O selamento do acordo político e comercial entre o Mercosul e a União Europeia (UE), em julho de 2019, criou um clima de otimismo entre os membros engajados em promover a integração institucional e econômica. Para ambos os blocos, os últimos anos marcaram retrocessos significativos em direção a esse objetivo; sinalizados pela oficialização do Brexit na UE, a suspensão da Venezuela do Mercosul e as crescentes divergências ideológicas da Argentina com os demais parceiros intrabloco.
Para o Cone Sul, o desengavetamento do tratado significa a oportunidade de dinamizar e complementar mutuamente as atividades econômicas, em especial a agropecuária, mais expressiva na composição do Produto Interno Bruto (PIB) na região do Prata. À luz da experiência cepalina, o esforço combalido de integração regional resultante no Mercosul demanda a assinatura da parceria com a UE como passo seguinte no desenvolvimento socioeconômico do Cone Sul. É uma etapa inicial, contudo, imprescindível para a consolidação do processo de integração e institucionalização do bloco, bem como a continuidade do aprimoramento tecnológico e infraestrutural da região.
Para além das oportunidades, o presente artigo explorará os empecilhos e grupos de interesse desfavoráveis à ratificação do acordo. Dessa forma, a configuração político-econômica e social na Bacia do Prata e os respectivos elementos vantajosos e prejudiciais que a compõem serão apreciados. Em linhas gerais, os desafios simbolizam-se pela negligência da política ambiental brasileira, assimetrias ideológicas no Mercosul e o lobby dos Estados agrários na Europa contrários ao tratado.
O conceito de regionalismo na CEPAL como prerrogativa teórica para a integração global do Mercosul
O conceito de Regionalismo é o produto dos estudos da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL) a respeito de políticas macroeconômicas capazes de reverter o precário quadro socioeconômico da região e impulsionar o progresso. Criada pelo Conselho Econômico e Social das Nações Unidas (ECOSOC) em 1948, a CEPAL tem como premissa a cooperação e complementaridade econômica no âmbito regional como vias de superação da condição de subdesenvolvido. Desde a sua fundação, as soluções apresentadas pela escola de pensamento latino dividem-se em duas subcorrentes do regionalismo: fechado e aberto.
Entre as décadas de 40 e 80, o princípio da substituição das importações, indutor de atividades industriais endógenas, guiou as políticas econômicas na América Latina. O exemplo mais concreto desse esforço coletivo foi a assinatura da Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALAC) na década de 60. As diretrizes do acordo estabeleceram como metas a ampliação dos índices de produção nacional de bens manufaturados associadas a promoção do intercâmbio comercial intra-regional na América do Sul. Essa ala de crenças autárquicas, adeptas de uma forçada industrialização regional, advoga pela proteção e estímulo estatal da indústria nascente como meio de elevar a renda, empregabilidade e bem estar para a sociedade. Sob a ótica dos economistas Raul Prebisch e Celso Furtado, o regionalismo fechado entende que a dependência latino-americana aos fluxos comerciais externos constitui uma barreira estrutural e intransponível para a maturação e emancipação econômica (FURTADO, 1968).
Ao longo da segunda metade do século XX, as economias latinas obtiveram sucesso em promover um parque industrial autônomo e minimamente entrelaçado. Entretanto, à medida que as barreiras comerciais na forma de reserva de mercado garantiam proteção à indústria interna, simultaneamente sucateavam e aprofundavam a disparidade tecnoprodutiva entre o centro e a periferia econômica. Importunamente, os recorrentes déficits fiscais e subsequente endividamento externo para financiar os trinta anos de industrialização foram acentuados com a deterioração da conjuntura político-econômica mundial. Embora industrializado, o continente percorre a década de 80 com a estagnação do PIB, estrangulamento orçamentário, atividade econômica defasada, desemprego, inflações vertiginosas, concentração de renda e a deterioração do bem-estar geral da sociedade (FRANCO,1999).
