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Direitos Humanos das Mulheres: análise comparada dos avanços e desafios no Brasil e no Chile

Este estudo pretende realizar uma análise acerca dos cruzamentos entre Direitos Humanos e Movimentos Feministas no Brasil e no Chile com o objetivo de saber se estes direitos são reconhecidos e assegurados nos dois países. Para melhor compreensão do tema foi apresentada, primeiramente, uma construção histórica dos movimentos feministas no Brasil e no Chile, com o objetivo de se compreender como surgiu e se desenvolveu a luta pelos direitos das mulheres nestes países. Em seguida, foi retratada as quatro conferências mundiais das mulheres – México (1975), Copenhague (1980), Nairóbi (1985), Beijing (1995) – realizada pelas Nações Unidas com o objetivo de tornar a igualdade entre mulheres e homens uma preocupação central na agenda internacional, incentivando os Estados a incorporar os direitos das mulheres nas políticas nacionais. Por fim, são expostas, analisadas e comparadas as principais leis brasileiras e chilenas que prezam pelos direitos humanos das mulheres. Para viabilizar o estudo foi feita uma pesquisa bibliográfica com as autoras feministas Teles (2017), Blay e Avelar (2017). Para a análise quantitativa foram usados dados estatísticos através de um estudo realizado pelo IBGE e pela ONG Human Rights Watch. O Brasil e o Chile possuem uma tradição histórica patriarcal e iniciaram o século XXI elegendo mulheres para a presidência, criaram leis que prezam pelos direitos humanos das mulheres incluindo temas que foram debatidos nas conferências mundiais. Apesar dessas importantes conquistas, ainda existem vários aspectos em que os dois países precisam avançar para que os Direitos Humanos das mulheres sejam plenamente respeitados e assegurados.

Introdução

O Brasil e o Chile possuem uma cultura patriarcal nos domínios da vida pública e privada. Dessa forma, no presente artigo será abordado sobre as mobilizações feministas na conquista dos direitos humanos das mulheres nestes dois países, perpassando pelas Conferências Mundiais sobre as mulheres, na transição do final do século XX para o século XXI, indo até o início do ano de 2019. Essas conquistas são primordiais para a constituição de um Estado que preze pela justiça social e igualdade.

Para análise do tema, o estudo foi dividido em três tópicos principais. O primeiro tópico se concentrou em apresentar a história dos movimentos feministas no Brasil e no Chile, com o objetivo de mostrar a importância histórica de se assegurar os Direitos Humanos para as mulheres. O segundo tópico visou identificar os Direitos Humanos das mulheres garantidos pelas Conferências mundiais da mulher, realizadas pelas Nações Unidas no México (1975), em Copenhague (1980), em Nairóbi (1985) e, em Beijing (1995). Por fim, o terceiro tópico se concentrou em verificar as principais leis existentes na legislação brasileira e chilena em prol dos Direitos Humanos das mulheres.

Portanto, com o intuito de possibilitar a pesquisa acerca dos avanços e desafios nos Direitos Humanos das mulheres no Brasil e Chile na transição do século XX e XXI, o estudo utilizou o método analítico descritivo, aplicado a uma análise comparada, com pesquisa bibliográfica em fontes primárias e secundárias. Com a finalidade de complementar a construção metodológica da pesquisa, foram utilizados dados estatísticos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da ONG Human Rights Watch.

A importância Histórica dos Direitos Humanos para as Mulheres

A história dos Direitos Humanos ganhou destaque em sua concepção contemporânea introduzida pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) em 1948, e reiterada pela Declaração de Direitos Humanos de Viena em 1993. Essa percepção surgiu do movimento de internacionalização dos direitos humanos no pós-Segunda Guerra Mundial em resposta às atrocidades realizadas durante o nazismo (PIOVESAN, 2014). Entretanto, a luta pela obtenção desses direitos humanos pelas mulheres é realizada desde antes da DUDH.

