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Fachada del Palacio Legistativo, Montevideo, Uruguay. Autor: Federico Corral aka Shant Fachada del Palacio Legistativo, Montevideo, Uruguay. Autor: Federico Corral aka Shant

Eleições no Uruguai: Um Pequeno Estado, Estratégias de Autonomia e Lições para a Democracia

Fachada del Palacio Legistativo, Montevideo, Uruguay. Autor: Federico Corral aka Shant

A eleição de Yamandú Orsi como presidente do Uruguai em 2024 marca um momento crucial para o país e para a América Latina. Representando a Frente Ampla (FA), coalizão de esquerda que já governou o país entre 2005 e 2020, a vitória de Orsi reflete o desgaste do governo de direita liderado por Luis Lacalle Pou, assim como uma virada moderada no espectro político em resposta aos desafios econômicos e sociais que o país enfrenta. Contudo, essa mudança ocorre em um cenário político doméstico e regional que apresenta tanto oportunidades quanto obstáculos para a consolidação da democracia e do desenvolvimento.

Apesar de ser reconhecido como uma das democracias mais estáveis da América Latina, o Uruguai não está imune à polarização política. A eleição foi decidida por uma margem estreita, com Orsi conquistando cerca de 49% dos votos, enquanto seu rival, Álvaro Delgado, do Partido Nacional, obteve 46%. Essa divisão evidencia um país onde as diferenças ideológicas entre esquerda e direita permanecem intensas, mas ainda convivem dentro de um sistema institucional sólido.

A Frente Ampla assume o poder com uma maioria no Senado (16 dos 30 assentos), mas sem maioria na Câmara de Deputados, o que exigirá negociações para aprovar reformas. A liderança de Orsi, conhecida por seu estilo pragmático e conciliador durante sua gestão como prefeito de Canelones, será posta à prova em um contexto onde o diálogo com a oposição será essencial.

A economia uruguaia, tradicionalmente resiliente, enfrenta desafios significativos. A taxa de pobreza infantil de 25% é alarmante para um país com um histórico de políticas de bem-estar social avançadas. Além disso, a estagnação dos salários reais e o aumento da criminalidade durante o governo Lacalle Pou minaram a percepção pública sobre os ganhos econômicos, apesar de um crescimento estimado de 3,2% do PIB em 2024.

A agenda de Orsi inclui propostas como a redução da idade de aposentadoria, incentivo ao investimento no setor agrícola e fortalecimento de programas sociais. Contudo, a manutenção de uma política econômica responsável será crucial para atrair investimentos, especialmente diante das incertezas no campo internacional, marcado por conflitos e mudanças políticas, como a eleição de Donal Trump nos EUA e a crise política  na Alemanha.

A coesão nacional, portanto, não será alcançada apenas com discursos. Será necessário implementar políticas públicas que reduzam desigualdades e promovam segurança, ao mesmo tempo em que se mantém a responsabilidade fiscal e se atraem investimentos. Esses desafios internos, combinados com a necessidade de reposicionar o Uruguai no cenário regional, exigirão uma liderança política capaz de equilibrar prioridades conflitantes.

Fundamentos e Pensamento de Política Externa Uruguaia

A política externa uruguaia exemplifica como pequenos Estados podem navegar em um sistema internacional dominado por potências, equilibrando sua inserção regional e mundial. Ao longo de sua trajetória, o Uruguai tem demonstrado que a diplomacia, aliada a instituições democráticas sólidas, pode transformar limitações estruturais em oportunidades estratégicas.

Desde sua independência formal em 1830, o Uruguai foi construído sob o signo da mediação internacional. O conceito de Estado-tampão, cunhado para descrever sua posição estratégica entre Brasil e Argentina, reflete a necessidade intrínseca de evitar desequilíbrios regionais. A autonomia relacional, definida por sua habilidade de preservar soberania por meio de alianças balanceadas, emerge como um eixo central na formulação de sua política externa. A partir de sua fundação, o país combinou pragmatismo com ideais democráticos, utilizando instituições multilaterais como a Liga das Nações e, mais tarde, a ONU, para amplificar sua voz no cenário internacional..

Geopolítica e o Paradigma do Pequeno Estado

A geografia e o tamanho desempenham um papel crucial na política externa uruguaia. A estratégia do pêndulo, descrita por estudiosos, caracteriza-se por um movimento alternado de alianças com Brasil e Argentina, na tentativa de equilibrar influências e garantir autonomia. Este modelo, ainda que eficaz, tem sido desafiado nas últimas décadas por transformações no regionalismo sul-americano, especialmente a desarticulação do Mercosul e o surgimento de novos eixos de poder no mundo pós-Guerra Fria.

