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Os BRICS Estão Desafiando a Ordem Internacional Liderada pelos EUA?

Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos emergiram como a principal potência, moldando uma ordem internacional baseada em regras projetadas para preservar sua hegemonia. Essa ordem, frequentemente chamada de “sistema liberal internacional”, é sustentada por instituições criadas no pós-guerra, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial e a Organização das Nações Unidas (ONU). Esses organismos estabeleceram os alicerces de uma estrutura política e econômica mundial centrada na promoção do livre comércio, estabilidade monetária e segurança coletiva, com os EUA no centro de sua governança.

O fim da Guerra Fria em 1991 consolidou essa posição de liderança. Com o colapso da União Soviética, os EUA se tornaram a única superpotência, reforçando a noção de um mundo unipolar. Durante as décadas seguintes, o dólar permaneceu como a principal moeda de reserva, enquanto instituições como a Organização Mundial do Comércio (OMC) expandiram o alcance do sistema liderado pelo Ocidente. No entanto, a ascensão econômica de novas potências ao longo do século XXI começou a questionar essa ordem estabelecida.

Os BRICS, originalmente formados por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, representam a resposta mais visível a esse sistema. Desde sua criação, em 2009, o bloco tem buscado não apenas maior espaço nas instituições internacionais, mas também a criação de alternativas às estruturas existentes. A recente expansão do BRICS para incluir países como Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita, Irã, Etiópia e Egito marca um momento significativo nesse movimento, indicando uma tentativa mais assertiva de reformar — ou até substituir — a ordem internacional liderada pelos EUA.

Este artigo explora a ascensão dos BRICS e seu impacto na ordem internacional, discutindo como o bloco se posiciona frente às dinâmicas de poder estabelecidas, os desafios que enfrenta e suas implicações para o futuro do sistema internacional.

De Acrônimo Econômico a Protagonista 

Originalmente idealizado como um acrônimo para identificar economias emergentes — Brasil, Rússia, Índia, China e, posteriormente, África do Sul —, o BRICS evoluiu para um agrupamento político e econômico com ambições de impactar a ordem internacional. Nos últimos anos, especialmente com a inclusão de novos membros como Arábia Saudita, Irã, Emirados Árabes Unidos, Egito e Etiópia, o bloco está se consolidando como uma coalizão diversificada que busca representar os interesses do Sul Global.

Diferentemente de sua fase inicial, em que seu papel era limitado a discussões sobre desenvolvimento e crescimento econômico, o BRICS agora avança em agendas geopolíticas, econômicas e institucionais, exercendo pressão por uma reforma das normas internacionais. Este fortalecimento pode ser visto como uma tentativa de promover maior equilíbrio de poder frente às potências ocidentais e de desafiar os pilares da hegemonia norte-americana.

Indicadores de Influência

Os dados demonstram o crescente peso estratégico do BRICS no cenário internacional:

  • População: Os membros representam aproximadamente 40% da população mundial, o que lhes confere um significativo potencial demográfico para moldar tendências em consumo, inovação e força de trabalho.
  • Economia: O BRICS ultrapassou o G7 em termos de paridade de poder de compra (PPP), respondendo por 31,5% do PIB mundial, enquanto o G7 representa 30,7%. Esse avanço evidencia o impacto econômico de mercados emergentes na redefinição do equilíbrio internacional.
  • Recursos Naturais: A inclusão de países como Arábia Saudita e Irã, grandes exportadores de petróleo e gás, fortalece o BRICS em mercados estratégicos. Com essas adições, o bloco pode alcançar uma influência comparável à OPEP na definição dos preços de energia em todo o mundo.

Esses fatores consolidam o BRICS como uma força emergente capaz de desafiar a dominância do Ocidente, particularmente dos Estados Unidos, que têm utilizado o dólar como ferramenta central de seu poder econômico internacional.