Nesse contexto, o feminismo, em seu significado amplo, é um movimento político que questiona a opressão, as relações de poder e a exploração de grupos de pessoas sobre outras. Partindo desse pressuposto, o movimento feminista se caracteriza por lutar para que as mulheres sejam reconhecidas como cidadãs e tenham seus direitos garantidos (TELES, 2017).

Sendo assim, destaca-se que a definição da palavra “sexo” se refere às diferenças biológicas entre as mulheres e homens. E, no presente trabalho a ‘mulher’ será definida por meio de “gênero”, que é estabelecido aqui como “às diferenças socialmente construídas em atributos e oportunidades associadas com o sexo feminino ou masculino e as interações e relações sociais entre homens e mulheres.”.

Histórico da Luta Feminista no Brasil

Na primeira República (1889-1930), ocorreu um movimento pelo voto. Em 1910, Deolinda Dalho fundou o Partido Feminino Republicano, no qual defendia que os cargos públicos deveriam ser abertos a todos, sem discriminação de sexo. Em 1920, Bertha Lutz organizou a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, contribuindo para a luta da mulher pela conquista do voto (TELES, 2017).

Mas foi na segunda República (1930-1945) que o direito de voto das mulheres se tornou realidade. O voto feminino foi incorporado à Constituição Brasileira de 1934, e Carlota Pereira de Queirós foi a primeira mulher constituinte do Brasil (TELES, 2017).

Durante a Ditadura Militar (1964-1985) as mulheres foram as primeiras a se mobilizarem à procura de respostas para o que estava acontecendo. Algumas foram à procura de parentes presos ou desaparecidos políticos. Outras chegaram a participar de organizações clandestinas, determinadas a lutar ao lado dos homens pela libertação do Brasil. Outras, ainda, foram em busca do mercado de trabalho, uma vez que este absorvia a mão-de-obra feminina de maneira expressiva (TELES, 2017).

Com o fim da Ditadura militar, as mulheres elaboraram “A Carta da Mulher Brasileira” e apresentaram aos Constituintes, o que motivou debates em todo o país, e ficou conhecida como o “Lobby do Batom”. Abordando não apenas questões específicas do movimento feminista, como também outros temas de natureza social. Defendiam “a justiça social, a criação do Sistema Único de Saúde, o ensino público e gratuito em todos os níveis, autonomia sindical, reforma agrária tributária, negociação da dívida externa, entre outras propostas” (MOREIRA, 2016, p. 225).

A violência contra a mulher é uma pauta antiga de combate no movimento feminista, devido a sua naturalização. Nessa perspectiva, Maria da Penha é protagonista nessa questão por ter lutado contra a negligência, a omissão e a intolerância à violência contra a mulher. Maria ficou paraplégica depois de levar um tiro de seu companheiro. Sem obter ajuda da justiça brasileira, denunciou o país à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA), o que resultou na condenação do Brasil por omissão e negligência diante da violência doméstica. Esse fato levou o Estado brasileiro a revisar suas políticas públicas em relação à violência contra a mulher e, foi criada a Lei 11.340/2006, que leva o nome de Maria da Penha.

Outra conquista importante para as mulheres foi a eleição da Dilma Rousseff, a primeira presidenta da república, em 2010. Isso porque a representatividade feminina nos espaços de poder e decisão é muito tímida, segundo dados de 2018, elas são 10,5% do total de deputados federais. Assim, ter uma mulher no mais alto cargo de poder significou uma representatividade para o movimento feminista indicando que as mulheres podem alcançar tudo que desejarem, que elas não devem se limitar por serem mulheres.

Portanto, as mulheres brasileiras lutaram pela conquista de direitos, deveres e oportunidades sem discriminação quanto ao gênero, e suas conquistas foram inquestionáveis. Porém, ainda falta conseguir o combate derradeiro pela equidade entre ambos os sexos, ou seja, a meta final a ser alcançada no século XXI é uma sociedade sem desigualdades sociais de gênero.