A instabilidade econômica e a ascensão das democracias na década de 80 na América Latina instigaram a substituição dos paradigmas vigentes na condução das políticas macroeconômicas. Corroborada pela gestão da CEPAL de Gert Rosenthal (1988 – 1997) e a Teoria da Dependência de Fernando Henrique Cardoso (FHC) e Enzo Faletto, a condição de “autônomo” na região aponta novas causas e soluções. Diante desse novo ambiente, são eleitos governos no Cone Sul sob a retórica de engendrar reformas político-econômicas estruturais que reduzam a participação estatal em detrimento do setor privado. Os diversos mecanismos de restrição comercial responsabilizados pelo atraso tecnológico da região são revogados e substituídos por legislações menos hostis a atividade privada de origem tanto interna quanto externa.
A criação de Agências regulatórias na gestão de FHC é um exemplo importante no processo de licenciamento e fiscalização desses novos atores para a melhor prestação de serviços. O diagnóstico consensual passou a almejar não mais apenas uma mera industrialização, mas também a consolidação de um sistema produtivo disruptivo, munido de tecnologia de ponta nos bens de capitais e em bens de consumo. A incapacidade de atingir tal grau de desenvolvimento tecnológico somado às restrições fiscais persuadiram os tomadores de decisão a buscar o desenvolvimento associado com investimentos externos como via de modernização econômica. A esse conjunto de novas práticas inclinadas a mesclar o desenvolvimento industrial estatal resultante dos últimos cinquenta anos com as práticas tecnocientíficas exógenas, novas práticas regulatórias e a transferência de tecnologia da se o nome de Regionalismo Aberto (CARDOSO E FALETTO, 1977).
A abertura comercial individual e a consequente integração econômica regional aos circuitos financeiros globais logo tornaram-se um esforço mútuo e coordenado. Como resultado, nota-se a metamorfose da ALAC em 1980 na Associação Latino Americana de Integração (ALADI) e a criação da União aduaneira do Mercosul em 1981 graças ao interesse em se modernizar e adquirir tecnologia conjuntamente, evitando o acentuamento de assimetrias econômicas. Nessa corrente, inicia-se o processo de internacionalização do bloco a partir da negociação dos termos do acordo entre a união aduaneira do Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) e o mercado comum da UE em 1999.
Contudo, a ascensão dos governos neodesenvolvimentistas de Lula (2003 – 2010) no Brasil e Néstor Kirchner (2003-2007) na Argentina brecaram o avanço das discussões. Apesar de ambos alimentarem a premissa de combinar o capital público e privado nacional, ainda concedem privilégios às atividades tecnológicas estatais endógenas, sem incorporar forças externas em temas considerados estratégicos. Logo, os quinze anos iniciais do século XXI no Cone Sul são marcados pelo abrandamento em geral das restrições aos fluxos internacionais, porém, resistentes à competição justamente nos segmentos econômicos de maior defasagem.
um modelo (…) que defende a construção de um espaço de coordenação entre as esferas pública e privada, com o objetivo de aumentar a renda nacional e os parâmetros de bem-estar social. Apesar do peso que o fenômeno definido como globalização adquire nas economias da periferia, assumimos que os processos de desenvolvimento “continuam descansando na capacidade de cada país de participar na criação e difusão de conhecimentos e tecnologias e de incorporá-los no conjunto da atividade econômica e das relações sociais”. (Ferrer, 2006 apud Boschi; Gaitán, 2008, p. 02-03, tradução de Roberta Rodrigues Marques da Silva).
A tentativa de induzir a modernização da indústria nacional novamente incorre no desequilíbrio macroeconômico e no insucesso da revolução produtiva nos dois países. A substituição de ambas as lideranças a partir de 2015 e 2016 em meio a crises institucionais e econômicas agudas reconduzem o Brasil e a Argentina ao alinhamento com o comércio internacional. Intensificados a partir de 2016, as negociações retomam-se energicamente. Do outro lado do Atlântico, a resistência francesa situa-se como o ator refratário mais significativo em virtude do lobby de núcleos agrários. A despeito da oposição, a insubstituível contribuição latina na segurança alimentar europeia abriu caminho para que o prosseguimento do acordo sem muitos empecilhos até a assinatura em 2019. Superado o projeto neodesenvolvimentista, o Mercosul aderi a estratégia de reversão dos sucessivos déficits fiscais e a consequente estagnação do PIB por meio dos esforços na dilatação dos ganhos na balança comercial e a maior captação de Investimento estrangeiro direto (IED). Com um mercado de consumo interno fortalecido e uma nova política voltada para a incorporação tecnológica, o bloco abre espaço para uma economia mais sustentável e diversificada.
