4. 2023: Teste do Hwasong-18, o primeiro ICBM de combustível sólido, ampliando a capacidade de ataque surpresa de Pyongyang.
  5. 2024: Assinatura do tratado estratégico com a Rússia, solidificando a aliança entre os dois países em meio à guerra na Ucrânia.

Ameaça Regional e Mundial

A combinação de capacidade nuclear, parceria com a Rússia e isolamento estratégico permite à Coreia do Norte atuar como um desestabilizador eficaz. Para aliados regionais dos EUA, como Japão e Coreia do Sul, a ameaça norte-coreana é um catalisador para maior cooperação trilateral. No entanto, essa colaboração enfrenta desafios, especialmente considerando o histórico de tensões históricas entre Seul e Tóquio.

Internacionalmente, a diplomacia da persuasão norte-coreana destaca a incapacidade das instituições multilaterais, como o Conselho de Segurança da ONU, de conter o avanço de um Estado nuclear que opera fora das normas estabelecidas. Pyongyang, através de sua política externa assertiva e calculada, reafirma que mesmo Estados economicamente frágeis podem ter um impacto desproporcional no sistema internacional.

A diplomacia da Coreia do Norte é uma mescla de coerção e pragmatismo, moldada por uma busca constante de sobrevivência e relevância internacional. Em um mundo cada vez mais polarizado, sua capacidade de persuasão continua a desafiar as expectativas e reconfigurar o equilíbrio de poder.


O Retorno de Donald Trump e Suas Implicações

O possível retorno de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos em 2025 traz profundas implicações para a relação com a Coreia do Norte, um dos desafios mais complexos da política externa americana. Trump, único presidente dos EUA a se encontrar pessoalmente com o líder norte-coreano, Kim Jong-Un, moldou uma abordagem de “diplomacia pessoal” que quebrou precedentes e atraiu atenção internacional. Contudo, seus esforços resultaram em ganhos simbólicos para Pyongyang, enquanto os Estados Unidos saíram com poucas realizações concretas no campo da desnuclearização.

A Diplomacia Pessoal de Trump e o Impasse com Pyongyang

Entre 2018 e 2019, Trump e Kim realizaram três encontros históricos:

  • Cúpula de Singapura (Junho de 2018): O primeiro encontro entre líderes dos dois países resultou em um vago compromisso com a desnuclearização da península coreana. No entanto, não estabeleceu cronogramas ou medidas específicas.
  • Cúpula de Hanói (Fevereiro de 2019): As negociações foram interrompidas quando Kim exigiu o alívio de sanções em troca do desmantelamento parcial de seu programa nuclear, algo que Trump recusou.
  • Zona Desmilitarizada (Junho de 2019): Trump se tornou o primeiro presidente dos EUA a pisar em solo norte-coreano, um gesto amplamente simbólico sem progresso substancial.

Esses encontros demonstraram a habilidade de Kim Jong-Un em capitalizar a visibilidade internacional, projetando uma imagem de legitimidade enquanto mantinha intacta sua capacidade militar. Como observado por analistas, a falta de uma estratégia abrangente por parte dos EUA permitiu a Pyongyang ganhar tempo para avançar em seu programa nuclear.

Se Trump retornar, é provável que ele retome essa abordagem de alto risco, buscando negociações diretas com Kim Jong-Un. No entanto, o cenário atual apresenta novos desafios: a aliança crescente entre Coreia do Norte e Rússia, juntamente com o aumento das capacidades balísticas norte-coreanas, cria um ambiente ainda mais complexo e menos propício a concessões.

Contexto Regional e Impacto no Leste Asiático

A relação de Trump com aliados regionais, como Japão e Coreia do Sul, será outro fator crucial. Durante sua presidência anterior, Trump frequentemente questionou os custos de manter quase 30 mil soldados americanos na Península Coreana e pressionou Seul a aumentar suas contribuições financeiras para a presença militar dos EUA. Essas tensões enfraqueceram a confiança sul-coreana na aliança, ao mesmo tempo em que abriram espaço para a Coreia do Norte explorar divisões.

  • Coreia do Sul: Desde a eleição de Yoon Suk-yeol em 2022, Seul adotou uma postura mais dura contra Pyongyang e intensificou a cooperação militar com os EUA. No entanto, uma política instável de Trump pode reverter esses ganhos e enfraquecer a posição de dissuasão da Coreia do Sul.
  • Japão: Sob o primeiro-ministro Fumio Kishida, Tóquio também aumentou seus gastos com defesa, preocupado com a ameaça representada pela Coreia do Norte. Qualquer sinal de desengajamento dos EUA sob Trump pode pressionar o Japão a reavaliar sua estratégia de segurança.

Trump também tem um histórico de priorizar a política bilateral em detrimento do multilateralismo. Isso pode enfraquecer iniciativas trilaterais entre EUA, Japão e Coreia do Sul, fundamentais para enfrentar a ameaça norte-coreana e conter a influência da China na região.

Mudanças no Cenário Internacional

Desde o último mandato de Trump, o contexto mudou significativamente. A Guerra da Ucrânia fortaleceu as parcerias entre Pyongyang e Moscou, enquanto a relação entre China e Coreia do Norte apresenta sinais de tensão. Nesse cenário, Trump enfrentará uma Coreia do Norte mais alinhada com a Rússia e potencialmente menos receptiva a negociações bilaterais.

Além disso, a ênfase de Trump em relacionamentos pessoais e desconsideração de processos diplomáticos formais pode complicar ainda mais a dinâmica com aliados e adversários. Por exemplo, a insistência de Trump em se retirar de acordos internacionais durante sua presidência anterior — como o Acordo de Paris e o Acordo Nuclear do Irã — prejudicou a credibilidade dos EUA e pode limitar sua capacidade de formar coalizões eficazes contra Pyongyang.