Histórico da Luta Feminista no Chile

No ano de 1935, foi criado o MEMCH (Movimiento Pro-Emancipación de las mujeres de Chile), formado por mulheres que tinham como proposta a “emancipação econômica, jurídica, biológica e política da mulher” (CASTILLO, 2014, p.185, tradução nossa).

Além disso, surgiram outras organizações de mulheres que foram se multiplicando e em 1944, foi estruturada a Federación de Instituciones Femeninas de Chile (FECHIF) e assim, conseguiram seus direitos políticos em 1949 (GAVIÓLA et al., 2008). A partir disso, as mulheres passaram a poder eleger e serem eleitas.

Entre 1973 e 1989, o Chile enfrentou uma dura Ditadura civil-militar e o movimento feminista renasce como uma forma de resistência à opressão imposta pelo governo autoritário de Pinochet. Dessa forma, as mulheres se organizaram para lutar pela democracia e em defesa dos seus direitos efetuando uma dupla militância, no movimento feminista e, também nos partidos de esquerda (PEDRO; WOITOWICZ, 2009).

Foi eleita a primeira mulher na presidência do Chile (Michelle Bachelet) no ano de 2006 e, junto com ela mulheres conquistaram passagens pelas esferas de poder (BLAY; AVELAR, 2017). Esse fato mostra que as mulheres são capazes de contribuir para a mudança democrática ocupando espaços de poder importantes na sociedade, além de colaborar para o empoderamento feminino e para a transformação cultural.

Assim, o movimento feminista chileno enfrenta desafios para se firmar no século XXI, como construir novos mundos, novas relações humanas e novas possibilidades. Como também, incorporar os aprendizados e conquistas dos movimentos feministas anteriores aos debates de hoje, conceder um caráter histórico à ação e pensamento feminista, dando continuidade às experiências acumuladas, para não precisar iniciar do zero.

Os Direitos Humanos das Mulheres garantidos pelas Conferências das Nações Unidas

Ao longo dos anos, a Organização das Nações Unidas realizou importantes conferências internacionais em prol dos Direitos Humanos das Mulheres. Desse modo, a Comissão sobre a Situação das Mulheres (CSW) organizou a realização de quatro Conferências Mundiais sobre a Situação das Mulheres: (i) México em 1975; (ii) Copenhague em 1980; (iii) Nairóbi em 1985; e (iv) Pequim em 1995.

A finalidade dessas Conferências era fazer com que a igualdade entre homens e mulheres se tornasse um tema central da agenda internacional, realizando a aproximação dos Estados em proveito de objetivos comuns, compreendendo a evolução das mulheres em todos os níveis e lugares. Portanto, a luta pelo empoderamento feminino conquistou o reconhecimento internacional na segunda metade do século XX com a realização das Conferências Mundiais sobre as mulheres pela ONU (RUBIN, 2012).

A I Conferência Mundial da Mulher

O ano de 1975 foi denominado, pela Organização das Nações Unidas, como o Ano Internacional da Mulher. Dessa forma, foi realizada a Primeira Conferência Mundial sobre a Situação da Mulher na Cidade do México, sob o lema “Igualdade, Desenvolvimento e Paz”, e tema central: a eliminação da discriminação da mulher e o seu avanço social. A partir dessa conferência uma nova etapa de esforços para alcançar a igualdade de gênero foi iniciada, representando um símbolo na luta em prol das mulheres.

O Brasil e o Chile estavam representados por suas delegações, ainda que não fossem formadas por maioria mulheres, nessa Conferência. No Brasil, através dessa iniciativa da ONU com a I Conferência Internacional e com a luta pela defesa dos Direitos Humanos das mulheres, ocorreram atividades públicas sob o tema “O papel e o comportamento da mulher na realidade brasileira”, com o propósito de juntar ativistas e pessoas interessadas em debater a real condição da mulher brasileira na sociedade (MOREIRA, 2016).

