O Sistema Internacional anárquico leva os países a investirem em armas nucleares por questão de segurança, poder, prestígio e até mesmo para responder à nuclearização de outras nações. As bombas nucleares, quando se pensar em projeto nuclear, mudaram a natureza das guerras, terminando definitivamente a possibilidade de guerras totais, as conhecidas Guerras Mundiais e levando à ascensão das guerras limitadas (SILVA, 2017). Bernard Brodie, estrategista que moldou o pensamento nuclear estadunidense por meio século, descreve, em sua obra “War & Politics”, a dissuasão nuclear como algo que não provocaria mais guerras, mas sim, impediria que elas acontecessem — já que, uma vez que fosse deflagrada uma guerra nuclear, o fenômeno teorizado como Mutual Assured Destruction, anacronicamente reduzido para M.A.D (“loucura” em inglês), sucederia, culminando com o fim da vida na terra.
Sumário
Considerando isso, há quem afirme que a criação da Organização das Nações Unidas, em 1945, teve papel fundamental em impedir uma Terceira Guerra Mundial, agora atômica, na qual o mundo acabaria em cinzas radioativas. Tais medos surgiram após as primeiras demonstrações dos resultados do famoso Projeto Manhattan, financiado pelos Estados Unidos, abastecido de minério de urânio pelo Brasil e baseado na cooperação entre o setor industrial e científico, que possibilitaria a criação das duas bombas usadas contra o império japonês.
Os primeiros registros de atividades envolvendo fissão nuclear registrados em território nacional datam da década de 1930, mostrando o interesse brasileiro em tal tecnologia, prematuramente tendo como principal força motriz o lobby promovido pelos militares, sob o comando do almirante Álvaro Alberto da Mota e Silva. Dessa frente apoiadora, resultaram a criação do Centro Nacional de Pesquisas (CNPq), na década de 1950, que possuiu em seu escopo de criação, apresentado ao Conselho de Segurança Nacional (CSN), a pauta da nuclearização brasileira, recebida com entusiasmo pela instituição.
Considerando o período de alimentação nuclear ao Projeto Manhattan, exigiu-se de Getúlio Vargas, de volta à presidência, algo em troca para o plano de nuclearização brasileiro — que encontrava nos Estados Unidos potencial aliado para o processo de desenvolvimento do país. Tais medidas foram levadas durante o governo Vargas com o que ficou conhecido como “Compensação Específica”. Esta política pode ser resumida como o ato de troca de urânio mineral pelo conhecimento técnico das operações de energia nuclear. Contudo, o primeiro reator brasileiro não teve origem estadunidense — como se cogitou —, mas alemã, e antes que o Brasil tivesse passado por um processo de industrialização primário.
A visão que Vargas tinha sobre a tecnologia nuclear era a de que dominá-la era o mesmo que dominar a tecnologia científica e adquirir, por consequência, capacidade industrial — produção em larga escala de produtos de alto valor agregado, visão que posteriormente foi defendida por autores como Itty Abraham (2006). Entretanto, o Brasil não possuía o necessário para se igualar às outras potências militares, já que era cientificamente defasado devido às práticas colonialistas em sua formação e aos governos sem planos concretos para a área da ciência e da inovação. Além disso, não contava com espiões, como foi o caso da antiga União Soviética. A equipe do Projeto Manhattan, por exemplo, possuía cerca de 250 mil pessoas, entre elas 25 mil cientistas e militares, contando com uma variedade de profissionais que, ao final do projeto, voltaram a seus países de origem com o know-how adquirido para fundar os seus respectivos programas nucleares nacionais — como no caso da China. O Brasil não enviou cientistas para trabalhar no projeto.
Antes das armas nucleares se tornarem parte do jogo de poder internacional referente à configuração política promovida pela Guerra Fria, é possível ver que o Brasil deu passos que quase possibilitaram ao país a desejada tecnologia. Entretanto, houve uma grande resistência interna durante o governo de Juscelino Kubitscheck, mesmo com a criação de órgãos voltados ao plano de nuclearização, como a Comissão Nacional de Energia Nuclear — algo que Kamioji e Santos (2019) identificam como um alinhamento completo desses setores à política estadunidense de restrição nuclear, de 1955 a 1971, quando a busca pela independência atômica leva a uma mudança de posicionamento.