Um Novo Papel: Liderar o Sul Global

O BRICS está se transformando de um grupo de economias emergentes em uma coalizão política mais ampla, com a ambição de liderar o Sul Global. Essa evolução reflete não apenas a busca por maior representatividade nas instituições internacionais, mas também o desejo de promover reformas que deem voz a países historicamente marginalizados.

Enquanto no passado o BRICS limitava sua atuação a pautas econômicas, como financiamento de infraestrutura e crescimento comercial, agora está ampliando sua agenda para incluir temas como governança tecnológica, segurança energética e multipolaridade geopolítica. Isso reforça sua capacidade de exercer pressão coletiva por uma reconfiguração da ordem internacional ou, ao menos, por reformas que garantam maior equilíbrio entre os interesses do Norte e do Sul globais.

Como coalizão, o BRICS ainda enfrenta desafios internos, como a disparidade econômica entre seus membros e diferenças em prioridades estratégicas. Contudo, a recente expansão demonstra seu apelo crescente como plataforma alternativa às estruturas ocidentais, com o potencial de moldar uma nova fase das relações internacionais.

O fortalecimento do BRICS como protagonista marca uma nova etapa na busca por um sistema mais equilibrado, onde as potências em ascensão possam influenciar e transformar a ordem internacional vigente.

Como o BRICS Desafia a Ordem Internacional

O BRICS se posiciona como um agente de transformação em três áreas estratégicas que tradicionalmente sustentam a hegemonia do Ocidente: economia, governança tecnológica e segurança. Essas frentes representam as iniciativas mais concretas do bloco para reformular — ou até substituir — os alicerces da ordem internacional liderada pelos EUA.

1. Economia: A Desdolarização e a Nova Arquitetura Financeira

Um dos objetivos centrais do BRICS é criar um sistema econômico menos dependente do dólar americano, que desde o fim da Segunda Guerra Mundial tem dominado como moeda de reserva internacional. O dólar não apenas facilita o comércio internacional, mas também garante aos EUA vantagens econômicas e políticas significativas, como a capacidade de impor sanções unilaterais que afetam adversários e parceiros comerciais.

Medidas Concretas:

  • Novo Banco de Desenvolvimento (NDB): Fundado em 2014 e sediado em Xangai, o NDB oferece financiamento alternativo a projetos de infraestrutura e desenvolvimento sustentável em países emergentes, reduzindo a dependência do FMI e do Banco Mundial. Em 2023, o NDB anunciou sua intenção de expandir os empréstimos em moedas locais, mitigando os riscos associados à flutuação do dólar.
  • Transações em moedas locais: Em 2023, a Índia e os Emirados Árabes Unidos realizaram uma transação histórica de petróleo em rúpias, marcando um avanço na busca por alternativas ao dólar. Da mesma forma, a China tem intensificado o uso do yuan em transações bilaterais, especialmente com países africanos e asiáticos.
  • Parcerias energéticas e recursos naturais: Com a entrada de grandes exportadores de petróleo, como Arábia Saudita e Irã, o BRICS agora inclui países responsáveis por cerca de 40% da produção mundial de petróleo. Essa coesão pode transformar o bloco em uma força capaz de influenciar os mercados de energia, desafiando o papel dominante dos EUA.

Impacto Internacional:
A desdolarização tem potencial para redefinir os fluxos financeiros internacionais, diminuindo o alcance das sanções econômicas ocidentais. Janet Yellen, secretária do Tesouro dos EUA, alertou em 2023: “O uso excessivo de sanções pode minar a hegemonia do dólar ao longo do tempo.” Embora o dólar ainda detenha cerca de 58% das reservas cambiais (segundo o FMI), esse número tem caído consistentemente em meio a esforços do BRICS para diversificar.