Já em relação ao Chile, durante a realização da I Conferência Mundial, este país estava sob o regime ditatorial. Dessa forma, com a ditadura chilena homens e mulheres tiveram uma distância hierárquica, mesmo quando a mulher conquistou alguma extensão do seu status legal. Assim, ocorreu uma aversão, em relação a uma política internacional que versava pela busca da igualdade entre mulheres e homens, por parte do governo ditatorial, que possuía valores de uma tradição patriarcal.

A II Conferência Mundial da Mulher

A II Conferência Mundial ocorreu em 1980, em Copenhague, com o tema: “Educação, Emprego e Saúde”. O objetivo da Conferência de Copenhague era a avaliação dos avanços atingidos desde 1975 e a revisão das premissas feitas naquele ano.

O Brasil e o Chile também contavam com representação nessa Conferência. No Brasil, através da influência da II Conferência, conduziu-se um exame da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) e dos Códigos Civil e Penal. Essa ação contou com a contribuição de juristas mulheres, estudiosas e pesquisadoras e militantes do movimento feminista. Desse modo, projetos que exprimem as reivindicações das mulheres, mas que não tiveram a oportunidade de ter os interesses apoiados, foram submetidos a artigos através de discussão, cláusulas e parágrafos.

Em relação ao Chile, mais uma vez a situação das mulheres nesse país foi pauta do debate na Conferência. Discutiu-se sobre a preocupação em relação a violação dos direitos humanos a que as mulheres chilenas estavam sendo submetidas, além das condições degradantes que as mulheres encarceradas e condenadas estavam sujeitas no Chile.

A III Conferência Mundial sobre a Mulher

No ano de 1985, em Nairóbi, foi realizada a III Conferência Mundial sobre a Mulher com o título: “Conferência Mundial para a revisão e Avaliação das Realizações da Década das Nações Unidas para a Mulher: Igualdade, Desenvolvimento e Paz”; e, como tema central: “Estratégias Orientadas ao Futuro, para o Desenvolvimento da Mulher até o Ano 2000”. Foi a partir desta Conferência que os esforços para a igualdade de gênero ganharam proporções globais. O encontro foi identificado como o “nascimento do feminismo global”.

O Brasil e o Chile estavam presentes nessa Conferência. Este evento aconteceu quando o Brasil estava sob o processo de redemocratização, com a instituição do primeiro governo civil pós ditadura militar. Essa conjuntura contribuiu para a abertura de oportunidades para a adesão de políticas com o propósito de desenvolver a igualdade de gênero. Dessa forma, foi criado o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM) em 1985, como resposta a pressão do movimento das mulheres (FONTÃO, 2011).

O Chile ainda estava sob regime militar e as mulheres continuavam lutando pela democracia, desse modo, foi criado em 1984 o Centro de Estudios de la Mujer (CEM). Assim como, antecedendo a realização da Conferência, em 1983, as mulheres chilenas organizaram a primeira passeata feminista, utilizando as palavras de ordem: “Democracia Ahora! Movimiento Feminista”. (BLAY; AVELAR, 2017 p. 342).

A IV Conferência Mundial sobre a Mulher

No ano de 1995, em Pequim, foi realizada a IV Conferência Mundial sobre a Mulher, com o tema central: “Ação para a Igualdade, o Desenvolvimento e a Paz”. Essa Conferência inaugurou uma nova fase no tratamento das questões das mulheres e, também reiterou o comprometimento com ações específicas para assegurar o respeito aos direitos humanos delas. Foi o evento com maior impacto global e com maior número de participantes, se comparada às outras três.

