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A geografia como baluarte das políticas exteriores dos Estados nacionais

Dentro das teorias sobre poder atestadas nas relações internacionais como hard e soft power, alguns elementos podem ser aludidos como: natural, demográfico, econômico, tecnológico e ideológico. Frequentemente, a geografia é aceita na academia de Relações Internacionais como um fator de preponderância na formação da índole nacional, ligadas aos recursos de poder chamado por alguns pesquisadores de poder coercitivo.

Nas Relações Internacionais, a simbiose de fatores geográficos com política é denominada como uma disciplina chamada de “geopolítica”. Tendo como teóricos notáveis da área o alemão Friedrich Ratzel e o inglês Halford J. Mackinder, essa disciplina procura ratificar que a política externa dos Estados nação está intrinsecamente ligada ao fator geográfico. A obra de Friedrich Ratzel chamada Geografia Política, de 1987, é referida como a primeira obra especificamente de geopolítica, embora o termo venha a ser utilizado pelo sueco Rudolf Kjellén somente em 1905. Desta maneira, a geopolítica, enquanto definição conceitual, passou a ser empregada pelos acadêmicos de modo a compreender a relação entre a lógica de poder dos Estados, a partir da demarcação dos territórios e das características geográficas aos quais esses atores dispunham.

Sendo assim, este trabalho tem como objetivo principal analisar a inserção dos Estados nacionais, tendo como fator indispensável a questão geográfica. Devido a extensão mundial, este escrito foca a análise geopolítica em algumas regiões de interesse particular deste autor, sendo China, Rússia, Índia, Paquistão e a nova corrida pelo Ártico.

China

Constatando as fronteiras modernas da China, visualizamos uma grande potência em ascensão, confiante, devido ao momento atual de garantia de suas características geográficas, que se solidificam à defesa e ao comércio eficazes. As direções da bússola conforme a concepção chinesa são sempre listadas na ordem leste-sul-oeste-norte, começando pelo lado leste, se situa a fronteira da China com a Rússia, que se prolonga por toda extensão até o oceano Pacífico. As últimas sanções ocidentais contra o Estado russo, em razão da crise na Ucrânia, levaram ao estabelecimento de grandes acordos econômicos com a China, em termos que auxiliarão para manter a Rússia solvente, mas ainda assim favoráveis aos chineses. Nesta relação entre os dois Estados nacionais, a Rússia é o sócio minoritário deste elo fronteiriço.

Ao Sul, a China exibe as fronteiras terrestres com: Vietnã, Laos e Mianmar. Destes, o Vietnã é considerado uma fonte de tensão para a China. No decorrer dos séculos, os dois Estados litigaram por território, e, lamentavelmente é a única área no sentido sul que o exército pode transpassar sem muitos obstáculos, algo que explica relativamente a dominação e ocupação do Vietnã pela China, de 111 a.C. a 938, e sua fugaz guerra através da fronteira em 1979.  Apesar de ambos seguirem assumidamente a ideologia comunista, essa similitude não baseia a relação entre os Estados. As duas nações apresentam arestas também em relação ao Mar Meridional, também conhecido como Mar do Sul da China (Msch) na qual abordaremos a posteriori. Do ponto de vista de Pequim, o Vietnã é apenas uma ameaça de escala menor em uma adversidade que pode ser administrada.

Avançando no sentido horário para Mianmar, os morros cobertos de floresta tornam-se montanhas, até que, no extremo oeste aproxima-se dos 6 mil metros e começam a se fundir com o Himalaia levando ao Tibete e à sua respectiva importância para Pequim. O Himalaia percorre toda a extensão da fronteira sino-indiana antes de descer para se tornar o Karakorum, cordilheira que faz fronteira com Paquistão. Essa é a versão natural da Grande Muralha da China, ou observando-a a partir de Nova Delhi, a Grande Muralha da Índia. Ela separa tanto militar quanto economicamente os dois Estados mais populosos do planeta.

