O CONSELHO DE SEGURANÇA DAS NAÇÕES UNIDAS
Criação e estrutura do CSNU
O Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) foi criado com o intuito de ser o órgão responsável por não deixar a Organização das Nações Unidas (ONU) sem os meios necessários para impor aos Estados-membros o que for deliberado pela instituição, como ocorreu com sua antecessora, a Liga das Nações (LIMA, 2008).
Atualmente, ele é composto por 15 membros, sendo 05 (cinco) permanentes – França, Inglaterra, Estados Unidos da América, China e Rússia – e 10 (dez) não permanentes, sendo estes eleitos para mandatos de 02 (dois) anos pela Assembleia Geral da ONU (AGNU), sem direito à reeleição. Com poder e qualificação para administrar e evitar conflitos que podem ameaçar a paz internacional, o CSNU pode intervir de diversas formas através de uma votação de seus 15 (quinze) membros, sendo que apenas os membros permanentes possuem poder de vetar qualquer decisão do conselho (LIMA, 2008).
O conselho foi consagrado como principal órgão da ONU para a manutenção da paz e segurança internacionais, detentora de capacidade para administrar litígios internacionais, que poderiam causar conflitos internacionais, abalando as relações multilaterais até hoje estabelecidas com a paz e a cooperação (MARTINS, 2013). De acordo com os artigos 39 a 51, o CSNU tem competência para investigar e determinar se há ou não uma ameaça à paz mundial. Além disso, de acordo com Vitor Rodrigues Viana (apud LIMA, 2008, p.14) o conselho pode destinar esforços para chegar a um acordo de paz, por meio da “diplomacia preventiva, forças de manutenção da paz, forças de imposição da paz, forças bélicas, dentre outras.”
Atribuições do CSNU
A Carta da ONU possui estes 04 (quatro) capítulos para designar as atribuições do CSNU: V, VI, VII e VIII. O Capítulo VI apresenta o poder de realizar recomendações aos atores em litígios que ameacem a paz mundial. Vale ressaltar que apenas as ações deliberadas com base no Capítulo VII são de caráter obrigatório e devem ser utilizadas apenas depois de confirmadas a ameaça à paz, a ruptura da paz ou o ato de agressão, são elas: as medidas provisórias, sanções não militares, sanções militares (SIMMA apud LIMA, 2008). A primeira ação busca recomendar ações para evitar o agravamento da desavença; a segunda são as sanções econômicas ou diplomáticas e buscam coagir o Estado infrator; e a terceira, por fim, é utilizada caso as duas primeiras não surtirem o efeito desejado pelo CSNU (LIMA, 2008). A competência de o CSNU intervir em outros Estados mesmo sem concordância dos últimos advém do Capítulo VII, conforme apresenta Seitenfus (2013, p.100), ao mencionar certos artigos da Carta da ONU:
O poder do CSNU é amplo e pode ser preventivo, já que ele dispõe da faculdade de determinar “a existência de qualquer ameaça à paz, ruptura da paz ou ato de agressão, e fará recomendações ou decidirá que medidas a serem adotadas pelo CSNU. Portanto, ele detém ampla margem de manobra e de interpretação, pois decidirá sobre as medidas que, sem envolver a utilização das forças armadas, deverão ser tomadas para tornar efetivas suas decisões e poderá convidar membros das Nações Unidas a aplicarem tais medidas. Estas poderão incluir a interrupção completa ou parcial das relações econômicas, dos meios de comunicação ferroviários, marítimos, aéreos, postais, telegráficos, radiofônicos ou de outra qualquer espécie, e o rompimento das relações diplomáticas (art.41). Caso necessário, o CSNU poderá tomar medidas ofensivas por forças aéreas, navais ou terrestres que poderão incluir “demonstrações, bloqueios e outras operações, por parte das forças aéreas, navais ou terrestres dos membros das Nações Unidas” (art.42). Portanto, a operacionalização do comando das intervenções militares – inclusive preventivas – será pelos cinco Estados-membros permanentes do CSNU. (ONU apud SEITENFUS, 2013, p.100)
Os membros são responsáveis por aprovar no conselho medidas que garantam a paz, segurança internacional, determinar a criação e missões de paz de acordo com a carta das nações unidas, investigar toda situação que possa vir a se transformar em guerra, elaborar planos de regulamentação armamentista, solicitar sanções econômicas e outras medidas para garantir a paz e a segurança internacional, recomendar novos membros, eleição de novo secretário geral. Também o CSNU é responsável por eleger os membros da Corte Internacional de Justiça (CIJ) e recomendar a expulsão de Estados-membros da ONU, dentre outras. Com estas atribuições, o CSNU pode tomar muitas decisões em torno da Carta das Nações Unidas, conforme cita Lima (2008, p.26):