O objetivo deste artigo é analisar os principais aspectos das relações exteriores do Brasil durante o século XX quanto ao projeto de obtenção de um armamento nuclear nacional, apresentando e examinando os principais fatores históricos que contribuíram para a sua não realização entre os anos de 1960 e 1990, período de maior atividade nuclear do país. São utilizados os conceitos de ambiguidade e opacidade nuclear para entender o porquê de o país não ter conseguido lograr a aquisição de tal tecnologia. Por fim, é feita uma breve recomendação sobre a política nacional de armas nucleares depois de 20 anos da assinatura do Tratado de Não-Proliferação, assinado em 1998.
Programa Nuclear Brasileiro entre 1964 e 1985
O cenário de incertezas e o golpe militar de 1964 colocaram barreiras consideráveis ao desenvolvimento do programa nuclear brasileiro, principalmente com o governo Castelo Branco, completamente alinhado aos Estados Unidos, que estavam decididos a manter o monopólio sobre a tecnologia nuclear nas Américas. Com a entrada de Costa e Silva e de sua mudança da política externa brasileira, foi assinado o Tratado de Não Proliferação Nuclear na América Latina e Caribe, conhecido como Tratado de Tlatelolco, e rejeitada a assinatura do Tratado de Não Proliferação (TNP), ligado à Agência Internacional de Energia Atômica. Embora a recusa de assinar o TNP, entendia-se que o tratado regional já seria a garantia momentânea de que não seria desenvolvido um programa nuclear brasileiro para fins bélicos. Segundo Gaspari (2004), Geisel declarou que, embora não fosse seu objetivo como presidente desenvolver uma arma nuclear, a oportunidade deveria estar presente para um futuro próximo.
O ápice do programa nuclear brasileiro aconteceu na década de 1970, quando o Brasil se viu inserido em um “milagre econômico” ocorrido durante o período da história mundial conhecido como détente. Esse período permitiu que as nações menos capacitadas agissem com maior autonomia. Nesse contexto, o Presidente Médici (1969-1974) lançou o projeto “Brasil Grande Potência”, lançando também o I Plano Nacional de Desenvolvimento. A partir desse Plano, a diplomacia brasileira ganhou maior autonomia, levando a um acordo nuclear que foi assinado junto à República Federativa da Alemanha — referenciada daqui para frente como Alemanha Ocidental.
O Estado alemão havia, ao final da Segunda Guerra Mundial, passado por diversas modificações em relação à configuração que tinha quando vendeu a primeira ultracentrífuga para o Brasil na década de 1950, ainda durante o seu Primeiro Programa Nuclear. A Alemanha Ocidental havia sido totalmente reconstruída pelo Plano Marshall e a nova aproximação, com caráter de cooperação, só ocorreu durante o Quarto Programa Nuclear Alemão.
Durante a década de 1970, o setor de energia nuclear internacional enfrentava uma grande crise, que acompanhou um período de recessão, principalmente com a baixa oferta de urânio no mercado. A Alemanha, que enfrentava tal crise como país nuclearizado, encontrou a solução para minimizar a pressão ao permitir a compra de reatores nucleares por países emergentes. Não interessava à Alemanha saber se o país realmente precisava desses reatores ou até mesmo o que iria fazer com eles — indo contra as práticas globais da não proliferação. As relações nucleares entre Brasil e Estados Unidos também não eram estáveis.
Em 1970, a Westinghouse — companhia elétrica estadunidense — seria encarregada, em cooperação com outras empresas dos Estados Unidos e do Brasil, da construção da usina Angra I, fomentando uma relação de dependência completa por parte do Brasil, que passaria a necessitar de urânio enriquecido para abastecer a usina. A negativa em abastecer o Brasil com urânio enriquecido por parte da Comissão Energética Estadunidense traria a Alemanha para a mesa de negociações, sendo firmado com sucesso — e salvaguardado pela Agência Internacional de Energia Atômica, mesmo com interferências norte-americanas, em 1975 — um tratado de cooperação que daria nacionalidade alemã à dependência atômica brasileira durante o governo de Ernesto Geisel (1974-1979).