Devido às suas geografias, os dois países possuem contendas em comum: A China pleiteia a província indiana de Arunachal Pradesh. Concomitantemente, a Índia profere que Pequim está ocupando Aksai Chin. Perante a isso, a tensão está continuamente presente, e cada lado precisa suportar a situação acuradamente, afinal, além de serem as duas maiores populações mundiais, o conflito deflagrado em 1962, certifica uma série de embates violentos de fronteira, que resultaram em violenta luta, de grande escala, nas montanhas. Apesar de ambos os lados apontarem artilharia para a região fronteiriça, não é de seu interesse retravar tal hostilidade.

Tendo como visão a “geopolítica do medo”, se a China não comanda o Tibete, certamente seria possível que a Índia pudesse fazê-lo. Isso na visão dos chineses, é tipificado como a “geopolítica do medo”. Devido a sua localização geográfica estratégica, a província do Tibete se encontra no continente asiático, no Sul e no centro da Ásia, facilitando o controle da região por parte da China. Outro fator de extrema primazia para o controle do Tibete por parte de Pequim é no que concerne sobre o controle das fontes tibetanas de três dos grandes rios da China; o Amarelo, o Yangtze e o Mekong, razão pelo qual o território Tibetano é conhecido como “Torre de Água da China”.  

Seguindo no território chinês, na fronteira Sudeste com Cazaquistão está a intranquila província chinesa “semi autônoma” de Xinjiang e sua população nativa muçulmana de uigures, que dominam uma língua relacionada com o turco. Xinjiang faz fronteira com oito Estados: Rússia, Mongólia, Cazaquistão, Quirguistão, Tajiquistão, Afeganistão, Paquistão e Índia. Por duas vezes, os uigures se autoproclamaram o Estado independente do Turquestão Oriental nos anos 1930-1940. Documentos divulgados pelas mídias internacionais revelam que o Estado chinês persegue sistematicamente a minoria uigures devido a sua religião e cultura.      

Para Pequim, a localidade de Xinjiang é medular excessivamente do ponto de vista geopolítico, para que um movimento pela independência decole. Isso porque a província não só faz fronteira com oito Estados nacionais, servindo como para-choque para área central chinesa, assim como também ostenta significativas áreas de petróleo bem como abriga os locais de armas nucleares da China. Xinjiang é também concernente à estratégia econômica chinesa “Um cinturão, uma estrada”, planejamento na qual consiste em investimentos chineses para desenvolver novas rotas de comércio terrestres (cinturão) e marítimas (rota) ao redor do mundo.

Pequim não outorgará a Xinjiang e, como no Tibete, a oportunidade para a independência da região está se fechando. Tanto o Tibete como Xinjiang ostentam questões análogas devido às suas zonas de proteção, exibindo importantes rotas comerciais terrestres, assim como, representam mercados para a segunda maior economia do sistema internacional, localizadas no quintal do território de Pequim.

E para finalizar essa seção sobre a importância da geografia na atuação da Política Externa Chinesa, trataremos da questão do Mar Meridional. Robert Kaplan, que versa sobre geopolítica, expõe a teoria que “o Mar Meridional é para os chineses no século XXI o que o Caribe foi para os Estados Unidos no início do século XX” (MARSHALL, 2018. p. 69). Também conhecido como Mar do Sul da China (Msch), é considerado um dos principais focos de divergência, uma vez que certames territoriais sublinham o relacionamento entre os países da região. A partir da descoberta de petróleo e gás natural na localidade, as disputas se acirraram, em virtude dos Estados que fazem parte do entorno do Mar Meridional passarem a reivindicar direitos territoriais sobre áreas que se sobrepõem.

Essas formações são reivindicadas por oito Estados-nação: Brunei, Filipinas, Indonésia, Malásia, RPC, Singapura, Taiwan e Vietnã. A China continental postula a totalidade do Mar Meridional relatando direito histórico com embasamento na chamada linha de onze traços criada pelo governo nacionalista do Kuomintang em 1947. A posteriori, em 1953, houve uma reavaliação da área e a linha passou a exibir nove traços na qual se localiza o atual pleito chinês. Sucede-se que, com o suporte do Direito Internacional, requer-se ocupação contínua e efetiva, e o pleito chinês baseado em fatos históricos não é satisfatório para que se defina a posse do território.      