“As medidas adotadas são denominadas de enforcement measures (forças de imposição da paz ou bélicas) e podem envolver ou não a força armada (conforme os artigos 41 e 42), elas são ordenadas pelo Conselho de Segurança e são postas em prática pelos Estados membros que são determinados pelo Conselho (artigo 48). Essas operações são altamente coercitivas e são decididas e aplicadas unilateralmente pelas Nações Unidas no espírito do Capítulo VII. É totalmente pacífico na doutrina e na jurisprudência internacional que o Conselho de Segurança apenas pode criar essas forças no intuito de concretizar uma decisão, tendo como base o Capítulo VII, mais precisamente, o artigo 42. As medidas adotadas pelo Conselho de Segurança têm como destinatário principal os Estados membros, no entanto, a prática tem se direcionado no sentido delas também serem destinadas aos Estados não membros, outras Organizações Internacionais, as entidades não estatais, e os indivíduos. Essas recomendações não podem infringir os direitos dos destinatários, quer sejam ou não membros de Organizações Internacionais.” (LIMA,2008 p.26).
A África do Sul e o Apartheid
Composição étnica sul-africana
Antes de compreender como o CSNU empreendeu os embargos à África do Sul, devemos entender um pouco da história da África do Sul. O país era habitado por duas tribos africanas chamadas koisan e hotentotes. Em seguida, a partir de meados do século XVII, a região foi colonizada pelos holandeses e, posteriormente, contou também com uma pequena participação dos huguenotes franceses, alemães, outros grupos sociais europeus e outros grupos étnicos (GRILLO, 1978). Esses grupos ficaram conhecidos como bôeres, os quais ficariam conhecidos posteriormente de Africânderes ou Afrikaners. Como efeito comparativo, pode-se dizer que a África do Sul é um país miscigenado como o Brasil, apesar de sua mistura particular de etnias.
O nascimento do Apartheid na África do Sul
O Apartheid, na língua afrikans, significa “separação”. Em 1850 é quando iniciam-se as primeiras legislações com cunho segregacionistas nas repúblicas bôeres, o Estado Livre de Orange e a República Sul-Africana. Nesse ano, os africanos foram obrigados a se instalarem em aldeias indígenas e saírem delas apenas com autorização do governo (GRILLO, 1978).
Em 1902, depois de anos de combate, houve a vitória inglesa sob as repúblicas bôeres. Assim, nasce a União Sul-Africana e os boêres se subordinam à autoridade britânica, isto é, tornam-se parte da Commonwealth. Em 1913, o “Native Land Act” inicia-se já a restrição de circulação dos africanos. 10 anos depois, em 1923, o “Native Áreas Act” restringia mais o acesso dos africanos a certas localidades, fazendo-os permanecer reservados nos subúrbios. Em 1931, há a independência da União Sul-Africana. Três décadas depois, o país se retira da Commonwealth e passa a se chamar República da África do Sul (GRILLO, 1978).
Entre 1948 e 1951, houve a intensificação de medidas segregacionistas na África do Sul, algumas delas são: a abolição dos direitos eleitorais dos indianos e o desejo do governo em repatriá-los; o “Population Registration Act” exige o cadastro da população com base na raça; “o Group Áreas Act” dividiu o território em áreas em que apenas determinadas raças podem entrar; o “Separate Representation of Voters Act” impõe aos negros votarem em candidatos brancos na eleições. Com isso, o partido nacional, composto pela minoria branco do país, ganhou as eleições de 1948, o que culminou com mais medidas discriminatorias; o “Mixed Marriages Act” proibiu o casamento de pessoas de raças diferentes; o “Immorality Amendment Act” tornou ilícito o contato sexual entre brancos e negros ou asiáticos (GRILLO, 1978). Além disso, a África do Sul foi uma das 08 (oito) nações que se abstiveram da votação da Resolução 217 A-III, a famosa Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. (MAZZUOLI, 2010, p. 858) Em 1972, apenas 13% do território sul-africano era destinado aos africanos, mesmo eles representando 75% da população total do país (JACOBS apud GRILLO, 1978).