Conteúdo e objetivos do acordo comercial e político
Contra a correnteza isolacionista, Bruxelas e Assunção, após exaustivos vinte anos de negociação, firmaram um tratado de associação mais complexo e capilar do que os tradicionais acordos de livre-comércio. O compromisso significará o estreitamento de laços nos temas de Propriedade Intelectual, investimentos, solução de controvérsias, desenvolvimento sustentável, supressão de barreiras comerciais de diversas naturezas, compras governamentais, harmonização de práticas regulatórias e a transparência da atividade pública. Os princípios reafirmados nesses termos que embasaram as negociações e guiarão o futuro da parceria serão os de diálogo político, cooperação e livre comércio. (Ministério das Relações exteriores, 2019).
A supressão das barreiras comerciais é provavelmente a nuance do acordo a entrar em vigor mais rapidamente. Em oposição às seções no tratado de natureza política, dependentes da ratificação individual dos vinte e sete membros da UE, os versos a respeito de temas econômicos demandam apenas a aprovação provisória no parlamento europeu e individualmente dos membros do Mercosul. Dado o trajeto mais curto, os impactos iniciais incidirão no aumento da pauta exportadora do bloco, precisamente os setores da agropecuária, extrativismo mineral, têxtil, químicos e maquinários.
A grosso modo, 92% das importações da UE de origem no Mercosul terão uma eliminação gradual e total no prazo máximo de dez anos das tarifas alfandegárias. Antes do acordo, apenas 24% dos itens importados estavam isentos das sobretaxações. Especificamente no setor agrícola, 82% do volume total exportado para a Europa será eximido de taxas, enquanto boa parte dos demais itens terão as quotas dilatadas. Ademais, o Cone Sul ainda terá o status de fornecedor preferencial.
Por outro lado, 91% dos bens importados no Mercosul com origem na UE, em um prazo de quinze anos, serão isentos de tributações, em especial nos setores automobilístico, farmacêutico, itens de luxo, químico e vestuário. Alguns bem alimentares, tal qual queijos, chocolates e bebidas alcóolicas também gozarão de quotas alargadas durante os quinze anos de transição. Por fim, no que se refere às medidas sanitárias e fitossanitárias, mecanismos de diálogo e troca de experiências serão fomentados com o propósito de padronizar os processos de inspeção e o licenciamento de zonas produtivas de exportação.
A abrangência do conteúdo no tratado citada anteriormente salienta a pretensão de ambos os blocos em finalizar o acordo cujo objetivo transpõe cálculos comerciais. Apesar dos expressivos ganhos econômicos mútuos, os dispositivos de modernização regulatória, seguidos da desburocratização da estrutura produtiva interna e dos investimentos estrangeiros diretos (IED) no Mercosul, são os benefícios mais significativos para o desenvolvimento sustentável da região do Prata. O compromisso reafirmado de incorporar boas práticas administrativas descritas pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e a Organização Mundial do Comércio (OMC) tornam os membros mais críveis e inovadores.
No que concerne ao capítulo de Propriedade Intelectual, pode-se apontar os reconhecimentos recíprocos das indicações geográficas da economia artesanal na Bacia do Prata, a exemplo de bebidas com a nomenclatura de “cachaça” e vinhos típicos da região do Cone Sul. A União Europeia, por outro lado, terá reforçado os direitos de indicação geográfica a respeito de itens como “Prosecco” e “Conhaque”. No tópico de compras governamentais, referente às aquisições públicas de bens e serviços através das licitações, ressalta-se que os membros do Mercosul incrementam a concorrência nas disputas contratuais, de modo a potencializar a gestão eficiente do orçamento público. Entretanto, áreas consideradas sensíveis, como o desenvolvimento tecnológico, saúde pública e segurança alimentar, foram resguardadas da concorrência de empresas europeias. ( Senado Federal do Brasil, 2019)
Dado a acentuada deterioração macroeconômica das economias latinas, sobretudo após a pandemia do COVID-19, o aumento do ganho de divisas com as exportações agropecuárias em direção à UE a curto prazo é nevrálgico para a preservação das receitas dos governos no Mercosul. A médio e longo prazo, os crescentes superávits na balança comercial, combinados com normas regulatórias coesas e indutoras da captação de investimento estrangeiro direto, fortaleceriam mecanismos de financiamento no desenvolvimento endógeno de setores econômicos sofisticados e de maior valor agregado.