Perspectivas para o Futuro

  1. Novas Negociações: Embora Trump possa tentar retomar as negociações diretas com Kim, as alianças regionais e o alinhamento da Coreia do Norte com a Rússia complicam a viabilidade de um acordo.
  2. Pressão sobre Aliados: A insistência de Trump em reduzir custos pode levar a tensões renovadas com Coreia do Sul e Japão, enfraquecendo a posição dos EUA no Leste Asiático.
  3. Fragilidade do Multilateralismo: Trump terá que lidar com um sistema internacional mais fragmentado, onde a influência de atores como China e Rússia na Coreia do Norte cresceu.

Em resumo, o retorno de Donald Trump à presidência poderia reconfigurar as dinâmicas diplomáticas com a Coreia do Norte, mas não sem riscos significativos. O histórico de Trump demonstra sua preferência por gestos simbólicos e acordos pontuais, mas as realidades geopolíticas atuais exigem uma estratégia mais abrangente e coordenada, especialmente em um cenário global de crescentes rivalidades entre grandes potências.


Coreia do Norte e a Guerra na Ucrânia

A participação da Coreia do Norte na Guerra da Ucrânia, por meio do envio de soldados e suprimentos militares à Rússia, marca um momento decisivo na relação entre os dois países e representa uma reconfiguração das alianças internacionais. Pyongyang, anteriormente visto como um ator de alcance regional limitado, demonstra sua capacidade de influenciar conflitos distantes e usar sua política externa como ferramenta de barganha estratégica.


Troca de Recursos e Treinamento Militar

O apoio norte-coreano à Rússia vai além de gestos simbólicos. Desde 2023, surgiram evidências de que Pyongyang forneceu munições e equipamentos militares a Moscou para suprir a escassez gerada pelas sanções ocidentais e pela intensidade do conflito. Em 2024, a Coreia do Norte teria enviado cerca de 3.000 soldados, com planos de aumentar o contingente para 10.000, segundo informações corroboradas por serviços de inteligência da Coreia do Sul (Horncastle, 2024).

Em troca, Pyongyang obtém benefícios substanciais. A Rússia fornece recursos econômicos, como alimentos e energia, fundamentais para um regime que enfrenta crises crônicas de escassez. Por exemplo, em 2023, reportagens mencionaram a entrega de 500 cabras para a Coreia do Norte como parte de um acordo informal, apelidado de “armas por apoio” (Horncastle, 2024).

Além disso, a participação militar na Ucrânia dá aos soldados norte-coreanos uma oportunidade única de adquirir experiência em combate real e treinamento avançado. Embora o desempenho militar russo tenha sido amplamente criticado, ele ainda representa uma melhoria significativa para um exército norte-coreano que carece de operações externas. Essa troca reforça as capacidades militares de Pyongyang, aumentando sua influência tanto regional quanto globalmente.


Implicações para o Sistema Internacional

Riscos Regionais

O fortalecimento militar da Coreia do Norte, em colaboração com a Rússia, amplia as ameaças à segurança no Leste Asiático. A possibilidade de cooperação tecnológica entre os dois países, especialmente no campo de mísseis balísticos, é alarmante. Como observou Horncastle, mesmo os avanços limitados que a Coreia do Norte poderia obter em sistemas de reentrada atmosférica ou combustíveis sólidos poderiam aumentar drasticamente sua capacidade de projetar poder na região (Horncastle, 2024).

Além disso, a experiência adquirida pelos soldados norte-coreanos na Ucrânia pode fortalecer o Exército Popular da Coreia, permitindo que o regime intensifique sua postura agressiva contra Coreia do Sul e Japão. A presença de tropas experientes eleva os riscos de provocação na península coreana, especialmente em um contexto de relações cada vez mais tensas entre as Coreias.

Efeitos na Governança Global

A aliança Rússia-Coreia do Norte expõe as limitações das instituições multilaterais, como o Conselho de Segurança da ONU, para responder de forma eficaz a alianças desafiadoras à ordem internacional. Como observa Isabelle Brito, a falta de coerção diplomática robusta e sanções efetivas permite que Pyongyang continue a desafiar normas internacionais sem consequências significativas (Brito, 2024).

Além disso, o apoio militar da Coreia do Norte à Rússia desvia recursos e atenções do Ocidente, forçando aliados a se dividirem entre as crises na Ucrânia e no Leste Asiático. Essa fragmentação reduz a capacidade do Ocidente de enfrentar de forma coordenada as ameaças emergentes, o que pode incentivar outros Estados marginais a seguir o exemplo de Pyongyang.


Conclusão

A participação da Coreia do Norte na Guerra da Ucrânia sinaliza sua ambição de transcender os limites regionais e se estabelecer como um ator relevante em crises globais. Ao mesmo tempo, reforça sua aliança com a Rússia em um momento em que as sanções ocidentais e o prolongamento do conflito ameaçam a capacidade de Moscou de sustentar suas operações militares.

Para o sistema internacional, essa colaboração destaca falhas fundamentais nas estratégias de contenção e governança global, enquanto para o Sul Global, oferece um exemplo de como atores marginalizados podem manipular alianças estratégicas para maximizar seus benefícios.

Com o retorno potencial de Donald Trump à presidência dos EUA, o cenário internacional pode mudar novamente, adicionando complexidade a essa já delicada rede de relações. No entanto, uma coisa permanece clara: a Coreia do Norte continuará a moldar a geopolítica do século XXI como um ator complexo e imprevisível, cujas ações desafiam normas e reconfiguram alianças.

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