Esta IV Conferência Mundial uniu todas as resoluções admitidas nas três conferências anteriores. Desse modo, a Declaração e Plataforma de Ação de Pequim surgiu reunindo doze áreas temáticas tidas como prioritárias pelos Estados: as mulheres e sua relação com a pobreza, educação e capacitação de mulheres, as mulheres e saúde, a violência contra a mulher, mulheres e conflitos armados, as mulheres e a economia, mecanismos institucionais para o avanço das mulheres, a garantia dos Direitos Humanos das Mulheres, mulheres e a mídia, mulheres e o meio ambiente e Direitos das meninas.

A Declaração e Plataforma de Ação foi assinado pelo Brasil em 1995. E este país teve uma participação ativa na IV Conferência. Contou com o diálogo entre Governo e sociedade civil, bem como a interação construtiva com os outros Poderes do Estado, em particular, com representantes e parlamentares de conselhos municipais e estaduais sobre a situação feminina.

O Chile participou da IV Conferência Mundial sobre a mulher e assinou a Declaração e Plataforma de Ação em 1995. Dessa forma, ocorreu um fortalecimento dos Mecanismos Institucionais de Equidade de Gênero no período compreendido entre 1995 e 2014, o que foi fundamental para a solidificação de uma institucionalidade que reconhece a importância do trabalho baseado em uma perspectiva de gênero, com o propósito de superar as desigualdades entre homens e mulheres no Chile.

As Leis brasileiras e chilenas em prol dos Direitos Humanos das Mulheres: respeito e prática

As principais Leis brasileiras

Os avanços na legislação brasileira foram resultado de lutas com mobilizações e estratégias que possui vários progressos conquistados. Nesse aspecto, os direitos das mulheres foram conquistados e ampliados durante os anos, principalmente com a Constituição de 1988, caracterizando a obtenção de conquistas da sociedade como um todo (RODRIGUES; CORTÊS, 2006).

No seu artigo 5º a CF/88 diz que:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (EC no 45/2004) I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.

A partir do que foi exposto no artigo 5º e com o esforço da ONU para que seus signatários incluíssem aspectos da sua Carta na Constituição do país e, conjuntamente com a luta interna no Brasil, as mulheres começaram a ser vistas como indivíduos que também merecem ter seus direitos humanos garantidos e respeitados.

Em 2006 foi criada uma legislação específica para a questão da violência doméstica, conhecida como lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/06), a qual criou mecanismos para prevenir e penalizar com efetividade a violência doméstica contra a mulher (MOREIRA, 2016). E, em março de 2015 foi promulgada a lei nº 13.104, chamada de lei do feminicídio, qualificando esse ato como crime hediondo.

Porém, a situação da violência contra as mulheres se mostra alarmante no Brasil. A ONG internacional Humans Rights Watch (HRW), no início do ano de 2019, definiu esses casos de violência contra o gênero feminino no Brasil de “epidemia”.

Sobre a legislação do aborto, atualmente de acordo com o Código Penal Brasileiro em seu artigo 124, provocá-lo pela gestante ou com seu consentimento é considerado crime. No artigo 128 do Código Penal há dois casos em que a realização do aborto não acarreta punição: nos casos de risco de vida da mãe e em gravidez decorrente de estupro. O aborto também foi descriminalizado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2012 nos casos de fetos anencéfalos.

Devido a criminalização do aborto no Brasil, muitas mulheres fazem esse procedimento de maneira insegura, o que provoca prejuízos a sua saúde e, isso se caracteriza em uma violação dos direitos humanos. As mulheres devem ter uma assistência preventiva da gravidez indesejada em respeito aos direitos humanos das que pretendem abortar.

Ademais, o Brasil é um dos países com pior desempenho quando se trata da presença feminina na Câmara dos Deputados. Isto posto, foram aprovadas duas legislações com o propósito de proporcionar a participação das mulheres na política representativa. A Lei 9.100/1995 que no seu artigo 11 dispõe que: “§ 3º Vinte por cento, no mínimo, das vagas de cada partido ou coligação deverão ser preenchidas por candidaturas de mulheres.” E, a lei 9.504/1997, no artigo 10, § 3º diz que cada partido ou coligação deverá preencher o mínimo de 30% e máximo de 70% para candidaturas de cada sexo.