Nesse cenário, o desenvolvimento associado a partir do investimento e experiência europeia, somado às políticas públicas locais adaptadas aos respectivos interesses nacionais, criam uma economia na qual os custos de pesquisa e desenvolvimento são socializados. Com base nessa premissa, o acordo prevê parcerias e facilitações de investimento nas áreas de tecnologia da informação, telecomunicações, serviços financeiros, construção, publicidade e consultoria.
Portanto, os dispositivos do tratado devem ser interpretados pelos tomadores de decisão no Cone Sul como um meio de reverter a vulnerabilidade decorrente da centralização econômica nas exportações de commodities. Nesse projeto, a imersão estratégica do Mercosul nas cadeias globais de comércio e produção é um passo fundamental para alavancar o aumento dos ganhos econômicos, absorver tecnologias e fomentar a troca de experiência no âmbito regulatório.
Embora o fortalecimento dos setores mais dinâmicos para a sustentação do PIB com o acordo seja estritamente vantajoso às referidas atividades primárias, essas ainda são as fontes imprescindíveis de renda, emprego e receita para os governos no presente. Sendo assim, a integração multilateral do Mercosul com o mundo deve ser norteada na valorização dos setores mais competitivos sem comprometer a formação dos setores de ponta. A finalidade do acordo deve ser a captação de parcerias tecnológicas estratégicas e maiores receitas advindas das commodities, com o propósito de estruturar a modernização da malha produtiva, em especial em setores disruptivos com potencial de inovação e aumento da renda per capita.
Oportunidades e travas no Acordo para o Desenvolvimento do Mercosul
A despeito da assinatura de acordos de livre comércio e a formação de diversos arranjos e fóruns de diálogo, a integração política, econômica e cultural na América Latina ainda é insignificante tendo em vista o seu potencial. Exceto por lapsos colaborativos, como a construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu, os esforços geralmente esbarram em divergências ideológicas e na desconfiança mútua. Em boa parte, as disparidades políticas decorrentes de fraturas socioeconômicas internas são as causas do rompimento na construção de uma necessária estratégia contínua de Política externa de Estado, independente do grupo no governo.
Haja vista, o recente esvaziamento da União de Nações sul-americanas (UNASUL) em lugar do efêmero Fórum para o Progresso e Desenvolvimento da América do Sul (PROSUL) simboliza a carência de pragmatismo das forças políticas alternantes na América Latina. Na mesma linha de equívocos, a vitória presidencial do Kirchnerismo na Argentina em 2019 acentuou as desavenças pragmáticas entre Argentina e Brasil. Negligente quanto à relevância da relação bilateral entre ambos, o presidente Jair Bolsonaro recusou-se a cumprimentar e dialogar diretamente com Alberto Fernandez até o final de novembro de 2020.
Fernandez, por outro lado, esboçou abandonar a negociação de acordos futuros de livre comércio com o Mercosul e atacou o compromisso firmado com a UE ao longo do primeiro ano do mandato. Todavia, nas circunstâncias econômicas caóticas em virtude do COVID-19, ambos moderaram a retórica e forçadamente retomaram a cooperação para fortalecer a integração regional e global do Mercosul. Pesou para ambos os choques externos que limitaram ainda mais as escassas opções de contorno à crise. Entretanto, ainda que marcado pelos mesmos traços políticos refratários, o Mercosul reúne uma pauta exportadora razoavelmente convergente e suficiente para impulsionar a integração regional intrabloco, assim como decerto aumentar o grau de institucionalização futuramente.
O acordo entre o Mercosul e a UE estimulará não apenas a convergência das cadeias de produção intrabloco. O consequente aumento da demanda dos setores agropecuário, extrativista e de manufaturados pode prover além dos ganhos econômicos à modernização do tecido infra estrutural da Argentina, do Brasil, do Paraguai e do Uruguai. O interesse consensual em exportar é capaz de unificar os grupos de interesses dos respectivos países envolvidos no propósito de interligar corredores logísticos da região do Chaco até os portos de Buenos Aires, Montevidéu e Porto de Santos. Os melhores exemplos desse esforço são as rotas bioceânicas responsáveis por traçar rodovias e ferrovias de escoamento que atravessem o continente do Atlântico ao Pacífico. Uma vez que os membros platinos dispõem de uma robusta atividade agropecuária e de manufaturados básicos, a capilaridade nos canais de exportação é vital para a competitividade de preços no comércio internacional.