Como um pequeno Estado, o Uruguai opera dentro dos limites impostos por sua condição geopolítica, mas supera essas restrições com o uso estratégico de soft power. Sua atuação em missões de paz da ONU, como no Haiti e em conflitos na África, reforça sua imagem de mediador confiável, alinhada ao ideal de multilateralismo inclusivo, que busca maior equidade nas relações internacionais.

Ideologia, Partidos Políticos e Trajetórias Contraditórias

A política externa uruguaia está intimamente ligada às dinâmicas internas de seus partidos políticos. Historicamente, os colorados promoveram um modelo liberal, juridicista e multilateral, que valoriza o papel das instituições internacionais e o cosmopolitismo ocidental. Em contraste, os blancos adotaram um realismo resistente, focado na proteção da identidade nacional e na defesa contra imperialismos, especialmente norte-americano. Essa polarização ideológica gerou uma alternância nas estratégias externas do país, que ora privilegia a integração regional, ora busca acordos bilaterais com grandes potências.

O advento do Frente Amplio (FA) no governo, entre 2005 e 2020, introduziu novos elementos à política externa uruguaia. Influenciada pelo giro à esquerda latino-americano, a coalizão enfatizou o fortalecimento do Mercosul, a ampliação de parcerias com os BRICS e a retomada de relações com países historicamente marginalizados, como Cuba. Entretanto, desde a eleição de Lacalle Pou em 2020, observa-se um retorno ao pragmatismo liberal, com maior foco na atração de investimentos e na flexibilização das regras do Mercosul.

Multilateralismo como Pilar Estratégico

O multilateralismo é um traço distintivo da diplomacia uruguaia. Desde sua participação na Conferência de Haia em 1907, até sua atuação no Conselho de Segurança da ONU, o país consolidou um compromisso inabalável com a governança internacional baseada em normas. Esse engajamento reflete uma crença enraizada de que instituições internacionais podem servir como escudos normativos para pequenos estados, mitigando os efeitos das assimetrias de poder no sistema internacional​.

Esse enfoque não se limita a esferas políticas. O Uruguai foi pioneiro na promoção de direitos humanos e no combate às mudanças climáticas, posicionando-se como um ator relevante em debates globais sobre desenvolvimento sustentável. A adesão ao Tribunal Penal Internacional e o apoio a mecanismos de arbitragem internacional reforçam seu compromisso com a ordem baseada em regras.

Regionalismo em Declínio e Estratégias Alternativas

O regionalismo, historicamente central na política externa uruguaia, enfrenta desafios significativos. A estagnação do Mercosul, combinada com a falta de coordenação entre seus membros, levou o Uruguai a buscar novas alternativas. A tentativa de flexibilização das regras do bloco e a negociação de acordos bilaterais, especialmente com a China, ilustram um esforço de reposicionamento no cenário internacional. Essa abordagem pragmática reflete uma tentativa de superar as limitações impostas por estruturas regionais que, frequentemente, não conseguem atender às demandas específicas de um pequeno estado como o Uruguai, que depende fortemente da diversificação de mercados e de investimentos estrangeiros para sustentar seu crescimento econômico.

Além disso, o esvaziamento da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) evidencia a crise mais ampla do regionalismo na América do Sul. Criada como um mecanismo para fortalecer a integração política e econômica na região, a Unasul tornou-se inoperante devido às divisões ideológicas e à fragmentação das lideranças regionais. O fracasso em consolidar um projeto integrado de desenvolvimento e cooperação gerou um vácuo político que reduziu as opções estratégicas do Uruguai no contexto regional. Diante desse cenário, o país tem explorado novos caminhos, como a aproximação com a Aliança do Pacífico na qualidade de observador e o fortalecimento de parcerias extra-regionais. Essa dinâmica sinaliza uma mudança na visão do regionalismo, que deixa de ser um objetivo estratégico central para se tornar uma opção complementar em uma estratégia mais ampla de inserção internacional.

