A Guerra do Afeganistão (2001 – 2021)
No dia 11 de setembro de 2021 completou-se 20 anos dos atentados terroristas ao World Trade Center. Como desdobramento de uma ataque direto a grande hegemonia daquela época e, por consequente, o centro da ordem liberal ocidental, em 7 de Outubro de 2001, temos o início de um conflito conhecido como “Guerra do Afeganistão”. Após 20 anos de dólares gastos, vidas perdidas e estratégias fracassadas, o mundo assiste uma nova reviravolta na história afegã, onde o Talibã, que controlava o governo local no período em que os ataques de Setembro de 2001 ocorreram, e que os Estados Unidos da América (EUA) juraram destruir, tomou novamente o país, colocando mais uma vez aquela região em uma era de incertezas.
A Guerra do Afeganistão começou como uma resposta do governo norte-amercano ao ataque às Torres Gêmeas. Seus principais alvos consistiam na captura de Osama Bin Laden (um aliado conhecido dos norte-americanos durante a luta contra a invasão soviética) e o desbaratamento da Al-Qaeda (grupo fundamentalista islâmico), que na época era protegido pelo governo do Talibã. Para além das questões primárias ligadas à vingança dos milhares de cidadãos que perderam a vida no atentado de Setembro de 2001, outros fatores também serviam de pano de fundo para a invasão norte-americana ao Afeganistão. Atualmente têm-se mais insformações arespeito dos interesses geoestratégicos e econômicos que os EUA possuíam no Afegansitão, principalmente pela sua posição estratégica.
As décadas que antecederam os atentados contra o World Trade Center demonstram a ascendência de ataques contra alvos estadunidenses de modo frequente. Paralelo a esse crescimento de atentados direcionados aos EUA, têm-se um governo norte-americano não preparado para direcionar uma ofensiva de contraterrorismo propriamente dita. Até aquele momento as ações norte-americanas eram uma mescla de ações diplomáticas, legais e de inteligência. De acordo com o relatório de 2004 da National Commission on Terrorist Attacks Upon the United States (Comissão Nacional sobre Ataques Terroristas sobre os Estados Unidos) o país não estava preparado, não havia realização de operações militares em grande escala contra qualquer Estado que oferessesse proteção a grupos terroristas.
Essa falta de preparo para ações como as presenciadas na Guerra ao Afeganistão de 2001, nos permite refetir que nem mesmo a nação com maior preparação militar do século, que possui todo um aparato tecnológico, bélico, de comunicação, dentre outros, estava livre de ser fragilidades em sua estrátegia de segurança e defesa nacional. Assim, abordaremos as movimentações militares, presidenciais e internacionais que permitiram a invasão do Afeganistão, alguns desdobramentos do conflito e o impacto que tais ações tiveram nas relações entre o Ocidente e os povos do chamado “Oriente Médio”.
Desdobramentos da Guerra do Afeganistão
Tratando-se da Guerra, como principal finalidade, os Estados Unidos buscavam desmontar a organização terrorista Al-Qaeda e evitar que eles utilizassem o território afegão como base a partir da remoção do Talibã do poder. A respeito dos aliados internacionais durante esse processo, os EUA contaram desde o começo com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), que participou da operação liderando a Força Internacional de Assistência para a Segurança (ISAF), e com tropas de outros 43 países, entre eles o Canadá, a Bélgica e a Rússia.
Nos momentos que antecederam a invasão, o então presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, exigiu que o governo do Talibã entregasse Osama bin Laden, o líder da Al-Qaeda que foi colocado como autor dos ataques de 11 de setembro de 2001, e que já era procurado pela Organização das Nações Unidas desde 1999, e que juntamente com isso, expulsasse a Al-Qaeda do Afeganistão. Em resposta, o Talibã se negou a entregar Bin Laden, afirmando que ele seria submetido a uma corte islâmica afegã a mesmo que evidências concretas de seu envolvimento nos ataques ao World Trade Center fossem apresentadas. O Talibã também ignorou os pedidos a respeito da extinção de células terroristas em seu território, assim como a entregar outros suspeitos de terrorismo além de Bin Laden.