É imprescindível para o avanço dos direitos das mulheres que elas tenham oportunidades e participem efetivamente da vida pública, nas áreas cívica e política, ocupando posições de liderança no setor público e privado. Porém, mesmo com a existência das cotas, em 2017, de acordo com IBGE:

[…] o percentual de cadeiras ocupadas por mulheres em exercício no Congresso Nacional era de 11,3%. No Senado Federal, composto por eleições majoritárias, 16,0% dos senadores eram mulheres e, na Câmara dos Deputados, composta por eleições proporcionais, apenas 10,5% dos deputados federais eram mulheres.

Destaca-se que a diferença entre as leis e a realidade só será transformada com a ação política. Por isso, é imprescindível que os órgãos do Governo trabalhem em conjunto com outros órgãos governamentais com o objetivo de implementar Planos Nacionais de políticas em prol dos direitos das mulheres. Assim como a sociedade civil deve continuar se organizando para a promoção de ações que fortaleçam as mulheres, através do monitoramento crítico das políticas públicas e da atuação dos judiciários e legisladores sobre esse tema. Por fim, no cenário internacional existem vários instrumentos em favor dos direitos humanos das mulheres que o Brasil assinou e ratificou, logo, o país possui mecanismos para mudar essa realidade.

As Principais Leis chilenas

A Carta Fundamental do Chile consagra princípios fundamentais para que os direitos das mulheres sejam alcançados e à violência contra elas seja combatida. Assim, na Constituição Política, no art. 9 há referências ao princípio da igualdade: “as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos.”, também no artigo 9º: “homens e mulheres são iguais perante a lei.”.

A violência contra as mulheres provoca sérias consequências para a saúde mental, física, reprodutiva e sexual delas. Sendo assim, foi sancionada a lei 20.066/2005, que substituiu a anterior sobre violência doméstica. Esta nova lei estabelece como responsabilidade do Estado a criação de políticas para a prevenção da violência doméstica em proteção das vítimas, eleva as penas, elimina a qualificação de lesões leves e aperfeiçoa as medidas de proteção às vítimas de violência. Foi publicada em 2010 a Lei 20.480 que trata sobre o Feminicídio, modificando a lei 20.066.

Sobre a questão da saúde da mulher, o Chile proibiu o aborto, independente da circunstância da gravidez, durante 28 anos. E, esse fato terminou em 2017, quando o Tribunal Constitucional sancionou uma lei descriminalizando o aborto em três situações: quando a mãe corre risco de vida, a gravidez é decorrente de estupro e a inviabilidade fetal letal. À vista disso, a Lei nº 21.030 foi promulgada no dia 14 de setembro de 2017, regulamentando a descriminalização do aborto. Órgãos de tratados de direitos humanos já recomendavam ao Chile mudar a legislação anterior que era completamente punitiva para uma que permite o aborto em algumas circunstâncias.

Sobre a participação política das mulheres, ocorreu um crescimento ao longo dos anos no Chile. Nessa circunstância, foi feita uma política de paridade de gênero, por decisão presidencial, no gabinete do governo, com o objetivo de aumentar a participação das mulheres no poder executivo. Logo, junto com a posse da primeira mulher Presidente, no ano de 2006, se introduziu um Gabinete paritário, pela primeira vez, em que se nomeou número igual de homens e mulheres nos gerenciamentos regionais e governos provinciais.

Assim, entre os anos de 1990 e 2013, o percentual de mulheres chilenas no nível parlamentar passou de mais de 5% para 15,8%, ficando abaixo da média regional (28,1%). Entretanto, esse aumento restrito ocorreu devido à baixa indicação de mulheres nas eleições parlamentares e não pela falta de elegibilidade. Pois, de acordo com o Observatório Político Eleitoral da Universidade Diego Portales, do total de indicações 84,6 % representavam homens e 15,4% as mulheres.