O Estado chinês também entende que foi injustiçado quando houve a assinatura da Carta de São Francisco (1945), uma vez que a delegação dos Estados Unidos na Conferência não concederia a posse dos territórios por um país comunista (BUSZYNKI; SAZLAN, 2007, p. 147). Os Estados envolvidos na geografia do Mar Meridional, utilizam-se, essencialmente, dos conceitos de plataforma continental e áreas contíguas estabelecidas na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS), de 1982.

Um dos principais litígios envolvendo a China na região destacada está na ocupação de formações rochosas a partir de onde se constroem ilhas artificiais. Dessa maneira, aspira solidificar sua ocupação efetiva, através da construção de ilhas artificiais em território disputado que abarca duas pistas de pouso e decolagem, tendo como finalidade assegurar a segurança em pontos estratégicos da região. Apesar da postura assertiva na preservação de seus interesses, o Estado chinês mantém seu discurso baseado em ideais pacíficos e o empenho pelo diálogo nas negociações para pôr fim às arestas. O Mar Meridional é um exemplo factual da relevância da geografia nas relações internacionais.

Rússia    

O território russo compreende vastas florestas, lagos, rios, a tundra congelada, a estepe, a taiga e as montanhas. Onde quer que observemos, há Rússia. No seu vasto território, a Sibéria pode ser considerada a “arca do tesouro” russo, abrangendo a grande parte de sua riqueza mineral, do petróleo e do gás. Gás esse exportado em grandes escalas para países dependentes do gás russo, como Alemanha e França, fazendo com que esses países sejam de certa maneira dependentes energeticamente dos russos. Apesar disso, a Sibéria é classificada como uma terra inóspita, congelada por uma quantidade relevante de meses ao ano e com solo pobre para agricultura.

O império soviético, fragmentado em 1991 com a dissolução da União Soviética (URSS), teve como característica preeminente o expansionismo excessivo, fazendo com que a URSS gastasse mais valores que o disponível. Um exemplo notório desse fracasso do expansionismo foi a invasão soviética ao Afeganistão, em suporte ao governo afegão comunista contra os guerrilheiros anticomunistas. A derrota dos soviéticos nas montanhas do Afeganistão foi crucial para a dissolução da URSS, em virtude da grande alocação de recursos empenhados para essa batalha.

Contudo, além do expansionismo soviético, a geografia teve papel fundamental para a ocupação do Afeganistão. O grande sonho russo era de que seu exército fosse capaz de “molhar as botas nas águas mornas do Oceano Índico” (MARSHALL, 2018, p.27). Era objetivo russo também na invasão do Afeganistão lograr o que nunca tivera: um porto de águas mornas, que não se congela por vários meses todo ano.

Os portos no Ártico como Murmansk, congelam por vários meses durante o ano; Vladivostok, o soberano porto russo no Oceano Pacífico fica impossibilitado durante cerca de quatro meses e está contornado pelo mar do Japão, coordenado pelos japoneses. Isso não apenas detém o fluxo de comércio, como também impede que a frota de Moscou opere como potência global. Para mais, o transporte marítimo é muito mais módico que por vias terrestres ou aéreas. Devido ao insucesso, a experiência russa no território afegã reiteradamente é rotulada por analistas internacionais de “Vietnã da Rússia” fazendo uma alusão a derrota norte-americana no território vietnamita. 

Devido ao que foi exposto acima, um porto de águas mornas perpetuamente foi o “calcanhar de Aquiles” do Estado russo. A geografia também foi âmago em relação a crise na Ucrânia, uma vez que o Estado ucraniano pró-ocidente poderia colocar em xeque o acesso da Rússia ao seu porto no Mar Negro. Para Moscou, seria insustentável que o Estado ucraniano pudesse um dia abrigar uma base naval da OTAN no “quintal” de seu território.