Para os EUA, o comportamento do governo afegão foi considerado como estratégia de adiamento. Com base nisso, no dia 7 de outubro de 2001 foi lançada a Operação Liberdade Duradoura. Tratou-se de uma parceria dos EUA com o Reino Unido e posteriormente com outros Estados, onde estes conseguiram retirar o Talibã do poder no Afeganistão e construir bases militares próximas às maiores cidades em todo o país. A operação não conseguiu prender os membros do alto escalão do Talibã e da Al-Qaeda, que fugiram para o Paquistão ou para regiões rurais e montanhosas afegãs.
A decisão do governo Bush de invadir e ocupar o Iraque em março de 2003 foi duramente criticada tanto pelos norte-americanos quanto por estrangeiros, principalmente pelo seu caráter unilateral. De acordo com os posicionamentos contrários, os Estados Unidos iriam sustentar todos os custos da guerra e da reestruturação do Iraque por pura intolerância e ausência de habilidade para convencer parceiros como França e Alemanha a se juntarem na coalizão dos dispostos.
O início da operação no Afeganistão foi resumido a uma série de mísseis de cruzeiro contra as instalações da Al-Qaeda e do Talibã por todo o país. Tratando-se das tropas em solo, a priori, foi limitada, onde apenas integrantes da Agência Central de Inteligência (CIA) e das Forças Especiais dos Estados Unidos e do Reino Unido. Os dias que se sucederam, foram caracterizados pela adesão de integrantes das Forças Especiais do Canadá, Austrália e Turquia, o que sinalizou o apoio político e militar que os EUA estavam recebendo por suas ações no território afegão. As Forças Especiais sustentaram sua presença até o fim de 2001, sendo as únicas tropas em solo. A partir do Acordo Bona e a Resolução 1.386 do CSNU, responsável por criar a Força de Assistência Internacional em Segurança (ISAF), que tinha como primeiro objetivo ocupar militarmente toda Cabul, ocorreu a entrada maciça de tropas no Afeganistão.
Um ponto importante a ser citado é que todas essas iniciativas apenas foram adotadas a partir da perda das principais posições no país pelo Talibã e a Al-Qaeda, incluindo Mazar-i-Sharif, Cabul e Kandahar. Outra questão que merece destaque é que, a coalizão que se sucedeu a partir da criação da ISAF não tinha finalidade militar, mas sim de atribuir legitimidade às ações dos EUA no Afeganistão.
É sabido que o Departamento de Defesa dos Estados Unidos foi bastante resistente a aceitar ajuda de outras nações, para além daquelas envolvidas na Operação Liberdade Duradoura, início da ocupação norte-americana no Afeganistão, apenas por razões políticas (SOUZA & MORAES apud Gordon, 2001).
A respeito das motivações de outras nações para se envolverem nesse conflito, não havia uma razão específica comum, assim como da própria leitura do nível de importância que os EUA atribuem a cada tipo de cooperação. Aqueles que estavam em processo de adesão à OTAN, usaram de sua participação para reafirmar o seu compromisso com as relações externas com a Organização e com os EUA. Outros países obtiveram outros tipos de vantagens. A exemplo, Cingapura, que obteve um acordo de livre comércio reduzindo tarifas e cotas; Jordânia, que já possuía um acordo de livre-comércio com os Estados Unidos, pôde favorecer suas empresas nacionais no tocante a reconstrução do pós-guerra.
Uma guerra presidencial: de Bush a Trump
A Guerra do Afeganistão movimenta uma série de fatores e explicações que são igualmente válidas. Um destes fatores cruciais para entender os desdobramentos do conflito, é que uma “guerra presidencial”, ou seja, pensada, articulada e gerida pelos chefes da nação norte-americana, sendo inclusive a pauta de grande importância nas corridas presidenciais de Obama e Trump.
Tendo isto em nosso horizonte de expectativas, entendemos que quando George W. Bush declara “guerra ao terror”, verificamos que a resposta não seria apenas pela via diplomática, mas também, uma reação violenta e intempestiva, que como foi abordado nos tópicos anteriores consistiu no rearranjo de organismo internacionais para aprovar a ação. Além disso, é necessário notar que a “Guerra ao Afeganistão” é uma guerra patriótica, em que se estabelece um EUA defensor dos valores ocidentais e libertadores contra um inimigo radicalmente religioso e incivilizado que queriam destruir o Ocidente a qualquer custo.