Em vista disso, o Chile é um país definido por desigualdades sociais graves e discriminação por gênero, também apresenta uma democracia deficitária quando observada pela ótica da participação e representação, assim como possui enclaves conservadores e autoritárias. Logo, os movimentos feministas chilenos continuam a lutar pela conquista da plena igualdade entre mulheres e homens no país.

Comparação entre os Direitos Humanos das Mulheres no Brasil e no Chile

O reconhecimento dos direitos humanos das mulheres no Brasil e no Chile pode ser apontado como lento e incompleto, apesar de alguns avanços. Em vista disso, os movimentos feministas de ambos são, no sistema internacional, um dos mais evidenciados. Os dois países passaram por períodos sociopolíticos paralelos e começaram o século XXI elegendo mulheres para a presidência do país (BLAY; AVELAR, 2017). O feminismo no Brasil e no Chile possui suas especificidades e se conectam em alguns aspectos.

No Brasil e no Chile ocorreu uma significativa participação dos movimentos feministas na luta contra as ditaduras militares e a reinstalação da democracia. Assim sendo, a participação das mulheres nos processos de redemocratização dos países afirmou o comprometimento dos Estados com a inserção delas como sujeitos de direitos.

Nessa perspectiva, as mulheres conquistaram alguns direitos significativos nas legislações de ambos os países. Como por exemplo a lei sobre violência doméstica – no Chile em 2005 e no Brasil em 2006 – e; a lei sobre feminicídio – no Brasil em 2015 e no Chile em 2010. Apesar dessas leis terem sido sancionadas em anos diferentes nos respectivos países, ambos se conectam quanto ao crescente número de casos de violência doméstica e feminicídio.

Nos dois países ainda existe uma presença forte de posições conservadoras e religiosas na câmara, que tem como consequência o impedimento de alguns avanços significativos nas questões de gênero. Em relação a isso, podemos citar o caso da descriminalização do aborto, em que no Brasil de acordo com o código penal este é permitido em caso de estupro, risco de vida da mãe e a partir de 2012 também em casos de fetos anencéfalos. Porém, essa ainda é uma discussão no Brasil, devido ser uma questão de saúde pública da mulher, mas a bancada conservadora impede o prosseguimento do debate para que o aborto não seja descriminalizado totalmente. E, no Chile, o aborto só foi ser descriminalizado em caso de estupro, risco de vida da mãe e da inviabilidade fetal letal em 2017, ainda assim existe muita resistência do setor conservador quanto a permissão do aborto mesmo agora sendo permitido por lei.

Outra questão em que os dois países se conectam é sobre a representação feminina nos espaços de poder político, uma vez que tanto Brasil como Chile necessitam, com urgência, superar o nível de sub-representação feminina na política. Assim, mesmo os dois países possuindo leis de cotas para que as mulheres tenham maior espaço nos cargos políticos, esse número ainda é baixo.

Por fim, no Brasil, as trocas de governos e a volatilidade e fragilidade dos mecanismos institucionais demonstram que as diretrizes das políticas públicas são constantemente reorientadas segundo os projetos político-ideológicos. Por conseguinte, os processos participativos dos movimentos feministas não possuem força para manter os espaços e as orientações políticas conquistadas na desgastada democracia brasileira.

E, em relação ao Chile, percebe-se que mesmo com a permanência de governos centro-esquerda nas últimas três décadas não foi possível abrir espaço para mudanças necessárias quanto a garantia de direitos fundamentais às mulheres. Mesmo com o país tendo garantido políticas fortes para as mulheres no começo dos anos 1990, não conseguiu assegurar direitos reprodutivos e sexuais mínimos a elas.