A Crimeia, foi parte da Rússia durante dois séculos antes de ser transferida para a República Soviética da Ucrânia, em 1954, pelo então presidente da URSS, Nikita Kruschev. Nesta época, jamais se imaginaria que o Estado soviético fosse se arruinar. Diante de sua fragmentação, com a Ucrânia não fazendo mais parte do território russo, Putin tinha a noção que a situação teria de se transformar.

O Kremlin goza de uma lei que obriga o governo a proteger “os russos étnicos”. Como aproximadamente 60% da população da Crimeia é “etnicamente russa”, Putin auxiliou os protestos anti-Kiev e instigou tantos distúrbios que por fim teve de enviar suas tropas dos confins da base naval para as ruas, a fim de proteger o povo. As Forças Armadas ucranianas, em desvantagem de condições para enfrentar o povo e o Exército russo, tiveram que retroceder apressadamente. Sendo assim, como consequência, a Criméia era mais uma vez uma parte de facto do Estado russo. Putin poderia ter respeitado a integridade territorial da Ucrânia, todavia, o ex-agente da KGB, e líder do país estava lidando com a partilha geográfica reservada para a Rússia. No seu imaginário, Putin não seria o homem que “perdeu a Criméia” e com ela a questão geográfica do único porto de águas mornas efetivo a que sua nação tinha acesso (MARSHALL, 2018. p.32).

Diante do que foi representado nesta seção, fica visível que existe na Rússia uma influência dos fatores naturais e de seus componentes na dinâmica das relações internacionais pela definição de parâmetros para a conduta e ação, tanto impondo constrangimentos como gerando possibilidades na sua atuação no sistema internacional. Analisando o território russo, fica notório como as características físicas de seu território influenciam os seus pontos fortes e os vulneráveis nas decisões que Putin manifesta.

Índia – Paquistão

Existe uma similitude entre Índia e Paquistão: nenhum dos dois quer o outro por perto. Isso é um tanto melindroso, já que compartilham uma fronteira de mais de 3 mil quilômetros. Ambos os países possuem armas nucleares, portanto a maneira como administram suas relações indesejadas podem levar a um conflito de vida ou morte numa escala de dezenas de milhões de pessoas. Começando pelo Estado indiano, com uma população de quase 1,3 bilhão de pessoas, considerado por acadêmicos internacionais, como Oliver Stuenkel (2018), como uma potência mundial emergente, com uma economia em vertiginoso crescimento e uma classe média em extensa expansão. Em contrapartida, o Paquistão possui uma população de 182 milhões de pessoas, empobrecida e instável.  

Os dois Estados-nação estão enclausurados dentro do subcontinente indiano, fato este que cria uma espécie de “moldura natural”. O interior da moldura contém o que são:  Índia, Paquistão, Bangladesh, Nepal, e o Butão. O Paquistão tampouco seria encarado como uma ameaça para a Índia se não tivesse dominado a tecnologia de desenvolvimento de armas nucleares nas décadas seguintes à divisão da região, em 1947. A região de Jammu e Caxemira continua fracionada entre Índia e Paquistão e, embora a maioria dos caxemirenses almejam a independência, a única condescendência sobre a qual a Índia e o Paquistão podem harmonizar é que eles não podem tê-la. Índia e Paquistão conservam religiões díspares. A Índia é de maioria Hindu, enquanto o Paquistão é de maioria muçulmana. Os paquistaneses jamais ficaram satisfeitos com a divisão assimétrica da Caxemira, que detém a maioria de sua população muçulmana, permanecendo sob o comando de uma autoridade hindu.

Devido à sua riqueza hídrica, a região localizada, em sua grande parte nas montanhas do Himalaia, acabou se concretizando em uma área de altercação pelo controle de suas terras. A Caxemira fica ao norte da Índia e do Paquistão e ainda faz fronteira com a China ao nordeste. A região é considerada a mais belicosa do mundo. Em termos militares, os Estados indiano e paquistanês se lançam um contra o outro frequentemente. Os dois lados narram que suas posturas são defensivas, porém nenhum deles acredita, e assim, prosseguem a concentrar tropas na fronteira, presos um ao outro num potencial jogo de soma zero (MARSHALL, 2018. p. 183).