2. Governança Tecnológica: A Inteligência Artificial como Campo de Disputa

O domínio sobre a inteligência artificial (IA) é visto como a próxima fronteira tecnológica, com implicações diretas para a segurança, economia e governança global. A China, líder tecnológica do BRICS, tem sido a principal impulsionadora de esforços para estabelecer padrões de governança que desafiem o modelo ocidental, baseado na transparência e nos direitos individuais.

Iniciativas do BRICS:

  • Grupo de Estudos de IA: Anunciado na cúpula do BRICS de 2023, o grupo busca desenvolver frameworks de governança para a IA que reflitam os valores e prioridades dos países do Sul Global. Esse movimento tem como objetivo criar padrões alternativos aos promovidos pelo Ocidente.
  • Modelos de governança centralizados: O modelo chinês, que utiliza IA para monitorar e controlar sua população através de um sistema de crédito social, é visto como uma ameaça às normas ocidentais de privacidade e liberdade.

Riscos ao Sistema Atual:

  • Controle estatal: Ao promover normas que favorecem o controle estatal, o BRICS ameaça substituir os princípios de governança ética e descentralizada da IA, atualmente defendidos pelo G7.
  • Influência no Sul Global: Muitos países emergentes, atraídos pela eficiência e pelo custo das soluções tecnológicas chinesas, podem adotar os padrões propostos pelo BRICS, ampliando sua influência no mundo.

Impacto Geopolítico:
Essa disputa tecnológica reflete uma luta mais ampla pelo controle das infraestruturas digitais do futuro. Segundo Xi Jinping, líder chinês, o objetivo do BRICS é “desenvolver padrões tecnológicos inclusivos que promovam a soberania digital.”

3. Segurança: Cooperação Militar e Contraposição ao Ocidente

A cooperação militar entre membros do BRICS, especialmente Rússia, China e Irã, posiciona o bloco como um contrapeso estratégico às alianças militares ocidentais, como a OTAN. Essa dinâmica é reforçada por exercícios conjuntos e pela ampliação da presença do BRICS em regiões críticas para a segurança internacional.

Colaboração Militar:

  • Exercícios Conjuntos: Desde 2018, China, Rússia e Irã realizam exercícios militares anuais, como o realizado em março de 2024 no Golfo de Omã. Com mais de 20 navios e operações envolvendo busca e salvamento, operações táticas e treinamento conjunto, esses exercícios demonstram a capacidade operacional do bloco e enviam um sinal claro ao Ocidente sobre sua crescente coesão.
  • Presença Regional: A inclusão de observadores como Cazaquistão, Paquistão e Azerbaijão nos exercícios reflete o aumento da influência do BRICS em áreas estratégicas, como o Oriente Médio e a Ásia Central.

Complexidade das Alianças:

  • A Índia no Diálogo Quadrilateral (Quad): Embora membro do BRICS, a Índia mantém parcerias militares significativas com os EUA, Japão e Austrália, evidenciando tensões entre seus interesses regionais e o alinhamento estratégico do BRICS. A relação complexa com a China, marcada por disputas de fronteira, limita a plena integração militar do bloco.

Impacto Regional e Mundial:
O fortalecimento militar do BRICS não se limita a um desafio ao Ocidente, mas também busca assegurar maior estabilidade e influência em regiões onde os EUA tradicionalmente exerceram domínio. Segundo especialistas, essa abordagem reflete uma tentativa do BRICS de criar “esferas de influência” regionais que questionem o monopólio estratégico do Ocidente.

Multipolaridade e a Reformulação da Ordem Internacional

A expansão do BRICS sinaliza uma transição em direção a um sistema multipolar, onde diferentes polos de poder coexistem e competem, desafiando a estrutura unipolar que predominou desde o fim da Guerra Fria. Essa mudança transcende a esfera econômica, abrangendo aspectos políticos, culturais e tecnológicos que redefinem o equilíbrio de poder internacional.