Alinhado a um projeto de sustentabilidade e inovação, é altamente aconselhável que a otimização da logística de escoamento desses bens seja estruturada em modais de transporte diversificados e interligados, aproveitadores especialmente do potencial hídrico através da navegação interior. Dessa forma, a complementaridade produtiva estimulada inicialmente pelas teses da CEPAL agora será continuada em termos de integração da infraestrutura intra-regional. Dadas essas circunstâncias, torna-se imperativo para os tomadores de decisão na Bacia do Prata impulsionar os esforços para aprimorar a integração das precárias redes de infraestrutura existentes. Arranjos como o Fundo Financeiro para o Desenvolvimento da Bacia do Prata (FONPLATA) e a iniciativa de Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA) são ações notórias, contudo, ainda residuais na impulsão de ações coordenadas.
O maior risco de falecimento do acordo UE-Mercosul advém das denúncias da Europa a respeito da desastrosa política ambiental praticada no Brasil. Os exorbitantes índices de desmatamento e queimada na Amazônia e no Cerrado ao longo de 2020, associados em geral à expansão da agropecuária, respaldam as narrativas de grupos adversos ao acordo na UE. As duas frentes avessas à parceria e beneficiadas pela negligência brasileira são as dos Estados cujo legislativo e representantes no Parlamento Europeu sejam inclinados aos partidos ambientalistas ou a atividade agrária é elemento nevrálgico para grupos de interesse interno.
Exceto pela Alemanha, de economia robustamente industrializada, França, Irlanda, Áustria e Itália detém ambos os traços antagônicos ao acordo e opõem-se veementemente à ratificação de parceria contraditória as diretrizes do bloco de reduzir em 60% a emissão CO2 até 2030. Apesar da “grilagem”, atrelada a especulação imobiliária de terras devolutas, e a extração ilegal de madeira serem a causa concreta para a devastação dos biomas, o lobby desses Estados mais agrários na União Europeia focará estritamente na agropecuária como indutor do desflorestamento para fortalecer a defesa dos produtos agrícolas internamente.
A estratégia na gestão de Jair Bolsonaro de minimizar e até negar a deterioração ambiental colide com o projeto desenvolvimentista do Brasil no presente e no futuro. Especialmente após a vitória do Democrata Joe Biden nas eleições presidenciais dos Estados Unidos, as relações estadunidenses com a Europa de inclinação verde serão pautadas na promoção de uma economia mais descarbonizada e menos predatória. Nesse novo arranjo transatlântico, o mercado internacional de capitais dá indícios de que cada vez mais a alocação de investimentos dependerá do compromisso de empresas e Estados em priorizar a defesa do meio ambiente, da sociedade e de governança eticamente responsáveis para captar recursos. A capacidade de se tornar um coletor de recursos internacionais, portanto, passa a demandar mais do que a pura métrica de lucratividade de um ativo.
O crescente caráter de investimentos com a finalidade “ESG” (Environmental, Social and Governance) pode simultaneamente ser uma janela de oportunidade para o desenvolvimento sustentável de diversos setores, além da agropecuária ou uma obstrução à construção de uma economia mais diversificada e moderna. Para o grupo de países interessados em romper ou postergar a ratificação do acordo, os elevados índices de desmatamento e as declarações imprudentes do Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, fortalecem a resistência contra a ratificação do acordo. Em uma análise mais abrangente, tais comportamentos geram a perda de prestígio do Brasil e o afastamento de recursos necessários para o equilíbrio fiscal, simbolizados pela desaprovação de notórios fundos internacionais de investimento na política ambiental brasileira. O ceticismo quanto aos esforços e práticas regulatórias adotadas na gestão de Jair Bolsonaro tem potencial para minar o volume de IED em segmentos críticos, tal qual na infraestrutura e na aquisição de tecnologia.
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