Devido à Caxemira, a vinculação entre Índia e Paquistão jamais será amistosa. A região representa um orgulho nacional para ambos os lados como também uma questão estratégica. O absoluto controle da Caxemira daria à        Índia uma janela para a Ásia Central e uma fronteira com a China, assim como reduziria a conveniência de uma relação entre chineses e paquistaneses. Conforme versa o governo paquistanês sobre a amizade profícua com a China é “mais alta que as montanhas e mais profunda que os oceanos” (MARSHALL, 2018. p. 190).

Se o Estado paquistanês tivesse controle total da Caxemira, isso solidificaria as opções de política externa de Islamabad, e repudiaria oportunidades da Índia. Proporcionaria também a segurança hídrica do Paquistão. O rio Indo começa no Tibete himalaio, mas passa através de parte da Caxemira coordenada pela Índia antes de adentrar no Paquistão e depois correr por toda a extensão do país e desaguar no mar Arábico, em Karachi. Portanto a anexação da totalidade da Caxemira garantiria o abastecimento do Paquistão. Perante o que foi expresso, nenhum dos dois cederá. Infelizmente, a região prefigura a ser um lugar onde circunstancialmente se desdobrará as chamadas guerras por procuração (do inglês proxy wars) entre combatentes treinados pelo Paquistão e pelo Exército indiano (MARSHALL, 2018).

Apesar de o Estado indiano ter condescendência de um Estado hostil      com armas nucleares na porta ao lado, como é o Paquistão, Nova Délhi testemunha relações de atrito também com Pequim, conforme abordado na seção acima sobre a China. Uma das causas desses atritos é o Tibete. Do ponto de vista chinês predominantemente geográfico, evitar um Tibete independente não permitiria a Índia instalar forças militares no local, dando-lhes assim as alturas dominantes do seu território. A resposta indiana para a anexação  do território tibetano foi dar asilo ao Dalai Lama e ao movimento tibetano pela independência em Dharamshala, no estado de Himachal Pradesh. (MARSHALL, 2018).

Qualquer interferência indiana no Tibete, é passível de resposta com interferência no Nepal. Quanto mais a Índia tem de se dedicar nos países menores em sua vizinhança, menos ela consegue se concentrar na China. Demonstrando a importância categórica sobre a importância da geografia na atuação dos países, Brucan retrata que: “Na medida em que o ator principal da esfera internacional segue sendo o Estado-nação, cuja existência está ligada a um território definido, a situação, o espaço e a distância seguirão sendo variáveis importantes nas Relações Internacionais e sua influência combinada desempenhará um papel importante na formulação da política e da estratégia dos Estados” (BRUCAN, 1974. p.74).

Em face do que foi referido sobre Índia-Paquistão, o discurso político predominante entre os dois Estados fala em expansão territorial e em cuidado demasiado pelos recursos hídricos. Conforme descreve Yves Lacoste, “A geografia é claramente percebida como um saber estratégico e os mapas, assim como a documentação estatística, que da representação precisa do país, são reservados à minoria dirigente (LACOSTE, 1985). Essa alocução de Lacoste descreve o quão importante os líderes de Índia e Paquistão devem coadunar em busca de uma solução pacífica de controvérsias. Se tratando de geopolítica, quando se explana da Índia, sempre se volta ao Paquistão, e do Paquistão, à Índia.

Ártico

O resultado do aquecimento global se manifesta de maneira crível no Ártico: as camadas de gelo estão derretendo, facilitando o acesso à região.  Em similitude ao acesso mais eficaz da região, está a descoberta de depósitos de fontes de energia e o desenvolvimento de tecnologia para chegar a ele. Em dados quantitativos, o oceano Ártico tem 14 milhões de quilômetros quadrados, fazendo dele o menor oceano do mundo, não obstante, é tão grande quanto a Rússia e possui uma vez e meia o tamanho dos Estados Unidos.