Considerações Finais

Este estudo mostrou que os movimentos feministas do Brasil e do Chile construíram uma história de mobilizações em prol dos direitos humanos das mulheres junto à Organização das Nações Unidas. Esse protagonismo feminino foi materializado em negociações de alcance internacional e nacional, reconhecendo as mulheres como sujeitos de direitos plenos.

Consequentemente, os movimentos feministas brasileiro e chileno foram influenciados pelos ativismos globais sobre os direitos humanos das mulheres, principalmente pelas quatro conferências mundiais realizadas pelas Nações Unidas. Mas percebeu-se que ainda existe uma realidade com desigualdades significativas de violência de gênero, poder, saúde reprodutiva, entre outras questões que evidenciam a importância da luta feminista permanecer reivindicando a igualdade de gênero.

A pesquisa mostrou que as mulheres conquistaram importantes avanços na garantia de seus Direitos Humanos no Brasil e no Chile. Porém, constata-se que ainda são insuficientes para a plena igualdade de oportunidades entre homens e mulheres. Uma vez que é preciso que os direitos contidos nas constituições dos dois países sejam plenamente garantidos e funcionem de forma adequada para combater as desigualdades e injustiças ainda existentes.

Sendo assim, a garantia dos direitos humanos das mulheres tanto a nível internacional como nacional é imprescindível para o alcance do empoderamento feminino, uma vez que esta não deve ser uma agenda opcional dos Estados e sim uma urgente prioridade que proporcione forças as mulheres, com a finalidade de avançar perante circunstâncias adversas. Por isso, fortalece o estudo das Relações Internacionais, uma vez que o alcance da igualdade entre homens e mulheres e do empoderamento feminino são importantes para o avanço dos Estados e do mundo como um todo. Portanto, o desafio do Brasil e do Chile é a conquista de uma sociedade em que homens e mulheres – possuidores de uma história diferente – tenham a garantia de atuar no seu país com pleno desenvolvimento de sua cidadania e com igualdade de condições.

Referências Bibliográficas

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CASTILLO, Alejandra. El Desorden de la Democracia: Partidos Políticos de Mujeres en Chile. Santiago de Chile: Palinodia, 2014.

FONTÃO, Maria Angélica Breda. As Conferências da ONU e o movimento de mulheres: construção de uma agenda internacional. 2011. 68 f. Monografia (Especialização) – Curso de Relações Internacionais, Universidade de Brasília, Brasília, 2011.

GAVIÓLA, Edda et al. “Queremos votar en las proximas elecciones”: Historia del movimiento femenino chileno 1913-1952. Santiago de Chile: Lom, 2008.

MOREIRA, L. A. Direito e Gênero: A Contribuição Feminista para a Formação Política das Mulheres no Processo de (Re) Democratização Brasileiro. Gênero & Direito, [s.l.], v. 5, n. 1, p.217-255, 29 abr. 2016.

PEDRO, Joana Maria; WOITOWICZ, Karina Janz. O Movimento Feminista durante a ditadura militar no Brasil e no Chile: conjugando as lutas pela democracia política com o direito ao corpo. Dossiê Gênero, Feminismo e Ditaduras, Paraná, v. 1, n. 21, p.43-55, jul. 2009.

PIOVESAN, Flávia. A proteção internacional dos direitos humanos das mulheres. Cadernos Jurídicos, São Paulo, v. 15, n. 38, p.21-34, jan./abr. 2014.

RODRIGUES, Almira; CORTÊS, Iáris Ramalho (Orgs.). Os Direitos das Mulheres na legislação brasileira pós-constituinte. Brasília: Cfemea, 2006.

RUBIN, Beatriz. O papel das conferências mundiais sobre as mulheres frente ao paradigma do empoderamento feminino. Leopoldianum, Santos, v. 38, n. 104/105/106, p.61-84, 2012.

TELES, Maria Amélia de Almeida. Breve história do feminismo no Brasil e outros ensaios. 2. ed. São Paulo: Editora Alameda, 2017.

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