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G7, 60 Anos Depois: A Velha Guarda em Tempos de Tormenta

Fonte: g7.canada.ca | Fair use. | Reprodução.

Reunidos em Kananaskis, no Canadá, entre os dias 15 e 17 de junho de 2025, os líderes do Grupo dos Sete (G7) buscaram projetar unidade diante de um cenário internacional marcado pela instabilidade, fragmentação e concorrência entre blocos. Comemorando cinco décadas de existência desde sua criação em 1975, o G7 se vê pressionado a reafirmar sua relevância num mundo que já não é definido unicamente pelas potências ocidentais.

Em 2025, a cúpula ocorre sob o pano de fundo de múltiplos conflitos armados — com destaque para o confronto entre Irã e Israel, a guerra persistente na Ucrânia e as crescentes tensões no Indo-Pacífico. A convergência entre esses focos de instabilidade escancara os limites do modelo de governança global baseado na hegemonia liberal, e desafia a liderança ocidental num contexto em que outras potências, como China, Rússia e Irã, articulam projetos alternativos de ordem.

Ao mesmo tempo, os países do G7 enfrentam desafios internos: desaceleração econômica, desindustrialização, crises climáticas e o avanço de forças políticas nacionalistas. Nesse cenário, a agenda da cúpula de Kananaskis se concentrou em temas como segurança energética, transição digital, estabilidade financeira, combate a interferências estrangeiras e o fortalecimento das cadeias de minerais críticos.

O encontro também destacou o esforço ocidental de consolidar alianças estratégicas com países do Sul Global — como Brasil, Índia, África do Sul e México —, num gesto que revela tanto a tentativa de ampliar a legitimidade do G7 quanto o receio do avanço de iniciativas alternativas como os BRICS+, a Organização de Cooperação de Xangai e a OPEP+.

Com essa introdução, o artigo se propõe a analisar como o G7 de 2025 busca preservar sua centralidade na nova ordem internacional. Para isso, examina os principais temas discutidos na cúpula, os conflitos regionais em pauta — com ênfase no embate Irã-Israel — e as disputas em torno da tecnologia, da energia e da legitimidade internacional.

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Foto: g7.canada.ca | Fair use. Reprodução.

G7 e a nova agenda geoestratégica: entre alianças, contenção e dissuasão

Diante de um cenário geopolítico fragmentado, os países do G7 utilizaram a cúpula de 2025 para projetar uma imagem de coesão estratégica e atualizar sua agenda internacional frente aos múltiplos desafios à ordem liberal. A “nova agenda” reafirma o papel do G7 como espaço de coordenação entre potências avançadas em temas de segurança, tecnologia, energia e governança econômica — mas também revela os limites do grupo ao lidar com uma ordem multipolar em formação.

1. Segurança energética e contenção ao Irã

O conflito entre Irã e Israel dominou as declarações mais contundentes do encontro. O G7 reafirmou que “Israel tem o direito de se defender” e qualificou o Irã como “a principal fonte de instabilidade e terror regional”. Em sua declaração de 16 de junho, os líderes reiteraram que “o Irã jamais poderá possuir armas nucleares”, além de manifestarem preocupação com os impactos sobre os mercados energéticos globais:

“Permaneceremos vigilantes quanto às implicações para os mercados internacionais de energia e estamos prontos para coordenar com parceiros para garantir a estabilidade” (G7 Leaders’ Statement, 2025).

Trata-se de uma posição clássica da agenda ocidental de dissuasão, reafirmando sanções e isolando o Irã diplomática e economicamente. Ao mesmo tempo, é uma sinalização direta aos aliados no Oriente Médio, com destaque para Arábia Saudita, Emirados Árabes e Israel.

2. A contenção tecnológica: China como desafio sistêmico

No campo tecnológico e econômico, o G7 promoveu avanços em três frentes:

  • Aliança para Cadeias de Minerais Críticos, liderada pelo Canadá, para garantir o fornecimento seguro desses insumos essenciais à transição energética e à indústria de defesa;
  • Carta de Kananaskis sobre Incêndios Florestais, que articula resposta multilateral às catástrofes climáticas intensificadas;
  • Parcerias para Inteligência Artificial, com foco em IA confiável e regulamentada.