A região Ártica compreende territórios concernentes aos Estados do Canadá, da Finlândia, da Dinamarca (Groenlândia), da Islândia, da Noruega, da Rússia, e dos Estados Unidos (Alasca). Considerada uma terra de extremos devido às suas temperaturas, no verão podendo chegar a 26° e em alguns lugares, mas por longos períodos, no inverno, caindo a temperatura para -45°.

À proporção que o gelo derrete, o nível do mar se eleva, externando assim, para a comunidade internacional, porque o Ártico é uma questão de âmbito global, e não apenas regional. Sendo assim, não tem como negar a possibilidade de que uma das últimas grandes regiões não deterioradas do mundo esteja prestes a se transformar (MARSHALL, 2018. p. 256).

O derretimento da calota de gelo já emite permissão para que navios de carga executem viagens através da Passagem do Noroeste, no arquipélago canadense durante várias semanas de verão a cada ano, encurtando em uma semana o tempo de trânsito da Europa à China. Durante o transporte do navio de carga Nuvarik, que transportava 23 mil toneladas de minério de níquel do Canadá para a RPC, a rota polar foi 40% mais curta e utilizou águas mais profundas do que se tivesse passado pelo canal do Panamá, permitindo ao navio levar mais carga que o habitual.  A consequência da utilização desta rota também foi a economia de dezenas de milhares de dólares em custo de combustível, reduzindo assim as emissões de gases de efeito estufa em 1.300 toneladas métricas (MARSHALL, 2018. p. 257).

O derretimento das camadas de gelo sublinha outras riquezas potenciais. Menciona-se que vastas quantidades de reservas de energia através de gás natural e petróleo ainda não exploradas podem estar situadas na região ártica, em áreas a que agora é possível ter acesso. A United States Geological, em 2008, estimou que é possível que o Ártico contenha 1.670 trilhões de pés cúbicos de gás natural, 44 bilhões de barris de gás natural líquido e 90 bilhões de barris de petróleo, a vasta maioria offshore.  À proporção que mais localidades forem se tornando mais acessíveis, podem se descobrir reservas extras de ouro, zinco, níquel e ferro já descobertos no Ártico.

Devido ao clima inóspito, países e companhias que granjeiem pormenorizadamente as profundezas do ártico, terão que facejar uma área na qual a maior parte do ano o mar congela até uma profundidade de 1,80 metro na qual em mar aberto, as ondas podem atingir doze metros de altura. Um trabalho penoso, rígido e periculoso nas quais ExxonMobil, Shell e Rosneft, são alguns dos gigantes da energia que estão intencionando licença e iniciando perfurações exploratórias. Mesmo exibindo as possibilidades acima, os grandes atores do Sistema Internacional tentarão reivindicar territórios iniciando suas respectivas perfurações.

O derretimento do gelo ártico está abarcando consigo um endurecimento das atitudes de oito Estados membros do Conselho Ártico, o fórum em que a geopolítica se torna “geopolártica” (MARSHALL, 2018). Os “Cinco do Ártico”, Estados nacionais que fazem fronteira no oceano Ártico são Canadá, Rússia, Noruega, Estados Unidos (Alasca) e Dinamarca, (esta última em razão de sua responsabilidade pela Groenlândia). A eles se aglutinam Islândia, Finlândia e Suécia, que são membros plenos. Há também doze outras nações com status de observadores permanentes, tendo reconhecido “a soberania os direitos soberanos e a jurisdição dos Estados árticos na região entre outros critérios” (MARSHALL, 2018 p. 258).  Na contemporaneidade, há pelo menos nove litígios legais e reivindicações de soberania no oceano Ártico.

A Rússia volta à tona nesta pesquisa primordialmente graças a sua localização geográfica, mas como também a de maior interessada pelas riquezas e pela soberania da região ártica. O Estado russo forma um exército Ártico. Seis novas bases militares estão sendo construídas e várias instalações da Guerra Fria desativadas, como a das ilhas Novosibirsk, são reabertas e as pistas de pouso, renovadas. Em 2007, o governo russo direcionou dois submarinos tripulados para o leito do mar do polo Norte, 4.261 metros abaixo das ondas, e plantou ali uma bandeira russa de titânio inoxidável exibindo sua declaração de ambição. Existe relatos que ela “tremula” lá embaixo até hoje (MARSHALL, 2018).