Mediante a essas palavras de patriotismo e de uma necessidade de resposta rápida, em 7 de outubro de 2001, a Operação Liberdade Duradoura iniciou com o objetivo de derrubar o Talibã, desbaratar a Al-Qaeda e capturar Bin Laden. Dois anos depois, foi criada a ISAF – Força Internacional de Apoio à Segurança liderada pela OTAN e que apoiaria a Guerra promovida pelos EUA. No mesmo ano, afirmando que o Iraque mantinha armas de destruição em massa, foi iniciada uma guerra paralela, conhecida como Guerra do Iraque.
A Guerra do Iraque juntamente com a do Afeganistão reforçou o que Bush tinha declarado, que os EUA lutavam contra o terror, e ao mesmo tempo, juntamente com as coalizões internacionais, o que antes pretendia erradicar o terror se transformou em um grande financiamento para o terrorismo de Estado. Desde então o Talibã foi se reorganizando e a captura de Bin Laden parecia que não conseguiria ser atingida. Então, em 2009, Barack Obama assume como presidente e tem a tarefa de liderar uma guerra em seu oitavo ano e que não apresentava bons resultados, já que contava com grande custo de manutenção, baixa de civis e aumento do tráfico de drogas na região.
Antes de completar 10 anos de conflito as tropas norte-americanas em uma ação militar matam o líder da Al-Qaeda, Osama Bin Laden. A partir desse ponto a guerra passaria por uma série de distensões, sendo a primeira em 2012, com a OTAN anunciando a retirada das tropas da região.
Depois desse fato, os EUA tentaram abrir uma via diplomática com grupos terroristas da região como a Rede Haqqani que foi recebida pela secretária de Estado Hillary Clinton. Em 2014, com líderes afegãos e autoridades da Segurança Nacional, Obama afirmou que as tropas norte-americanas iriam ser retiradas do país até 2016. Essa ação foi muito importante, visto que ataques com drones e ações dos terroristas se tornaram muito violentas, chegando a ONU a apontar que apenas em 2014 dos 3669 civis mortos, 714 eram crianças.
Porém, o cronograma de retirada das tropas passou por uma série de discussões, de modo que a retirada das tropas começaria após 2016. Em 2017, Obama afirmou que apenas mil soldados tinham deixado o Afeganistão. Com a ascensão de Trump ao poder, vislumbrou-se a possibilidade do conflito encerrar, já que uma de suas bandeiras era o abandono de uma guerra que gastava muito.
Mas, influenciado pelo Pentágono e correndo um risco de gerar um novo Iraque (já que ao fim dessa Guerra surgiu o Estado Islâmico) Trump buscou uma retomada da ofensiva norte-americana e novos aliados, como a Índia. Trump ordenou então um dos maiores deslocamentos militares de seu governo, movimentando 4 mil soldados para se juntar aos 8 mil já lotados no país.
30 de Agosto de 2021 – O fim da Guerra
Apesar de manter as tropas no país e enviar mais soldados para tentar acabar com o conflito, em fevereiro de 2020, Donald Trump acertou um acordo com o Talibã, em que as tropas seriam retiradas em até 14 meses.
Ao assumir a presidência, Joe Biden afirma o compromisso de começar a retirada dos soldados e finalizar até 11 de setembro de 2021. Com a retirada das tropas, em maio, o Talibã lança uma série de ofensivas ao sul, norte e na parte oeste do Afeganistão garantindo o controle de variadas entradas e saídas, além de desgastar as províncias do país e fazer um cerco às grandes cidades até chegar na capital, Cabul.
A CIA estimava que poderia ocorrer uma retomada do poder pelo grupo em até seis meses depois da retirada das tropas, entretanto, a ofensiva do Talibã ocorreu cada vez mais rápido, de modo que segundo a ONU, cerca de 250.000 pessoas fugiram de suas casas desde o começo da ofensiva.
Em agosto, contrariando os relatórios dos serviços de inteligência, o Talibã conquistou Candaar, a segunda maior cidade do Afeganistão. Sabendo disso, os EUA e o Reino Unido enviaram tropas para garantir que aliados afegãos e funcionários da embaixada pudessem sair da capital do país em segurança. O avanço do grupo foi possível por conta da inabilidade do exército do Afeganistão de resistir, e da extrema violência do grupo, por conta disso, uma província do Sul de Cabul foi tomada.
Em 15 de agosto, após a tomada de várias províncias, foi anunciado pelo ministro Abdul Sattar, que ocorreria um governo de transição e que o presidente renunciaria, garantindo uma ascensão ao poder de forma pacífica. Ao mesmo tempo, o presidente Ashraf Ghani foge do país, de modo que a conquista do Afeganistão estava completa.