O BRICS tem se consolidado como um polo de atração para países do Sul Global que buscam maior autonomia em relação ao domínio ocidental. A inclusão de novos membros, como Etiópia e Egito, reforça o apelo do bloco como uma alternativa viável aos modelos tradicionais de cooperação, frequentemente vistos como paternalistas ou alinhados aos interesses das potências ocidentais.

O conceito de “Sul Global” está intrinsecamente ligado à busca por um sistema mais equitativo, no qual nações historicamente marginalizadas tenham voz e capacidade de moldar normas internacionais. Nesse sentido, o BRICS oferece não apenas apoio econômico, mas também uma plataforma política que valoriza a soberania nacional e a autodeterminação. Como enfatizado por Vladimir Putin na cúpula de 2023, o bloco representa a “maioria global”, uma alusão à sua relevância demográfica e econômica.

Erosão da Hegemonia dos EUA: Um Desafio Gradual

Embora ainda esteja longe de substituir completamente a ordem liderada pelos EUA, o BRICS já demonstra capacidade de moldar normas internacionais e contestar pilares fundamentais da hegemonia americana, como o papel central do dólar.

A hegemonia do dólar, um dos alicerces do poder econômico dos EUA, está sendo gradualmente enfraquecida por iniciativas do BRICS, como a desdolarização e a promoção de moedas locais em transações internacionais. Segundo o FMI, a participação do dólar nas reservas internacionais caiu de 70% na década de 2000 para cerca de 58% em 2023, um reflexo do esforço conjunto do bloco e de outros países para diversificar seus ativos e reduzir a vulnerabilidade a sanções econômicas.

Além disso, o BRICS está se posicionando como um agente reformador em instituições internacionais, pressionando por maior representatividade em fóruns como o FMI e o Conselho de Segurança da ONU. Embora as reformas ainda enfrentem resistência, o bloco já demonstra sua capacidade de alinhar interesses e mobilizar apoio entre países emergentes.

O Teste de Coesão do BRICS

Apesar de seu crescimento, o BRICS enfrenta desafios internos significativos que podem limitar sua capacidade de consolidar uma alternativa coerente.

  • Disparidades Econômicas: A China, com um PIB de cerca de US$ 18 trilhões, domina economicamente o bloco, enquanto países como África do Sul e Etiópia possuem economias menores e dependem de investimentos externos. Essa disparidade gera assimetrias de poder dentro do BRICS, dificultando decisões conjuntas.
  • Interesses Divergentes: A relação entre Índia e China é um exemplo emblemático de tensões internas. Apesar de ambas serem membros do BRICS, disputas territoriais históricas e rivalidades geopolíticas frequentemente colocam os dois países em lados opostos de questões estratégicas.
  • Governança Multilateral: O modelo de decisão por consenso do BRICS, embora promova igualdade entre os membros, também pode levar à inação diante de divergências, atrasando a implementação de políticas conjuntas.

Perspectivas Finais: Um Futuro em Transição

O BRICS está emergindo como um desafiador significativo da ordem internacional liderada pelos EUA, mas ainda enfrenta barreiras para consolidar sua posição como alternativa. Sua expansão e iniciativas estratégicas, especialmente em áreas como tecnologia, energia e finanças, refletem uma crescente capacidade de influenciar o sistema internacional. No entanto, para remodelar efetivamente a ordem internacional, o bloco precisará superar divisões internas, estabelecer mecanismos de governança mais eficazes e ampliar sua presença em fóruns multilaterais.

Do lado ocidental, preservar a liderança no cenário internacional exigirá uma reformulação estratégica. Isso inclui maior inclusão de países emergentes nas instituições existentes, parcerias econômicas mais robustas e o fortalecimento de iniciativas tecnológicas que promovam valores como transparência e direitos humanos.

Como observou o economista Richard Wolf: “A ascensão do BRICS reflete as mudanças inevitáveis no equilíbrio de poder global, desafiando a ordem dominada pelos EUA e apontando para uma nova fase na história das relações internacionais”

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