A região de Murmansk é chamada de “portão energético setentrional da Rússia”, e o presidente Putin externou que em relação ao abastecimento energético, “campos offshore, especialmente no Ártico, são, sem nenhum exagero, nossa reserva estratégica para o século XXI”. Há mais de uma década, a Rússia deixa evidente que o Ártico é uma prioridade para os russos, liderando seu poder, ostentado pela maior frota de quebra-gelos do mundo, totalizando 32 no total, segundo a US Coast Guard Review de 2013. A nível de comparação, por também possuir interesses na região, a maior potência global, os Estados Unidos têm um só quebra gelo em atividade, o USS Polar Star, não possuindo planos para construir outro. Em adição a sua frota de gelo, os russos estão ponderando construir uma usina elétrica nuclear flutuante, capaz de resistir ao peso esmagador de três metros de gelo (MARSHALL, 2018).

O derretimento do gelo alterou a geografia e os valores que estão em jogo. O apetite dos Estados por energia é apontado por alguns especialistas no Ártico de “Novo Grande Jogo” do cenário internacional sendo Moscou o mais altivo jogador deste certame. Vale ressaltar que o Conselho do Ártico é constituído de Estados nacionais maduros, em sua maioria democráticos, em maior ou menor grau, e as leis internacionais que alicerçam disputas territoriais, poluição ambiental, jurisprudência sobre o mar e tratamento de povos minoritários está concluído. Portanto, na teoria, será mais atingível um certo tipo de coadjuvância entre os países ou talvez, o Ártico possa ser apenas mais um campo de conflito para os Estados-nação. 

Conjecturando estas visões, fica evidente que existe uma influência do fator natural e seus componentes na dinâmica das Relações Internacionais, mesmo com um aumento da capacidade humana de intervir sobre eles. Condicionantes naturais e geográficos continuam responsáveis pela definição de parâmetros para o comportamento e ação dos países, tanto impondo constrangimentos como gerando oportunidades (PECEQUILO, 2012. p. 89).

Conclusão

O fator geográfico afeta todos os países do sistema internacional, seja na guerra, seja na paz. O texto que ora se encerra teve como intento constar, indefectivelmente, a protuberância geográfica nas relações internacionais. Em todos os Estados contidos nesta pesquisa, a geografia age como fator significativo de atuação em suas políticas exteriores.

Todas as nações, grandes ou pequenas, estão subordinadas a sua geografia. O meio geográfico é uma condição fundamental e perene da vida material da sociedade na qual baliza o cenário onde se desenrola a política mundial. Em certa medida, os recursos dos quais apresentam um Estado e sua acessibilidade de exploração também vão estar inerentes de sua localização no mundo e de seu clima.

Portanto, torna-se necessário a estruturação de uma espécie de “cartilha geopolítica” para entendermos como a geografia está inclusa no comportamento da política externa dos países obrigando líderes mundiais com frequência a se desdobrar na busca de interesses nacionais.                   

Bibliografia

BRUCAN, Silviu . La disolución del poder – Sociologia de las relaciones internacionales y políticas. México: Siglo XXI, 1974.

LACOSTE, Yves. A Geografia – Isso Serve Em Primeiro Lugar, Para Fazer A Guerra. Editora Papirus. 15ª edição; 2009.

MARSHALL, Tim (1959). Prisioneiros da geografia: 10 mapas que explicam tudo que você precisa saber sobre política global. Rio de Janeiro: Zahar, 2018.

PECEQUILO, Cristina Soreanu. Introdução às relações internacionais: temas, atores e visões. Petrópolis: Editora Vozes, 9.ed., 2012.

STUENKEL, Oliver. O mundo pós-ocidental: potências emergentes e a nova ordem global.Rio de Janeiro: Zahar, 2018.

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