Mediante a essa nova conjuntura, Joe Biden precisou retirar as tropas norte-americanas e aliados afegãos, de maneira rápida, já que o Talibã entregou um ultimato aos EUA, a fim de concluir a retirada das tropas até 31 de agosto. Mediante a muita confusão, ataques de outros grupos terroristas, e afegãos querendo fugir, em 30 de agosto o último soldado americano sai do país, encerrando um conflito de quase vinte anos.
Considerações Finais
A Guerra do Afeganistão se mostrou extremamente problemática ao longo do tempo, principalmente pelo alto custo, envio de tropas e desgaste público. Seus objetivos iniciais de desalojar a Al-Qaeda e derrubar o governo do Talibã, e derrot-alos definitivamente, foram parcialmente atingidos de forma rápida. O último ponto, que consiste na extinção do Talibã, ainda não ocorreu e há diversas especulações sobre se irá ocorrer algum dia. Ao olhar o passado, percebe-se que as mudanças estratégicas ocorridas durante a gestão Barack Obama alteraram os moldes políticos e militares estadunidenses, o que impactou até a própria consciência sobre do que se tratava os objetivos dos Estados Unidos no Afeganistão.
Ademais, a ofensiva do Talibã mostrou que a tentativa de state building promovida pelos EUA no país não foram bem-sucedidas, já que apesar de ocorrer eleições, o governo posto era altamente corrupto e o exército construído possuía uma relação difícil com o Estado, sendo essa fraca concepção de força protetora que possibilitou o avanço rápido do Talibã. Os Estados Unidos falharam no seu projeto de um Afeganistão democrático e adaptado às perspectivas ocidentais. Entretanto, é válido que apesar da recente volta da Al-Qaeda ao poder, os EUA foram bem sucedidos em suas investidas de fazer o grupo retroceder (ao menos por um certo tempo), onde a organização deixou de ser forte em sua hierarquia centralizada, que trabalhava fortemente com o recrutamento treino e condução de operações, para uma rede cada vez mais fragmentada de grupos e células regionais.
Portanto, novos desafios aparecem com o retorno do Talibã ao poder. Impasses sobre se haverá respeito aos direitos humanos, se haverá tentativas de construção da paz, e se, finalmente, os afegãos conseguirão desenvolvimento para o território, fomenta uma sensação de acoamento dos cidadãos afegãos que, terminam sempre acuados, seja por forças estrangeiras, seja por forças locais. Apesar dos sinais de novos tempos vindos com a presença norte-americana no Afeganistão, como eleições presidenciais democráticas, ampliação de direitos para mulheres e alargamento da liberdade para os afegãos de um modo geral, diversas famílias foram atingidas de modo direto e indireto por tantos anos de guerra.
O retorno do Talibã ao poder possui diversas interpretações e significados, tais como as limitações da ofensiva norte-americana, que falhou na implantação de um governo local democrático. Outras questões geopolíticas ainda estão começando a se desenrolar (como o reconhecimento de outras nações do governo do Talibã), e de fato terão um papel relevante na tentativa de construir estabilidade para governar por parte do Talibã.
O que assistimos hoje é a retirada às pressas de milhares de pessoas desesperadas e com medo de um futuro ainda mais incerto do que aquele que os esperava enquanto havia tropas estadunidenses no território afegão. Norte-americanos e outros países ocidentais, organizações internacionais que atuaram localmente durante alguma fase desse extenso conflito e empresas privadas, se movem dia e noite para tentar assistir de alguma forma aqueles que ficam no país. Quanto aos EUA é notório dizer que apesar da “Guerra ao terror” não ter sido oficialmente posta de lado, espera-se uma nova agenda política para o Afeganistão, para que, se possível, se alcance a paz.
Referências
GORDON, M. R. A Nation Challenged: Month 1; a Month in a Difficult Battlefield: Assessing U.S. War Strategy. The New York Times, 8 nov. 2001.
SOUZA, André de Mello., MORAES, Rodrigo Fracalossi. Coalizões Globais Lideradas pelos Estados Unidos na Guerra ao Terror (2001-2011): Para Além do Unilateralismo. Contexto Internacional (PUC). Vol 37º nº 2 – mai/ago 2015. 1ª Revisão: 27/04/2015.