Outro ano mais chega o 8 de março, que no calendário está marcado como “Dia Internacional da Mulher” desde que a Assembleia das Nações Unidas o decidiu em 1977. Os dias internacionais têm como objetivo sensibilizar e conscientizar a população sobre temas de interesse geral, e no 8 de Março o objetivo é claro: promover a igualdade real de gênero, evitar vieses e empoderar a mulher.
Cada ano, as campanhas de conscientização vêm acompanhadas de slogans (“As mulheres não choram, as mulheres lideram“), símbolos (como a cor roxa ou o símbolo de Vênus ♀) e cartazes.
Muitos desses materiais surgem de maneira espontânea de pessoas anônimas. Outros são o resultado de uma maquinaria publicitária na qual participam organizações, coletivos e instituições como a ONU ou o Ministério da Igualdade e, cada vez mais, o setor empresarial.
De fato, essa tendência a usar a publicidade com enfoque feminista já recebeu um nome: femvertising, embora pareça que em suas mensagens a parte “-vertising” está mais cuidada do que a do “fem-“.
Isso levanta um dilema: o que as campanhas do 8 de Março realmente nos dizem?
Belicismo per tutti
Um dos enquadramentos conceituais mais característicos do 8 de Março é o marco bélico. Desde a propaganda russa nas primeiras reivindicações dos anos vinte até as imagens mais icônicas e virais das redes (como Rosie, a rebitadeira), a luta é um dos leitmotiv mais empregados neste dia.
O marco bélico, de fato, é um recurso amplamente utilizado para todo tipo de situações: as drogas (“a guerra contra o narcotráfico”), doenças (“perder a batalha contra o câncer”) e pandemias como a covid-19 (“combater o vírus”). É tão popular porque quase todo mundo tem alguma ideia do que é uma guerra. Por isso, é um marco muito eficaz para evocar sentimentos de união diante da adversidade ou para motivar ações contra ameaças comuns. E por isso também é uma opção muito empregada no discurso do 8 de Março.
No entanto, o marco bélico tem sua contrapartida: se se prolonga no tempo, perde eficácia e causa frustração. Além disso, se não se vence, provoca sentimentos de culpa. Essa parte negativa não é nova; numerosos estudos sobre o câncer ou a pandemia já mostraram que nem os doentes são perdedores, nem os profissionais de saúde são heróis. As mulheres também não são perpetuamente soldados.
Esse efeito também se faz sentir na comunicação do 8 de Março. O uso insistente do marco bélico pode provocar um desgaste discursivo: quando se repete em excesso, perde impacto e corre o risco de simplificar a complexidade do problema. Poderia esse “sobrebelicismo”, então, reforçar uma visão reducionista da igualdade e facilitar que alguns setores proclamem que a batalha já está ganha e que as desigualdades entre mulheres e homens desapareceram?
Avante o 8 de Março: empoderadas
O poder é outro dos marcos conceituais chave do 8 de Março. Quem não ouviu expressões como “cargo de alto nível” ou “romper o teto de vidro”?
Nas sociedades ocidentais, está profundamente arraigada a representação do poder como uma estrutura piramidal: quem tem mais autoridade ocupa a parte superior, enquanto quem está subordinado se distribui em níveis inferiores. Essa percepção do poder não é aleatória: está motivada pela correspondência metafórica entre a verticalidade e o grau de poder. Um conceito espacial que, além disso, também se associa com o bem-estar, a felicidade, o sucesso e, em geral, com as coisas boas. Por isso, chegar ao topo é entendido como algo 🔝, que nos eleva o espírito.
A campanha de Emakunde, o Instituto Basco da Mulher, de 2023 é um bom exemplo desse poder vertical. Seu lema era “Emakumeak gora!“, uma expressão que brinca com o duplo sentido de gora (‘para cima’): serve para vitorear e para reivindicar a presença de mulheres (emakumeak) em cargos “altos”, os de decisão e de influência.
Sua cartilagem explora essa metáfora de maneira muito visual: o ângulo fotográfico, um contrapicado, ressalta a “superioridade” das protagonistas. Curiosamente, a pesquisa demonstrou que esse enfoque resulta chocante no mundo real.
Em um estudo psicolinguístico sobre essa metáfora aplicada a profissões, mostrou-se que quando as mulheres ocupavam os cargos de poder (médica) em vez do cargo subordinado (enfermeira), os participantes, especialmente os homens, demoravam mais tempo para decidir se a relação entre as profissões era correta do que se o cargo fosse ocupado por um homem (médico). Parece que custa processar que a mulher possa estar no topo.
As respostas desses participantes não são exceções. Às vezes, o efeito se infiltra mesmo quando se quer reivindicar o contrário.
Como na campanha do CEMUDIS para o 25 de novembro (Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra a Mulher) em 2022, onde aparece a pessoa agressora sobre a vítima. A troca de posições não teria sido mais proativamente empoderante?
De valores sororais a vieses mascarados
Diz o ditado que “a união faz a força”, e no caso das mulheres, a sororidade tem sido chave na luta pela igualdade. Frente ao individualismo, que tradicionalmente se associou à masculinidade, a sororidade se define por valores como a empatia, a solidariedade, a colaboração e o apoio mútuo. Também implica equidade, reflexão e cuidado, aspectos que contrastam com a ideia de “camaradagem” masculina, historicamente vinculada à competitividade, à hierarquia, à lealdade incondicional e até à distância emocional ou à impulsividade.
Não é casualidade que as campanhas do 8 de Março explorem essas características. Os slogans apelam constantemente à força coletiva: “Construímos entre todas“, “8 de Março ¡Nos une!“, “8 de Março. Livres e Unidas. Juntas somos mais fortes“. Também o fazem os recursos visuais, desde as flores e as cores pastel — como se observa nas imagens de “Mensagens para seus cartazes” do 8 de Março da Anistia Internacional— até as cenas de cuidados.
Embora o objetivo da campanha —combater a desinformação— seja crucial, a escolha de palavras é discutível. A frase “que não te enredem” sugere que certas pessoas são mais suscetíveis a serem manipuladas. Esse viés poderia ter sido evitado com uma formulação mais proativa, como “desmonta”, “desarma” ou “desmascara” e que, além disso, teria estado mais em sintonia com o fantástico neologismo da campanha: machibulos.
Faz-se o caminho ao andar
Mais um ano, neste 8 de março, veremos mais cartazes, mais slogans, mais imagens… Não sei com quantas flores, quanto belicismo ou quanto clichê mascarado nos depararemos. Eu só espero, como reivindica o lema do 8 de Março de 2025 da ONU, que haja mais diversidade:
“Para as mulheres e meninas em TODA sua diversidade: direitos, igualdade e empoderamento”.
Texto traduzido do artigo Las luces y las sombras de los mensajes del #8M, de Iraide Ibarretxe-Antuñano, publicado por The Conversation sob a licença Creative Commons Attribution 3.0. Leia o original em: The Conversation.