Segundo documentos do governo Geisel, datados de 1981, disponibilizados no acervo da Fundação Getúlio Vargas, o principal objetivo da parceria era a instalação de oito reatores nucleares — cujas usinas seriam construídas pela Odebrecht — de 1300 MW (mil amperes) até 1990, 100% nacionais. O plano da Eletrobrás — companhia brasileira de energia — era ter tais centros nucleares funcionando como forma de suprir a necessidade causada pela industrialização e pela inserção de bens de consumo movidos a energia elétrica durante o governo Médici, mandatário que não acreditava na capacidade das usinas hidroelétricas de suprir tal demanda.
Tal perspectiva de independência nuclear acabou por se perpetuar com a ascensão do General Figueiredo ao poder. Figueiredo, entretanto, deu ao Programa um caráter mais armamentista, não visto durante a primeira fase do projeto nuclear brasileiro. Segundo Leati e Maltchik (2014) para o jornal O Globo, “se no início do regime a fabricação do artefato era apenas um plano para assegurar a hegemonia bélica no continente, no governo do general João Figueiredo, virou uma obsessão”. Voltou à tona, nesse período, um interesse somente observável nos anos de 1940 e 1950, quando as ações na área da tecnologia nuclear já defendiam a possibilidade de um dia se conseguir uma bomba nuclear. O período de 1979 a 1985 foi o mais próximo que o Brasil chegou de produzir um artefato nuclear nacional.
Durante a etapa inicial dessa fase do projeto, surgiram três projetos nucleares não coordenados, conhecidos como Programa Nuclear Paralelo, cada um em uma das três Forças Armadas. O comandado pela Força Aérea objetivava o enriquecimento do material nuclear a laser, já o Exército buscava um reator capaz de operar usando urânio puro e grafite, produzindo, assim, plutônio — elemento chave para a produção de armas nucleares, se assemelhando à forma como a França construiu seu primeiro artefato do gênero. Por fim, o programa desenvolvido pela Marinha, aquela que mais se aproximou do sucesso, logrou construir uma pequena usina que serviria para abastecer possíveis submarinos de propulsão nuclear.
Esse sentimento de obsessão por uma arma nuclear se intensificou em 1981, quando foi veiculado um estudo produzido pelo Secretariado Geral do Conselho de Segurança Nacional, alertando sobre a possibilidade de a Argentina manufaturar um artefato nuclear em um período mais curto do que o Brasil conseguiria. Esse estudo e a série de documentos do Serviço Nacional de Informação sobre a “bomba argentina” — confidenciais, confirmados em 1982 —, serviram para auxiliar os tomadores de decisão diante dessa possível ameaça.
Contudo, o programa nuclear brasileiro se movia em diferentes direções com o Programa Nuclear Paralelo e enfrentava um déficit de recursos devido aos gastos extraordinários realizados pelos acordos durante a gestão de Geisel. Não obstante, os agentes brasileiros concluíram que a Argentina não era capaz de construir um artefato devido a uma série de dificuldades financeiras que o país enfrentava (ALVIM; GOLDEMBERG; MAFRA, 2018).
A possível corrida nuclear latino-americana entre Brasil e Argentina veio a se encerrar com a redemocratização dos dois países. O encontro dos presidentes civis, José Sarney, brasileiro, e Raúl Alfonsín, argentino, em Foz do Iguaçu, em 1986, deu os primeiros passos para que fosse possível (ALVIM; GOLDEMBERG; MAFRA, 2018), no governo de Fernando Collor de Mello e Carlos Menem, a assinatura do Acordo que criaria a Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares (ABACC), em 1991.
Apesar de a ABACC ser fruto de um grande esforço de cooperação bilateral, é importante destacar que há documentos que revelam a interferência externa deste processo por parte dos Estados Unidos. Vinicius Gorczeski (2015) escreveu para a revista Época relatando sobre e-mail recebido por Odilon Marcuzzo do Canto, até então secretário da ABACC, em julho daquele ano, do congressista republicano Paul Findley, que relatava sua participação no processo da criação da Agência, interessado em evitar a corrida nuclear entre Brasil e Argentina. Nesse e-mail, recebeu documentos comprovando a participação, de forma indireta, dos Estados Unidos nas negociações entre os dois países, iniciadas em 1985. Um ano antes, o embaixador argentino, García Del Solar, recebeu o secretário de Estado estadunidense George Shultz — que viria ao Brasil logo em seguida —, que trazia uma ideia de cooperação entre os dois países a fim de que a Argentina propusesse a criação de um órgão fiscalizador para impedir a criação de um artefato nuclear e que fosse feito de tal forma que não fosse interpretado como uma pressão estadunidense.