Essas iniciativas revelam a tentativa de reduzir dependências da China, com quem o G7 ainda busca uma relação “construtiva e estável”, mas critica por “políticas de mercado distorcidas, sobrecapacidade e coerção econômica”.

O comunicado também aponta para preocupações com o Indo-Pacífico:

“Reiteramos o compromisso com um Indo-Pacífico livre, aberto, próspero e seguro, baseado no Estado de Direito… e expressamos preocupação com as atividades desestabilizadoras no Estreito de Taiwan” (Chair’s Summary, 2025).

3. Cooptação do Sul Global: expansão tática

O G7 convidou líderes do Brasil, Índia, África do Sul, Coreia do Sul, México e Austrália. Essa presença demonstra o esforço dos países ocidentais para manter pontes com o Sul Global, sobretudo diante da crescente influência dos BRICS+.

No entanto, as propostas ainda são modestas: nenhuma reforma estrutural do sistema financeiro internacional foi anunciada, e a cooperação se limitou a compromissos voluntários em cadeias produtivas e financiamento climático. Lula da Silva e Narendra Modi participaram de discussões sobre transição energética e reforma da governança mundial, mas os documentos finais pouco incorporaram essas demandas.

4. Interdependência entre crises: Irã, Ucrânia e Taiwan

Os documentos refletem a percepção de que a instabilidade atual é sistêmica e interconectada. O G7 trata a guerra da Ucrânia, o confronto Irã-Israel e as tensões com a China como teatros simultâneos de uma disputa mais ampla:

“Reconhecemos os vínculos entre os teatros de crise na Ucrânia, Oriente Médio e Indo-Pacífico” (Chair’s Summary, 2025).

A resposta ocidental é fortalecer o pilar da dissuasão geopolítica — via sanções, alianças tecnológicas e apoio militar indireto — combinada com iniciativas seletivas de engajamento, sobretudo com países considerados “parceiros confiáveis”.

Fragilidade da liderança ocidental e críticas à ordem vigente

A Cúpula do G7 de 2025 foi marcada por uma clara tentativa de reafirmação da autoridade moral e estratégica do Ocidente frente a um mundo em crescente fragmentação. Contudo, as contradições entre discurso e prática, e a ausência de respostas sistêmicas às desigualdades globais, colocam em xeque a capacidade do G7 de liderar uma nova ordem internacional. A cúpula refletiu mais um esforço de contenção e preservação do que de transformação efetiva.

1. As potências do G7 e o esgotamento da narrativa universalista

Desde a Guerra Fria, os países do G7 apresentaram-se como guardiões da ordem liberal internacional, baseando-se em pilares como o multilateralismo, o livre comércio, os direitos humanos e o Estado de Direito. No entanto, essa narrativa já não encontra ampla ressonância fora do eixo transatlântico.

No atual contexto, o apoio incondicional a Israel, mesmo diante de denúncias de violações do Direito Internacional Humanitário, contrasta com a retórica de proteção de civis e respeito às normas internacionais. O G7 “reconhece o direito de defesa de Israel” e condena o Hamas, mas oferece respostas ambíguas à escalada de violência e à crise humanitária em Gaza (Chair’s Summary, 2025).

Da mesma forma, a condenação do Irã como fonte de “instabilidade regional” ignora o histórico de intervenções militares de membros do próprio G7 no Oriente Médio e a ausência de pressões equivalentes sobre aliados autoritários.

Essa seletividade contribui para o desgaste da autoridade normativa do G7 junto a países do Sul Global e a grupos da sociedade civil internacional.

2. Limites da cooptação: G7 vs BRICS+

A presença de convidados como Brasil, Índia, México e África do Sul na cúpula foi interpretada como uma tentativa de ampliar a legitimidade do G7 e estabelecer pontes com economias emergentes. No entanto, esse gesto ainda não configura uma mudança estrutural no equilíbrio de poder.

Não houve compromisso com reformas institucionais significativas, como a reestruturação das cotas no FMI, o alívio da dívida externa ou a transformação do sistema de financiamento climático — temas centrais para os países em desenvolvimento.