Conselho de Segurança da ONU adota embargo contra a África do Sul
Apenas com o processo de descolonização generalizada da África na década de 1960 é que a África do Sul passou a ser rechaçada em seu continente. Isso se dava também por conta das suas pretensões e conquistas imperiais na África Austral (GRILLO, 1978). Com isso, a ONU se demonstrou preocupada e apelou à pressão da opinião pública mundial para lidar com os avanços segregacionistas na África do Sul. Em 1960, de acordo a Resolução 134, o CSNU deliberou que a situação sul-africana poderia se tornar uma ameaça à paz mundial, interpretação inédita no âmbito do órgão (SPIELER, 2007).
Dois anos depois, em 1962, a AGNU aprovou a resolução 1761, que recomendava aos Estados-membros a cortarem as relações diplomáticas, comerciais e militares com a África do Sul, bem como impedir a passagem de navios e aeronaves sul-africanas em seus territórios. Por conta da persistência e intensificação do Apartheid no país, o CSNU resolveu embargar a África do Sul por meio da Resolução 181 de 1963, que recomendou aos Estados-membros da ONU que suspendessem suas remessas de armas, munições de qualquer tipo e veículos militares ao país, de acordo com Lima (2008, p. 32). Contudo, alguns países que votaram contra ou se abstiveram da votação desta resolução continuaram a se relacionar com a nação sul-africana. Entre os países que ignoraram a resolução havia os parceiros econômicos mais importantes da África do Sul, como os Estados Unidos da América, Israel, países participantes do então Mercado Comum Europeu e até mesmo o Brasil (GRILLO, 1978). O comércio do Brasil com o continente africano começou a se intensificar no início da década de 1970, sendo que ⅓ das exportações brasileiras para a África, entre 1970 e 1973 eram para a África do Sul, segundo estimativas (MARTINIÈRE, 1978). Com o passar dos anos, esse número chegou a 90% de todo o fluxo comercial do Brasil com a África, segundo Amado Cervo e Clodoaldo Bueno (2002), contudo, em 1985, esse número caiu substancialmente até chegar em apenas 6%, sobretudo por conta do embargo imposto pelo CSNU.
Como interpretou a Corte Internacional de Justiça (apud CARO, 1977, p.44): “A força persuasiva das resoluções da Assembleia Geral pode ser, certamente, muito considerável, mas essa é outra questão. Opera no nível político, não no nível jurídico; não converte estas resoluções em juridicamente obrigatórias.”
Como as resoluções que pediam o embargo ao país africano não entregaram resultados concretos, o regime segregacionista continuou avançando. Mais adiante, em 1966, a África do Sul desrespeita recomendação da AGNU e do CSNU para abandonar a Namíbia, território vizinho do qual havia se apoderado mediante suas ações imperialistas. Em 1970, a Resolução 181 de 1963 foi novamente reforçada mediante a Resolução 282. Em 1973, a ONU aprovou uma resolução afirmando que o Apartheid era um crime contra a humanidade.
Em 1977, a Resolução 418 fez com que a recomendação do embargo de 1963 se tornasse uma decisão, a partir do momento em que a aquisição, por parte de um país declaradamente racista, dos produtos bélicos supracitados passou a ser considerada, de maneira concreta e definitiva, uma ameaça à paz e segurança mundiais (HUCK apud GRILLO, 1978). Com isso, é possível verificar a sobreposição de questões humanitárias à soberania da África do Sul. Em outras palavras, a preocupação da comunidade internacional fez com que o CSNU ultrapassasse os limites reservados à autonomia de um Estado, a fim de proteger os grupos oprimidos que vivem sob a jurisdição do último, o que teve peso decisivo para acabar com o regime segregacionista (SPIELER, 2007).
Brasil e suas relações com a África do Sul ao longo do tempo
Referências Bibliográficas
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