Lições para a Democracia e a Inserção Internacional

A vitória de Yamandú Orsi nas eleições presidenciais do Uruguai em 2024 é mais do que um marco para a política doméstica; é uma oportunidade para toda a América Latina refletir sobre seus desafios e potenciais. A trajetória do Uruguai, marcada por estabilidade institucional, resiliência democrática e um compromisso histórico com políticas inclusivas, destaca a importância de fortalecer os pilares da democracia em um continente frequentemente abalado por polarização, instabilidade e desigualdades.

A trajetória uruguaia oferece lições importantes para Estados democráticos que enfrentam desafios semelhantes. Primeiro, demonstra como instituições democráticas fortes podem legitimar políticas externas mesmo em contextos de alta dependência econômica. Segundo, destaca o valor do multilateralismo adaptativo, que combina a busca por novas parcerias globais com a preservação de compromissos regionais.

Além disso, o caso uruguaio evidencia o papel da consistência ideacional na construção de uma identidade internacional. Valores como paz, democracia e direitos humanos transcendem ciclos políticos, proporcionando continuidade e previsibilidade na política externa. Pequenos estados, como o Uruguai, têm muito a ensinar sobre como maximizar influência em um sistema internacional marcado por assimetrias.

A vitória de Yamandú Orsi trouxe à tona a necessidade de promover coesão em um cenário político fragmentado, não apenas no Uruguai, mas em toda a América Latina. Com uma margem estreita, Orsi reconheceu a divisão existente no país e destacou a importância de incluir todos os cidadãos, independentemente de suas preferências políticas, no processo de reconstrução nacional. 

As eleições no Uruguai demonstram que é possível adotar uma abordagem de moderação e diálogo mesmo em um ambiente politicamente dividido. Em uma América Latina marcada pela polarização e pelo crescimento de discursos populistas e autoritários, o exemplo de Orsi oferece um contraponto valioso. Contudo, o sucesso de sua administração dependerá de sua capacidade de transformar palavras em ações, promovendo políticas inclusivas que atendam às necessidades de todos os uruguaios.

Com a eleição de Yamandú Orsi, espera-se uma reorientação estratégica em direção a um regionalismo mais alinhado aos princípios históricos do Mercosul. Orsi já sinalizou sua intenção de reconstruir a confiança no bloco, defendendo uma integração que vá além do comércio, abrangendo questões cruciais como a transição energética, a segurança alimentar e o combate às mudanças climáticas. Essa abordagem reflete a tradição da Frente Ampla, que historicamente defendeu uma visão mais ampla e inclusiva para a integração regional, promovendo também dimensões sociais e culturais.

Conclusão

O exemplo do Uruguai nas eleições de 2024 e sua trajetória democrática demonstram que o desenvolvimento das instituições vai muito além do ato de votar. Instituições sólidas são o alicerce de uma democracia funcional, mas sua força reside na capacidade de sustentar os direitos dos cidadãos, mediar conflitos, promover igualdade e garantir a transparência. Elas precisam ser espaços vivos, que cultivem a participação cívica, incentivem o diálogo e se adaptem aos desafios de um mundo em constante transformação.

A cooperação regional é igualmente essencial nesse processo. O fortalecimento de blocos como o Mercosul não deve se limitar ao comércio, mas deve envolver a construção de redes que compartilhem boas práticas institucionais, promovam a justiça social e enfrentem coletivamente problemas transnacionais como as mudanças climáticas, segurança alimentar e desigualdades econômicas. Somente através de uma integração regional robusta será possível alinhar esforços para fortalecer democracias e criar resiliência diante de crises.

No plano internacional, a América Latina tem a chance de liderar debates sobre uma ordem global mais inclusiva, que valorize a igualdade entre nações e respeite a soberania e os direitos humanos. A multipolaridade emergente oferece oportunidades para a região se reposicionar como um ator relevante, mas isso exige que seus países trabalhem juntos, apresentando-se como uma frente coesa e integrando-se de maneira significativa aos fóruns globais.

O Uruguai, com sua estabilidade democrática, políticas inclusivas e compromisso com o multilateralismo, destaca-se como um modelo de como países podem liderar pelo exemplo. No entanto, o futuro da América Latina depende da capacidade de outros estados seguirem esse caminho, reconhecendo que a democracia não se constrói apenas com votos, mas com instituições vibrantes, cidadãos capacitados e uma visão compartilhada de progresso. O fortalecimento institucional, a cooperação regional e a busca por uma ordem internacional mais justa são as chaves para superar os desafios e construir um futuro mais próspero e igualitário para a região e o mundo.

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Guilherme Bueno

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