A resposta do G7 permanece centrada em parcerias voluntárias, alianças “confiáveis” e investimentos estratégicos, sem alterar as regras do jogo global. Isso contrasta com a retórica dos BRICS+, que vêm se posicionando como alternativa ao “clubismo ocidental” e à desigualdade nas instituições globais.

3. Segurança seletiva e ausência de paz estrutural

Embora o G7 tenha defendido a busca por cessar-fogos em Gaza e na Ucrânia, a linguagem adotada demonstra uma abordagem seletiva à paz e à segurança. O grupo mostra-se mais interessado em conter ameaças percebidas — Irã, China, Coreia do Norte, Rússia — do que em enfrentar as raízes estruturais da instabilidade internacional, como:

  • a crise de governança global,
  • a desigualdade nas cadeias econômicas,
  • o fracasso na gestão das mudanças climáticas,
  • e a militarização da política externa.

A postura diante de Israel e Ucrânia revela que os critérios de solidariedade internacional seguem sendo geoestratégicos, e não universalistas.

4. Reações e críticas à hegemonia ocidental

A cúpula foi criticada por atores diversos. Organizações da sociedade civil apontaram a contradição entre os compromissos ambientais anunciados (como a Carta sobre Incêndios Florestais) e a ausência de medidas concretas de justiça climática e financiamento verde para o Sul Global.

Lideranças como Lula da Silva e António Guterres defenderam uma reforma da governança internacional e maior protagonismo dos países em desenvolvimento. Contudo, essas vozes aparecem marginalizadas nos documentos finais.

A despeito das declarações de parceria, o G7 continua operando sob a lógica de um núcleo duro de potências ocidentais, ampliando alianças estratégicas seletivas, mas sem alterar os fundamentos de uma ordem centrada em interesses euro-americanos.

O G7 no labirinto da nova ordem internacional

O G7 de 2025 representou mais do que um encontro de coordenação econômica e diplomática: foi um esforço das potências ocidentais para reafirmar seu papel em um mundo onde o seu domínio é crescentemente contestado. Diante de múltiplas crises — da guerra na Ucrânia à escalada entre Irã e Israel, da instabilidade energética à transição digital — os países do G7 demonstraram coesão interna, mas pouca abertura à reformulação das estruturas internacionais.

Apesar das declarações de compromisso com a paz, a segurança e o desenvolvimento sustentável, os documentos oficiais revelam contradições: há um forte viés securitário, reforçado por parcerias estratégicas e sanções, enquanto as propostas de cooperação mais equitativa com o Sul Global permanecem secundárias. A retórica da ordem baseada em regras não tem a mesma força quando não é acompanhada de coesão normativa, legitimidade e coerência nos direitos internacionais aplicados.

A nova ordem internacional ainda está em disputa. A crescente influência de blocos como os BRICS+, a emergência de agendas multipolares e a demanda por maior justiça nas instituições multilaterais tornam obsoletos os modelos excludentes de governança. O G7, se quiser manter relevância, terá que decidir se permanecerá como um clube restrito de potências ou se assumirá um papel mais inclusivo, capaz de refletir a diversidade, os interesses e as urgências do mundo do século XXI.

Referências

Chair’s Summary – G7 Leaders’ Summit 2025
Disponível em: https://www.g7canada.ca/chairs-summary
Publicado em 17 de junho de 2025.

G7 Leaders’ Statement on Recent Developments Between Israel And Iran
Disponível em: https://www.g7canada.ca/leaders-statement-israel-iran
Publicado em 16 de junho de 2025.

Joint Statement of the G7 Foreign Ministers’ Meeting in Charlevoix
Global Affairs Canada.  Disponível em: https://www.international.gc.ca/world-monde/issues_development-enjeux_developpement/response_conflict-reponse_conflits/g7-2025-charlevoix.aspx

G7 2025 Communiqués (setorais):

G7, 60 Anos Depois: A Velha Guarda em Tempos de Tormenta 4
Analista de Relações Internacionais at ESRI | Website |  + posts

Analista de Relações Internacionais, organizador do Congresso de Relações Internacionais e editor da Revista Relações Exteriores. Professor, Palestrante e Empreendedor. Contato profissional: guilherme.bueno(a)esri.net.br

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