A ABACC foi desde seu início vista como um sucesso e o caráter antibélico que o mandato de Fernando Collor de Mello trouxe agradou os setores anti proliferação. No seu governo, além da assinatura que culminaria na criação da ABACC, houve uma investigação, por parte do Congresso Nacional, que levou à descoberta de diversas contas bancárias e instalações na região de Cachimbo, no estado do Pará, onde aconteciam as pesquisas e o estoque de material usado pelas Forças Armadas. A agenda nuclear, entretanto, que era requisitada por certas alas militares, foi quase que por completo enterrada somente no governo de Fernando Henrique Cardoso, com a assinatura brasileira do Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP) em 1998.
A trajetória brasileira através das lentes da opacidade e da ambiguidade
Apesar dos longos anos de aperfeiçoamento e negociação, e tendo como base os materiais apresentados, o Brasil teve a busca pelo armamento nuclear interrompida por pressão externa em nome da paz regional com influência estadunidense. Esse episódio pode facilmente ser resumido à pressão de uma comunidade internacional, à ruptura do estado ditatorial e à reabertura democrática.
Como o foco deste artigo é analisar como as pressões internacionais contribuíram para essa mudança de postura, é preciso entender dois conceitos primários dos estudos de proliferação nuclear: ambiguidade e opacidade. Ambiguidade é definida por Cohen e Frankel (1990) e por Abraham (2006) como a falta de informação acerca de um possível programa nuclear, mas que suspeitas — sejam essas provindas de razões políticas ou científicas — levam países a crerem no “e se”, já que, desde a criação da Agência Internacional de Energia Atômica das Nações Unidas e da definição dos membros permanentes do Conselho de Segurança como aqueles que originalmente possuíam armamento nuclear, todos os programas eram desenvolvidos em segredo. Cohen e Frankel apontaram, já em 1990, que o Brasil e a Argentina eram nações ambíguas quanto à sua nuclearização.
A opacidade, por sua vez, é entendida por Cohen (1998) como uma situação em que a ambiguidade nuclear se torna tão relevante que passa a influenciar o processo de tomada de decisão de outras nações e governantes. Na opacidade, o citado sentimento de “e se” ganha valor nas mesas de High Politics. Um exemplo é Israel, que possui a ideia de opacidade nuclear como uma estratégia nacional de alto nível (ABRAHAM, 2006) e que usa a bomba nuclear para garantir a existência do seu Estado nos moldes em que foi criado — por meio do movimento sionista, que permitiu a ocupação da região da Palestina pelos judeus no pós-Segunda Guerra, ou seja, um Estado que sofre constante ameaça.
O programa nuclear brasileiro, como apresentado, foi tocado pelo governo militar desde os primeiros anos da ditadura militar como pauta de segurança nacional — relembrando toda a história do programa nuclear brasileiro até esse momento, com a criação do CNPq e de como ele foi apresentado ao CSN como tal. Armas nucleares são adquiridas por Estados não somente pelas questões de defesa, mas, também, por questões de soberania no sistema internacional e como forma de exercer influência — não sendo à toa que o único órgão do Sistema ONU com poder deliberativo de veto é composto pelas nações nucleares primárias (Estados Unidos, China, Rússia, França e Inglaterra).
Para esses países não é vantajoso que haja uma proliferação nuclear acentuada, já que isso significaria uma divisão indesejada de poder. Um dos poucos exemplos de um país que chegou próximo de possuir um artefato nuclear e desistiu da empreitada foi a África do Sul. Naquele caso, porém, questões domésticas e internas do continente africano, que vivia as sequelas do apartheid e do imperialismo, para além do declínio da União Soviética, contribuíram para a desistência. A falta de vontade política internamente e de apoio internacional para o que seria um país recém-nuclearizado foram decisivas.
O Brasil, durante o período de redemocratização, enfrentou diversas dificuldades que teriam colocado a segurança e a soberania nacional em ameaça caso o país tivesse logrado se tornar uma potência nuclear. O Contra-Almirante Antonio Ruy de Almeida Silva (2017) aponta pré-requisitos importantes a serem cumpridos por nações que desejem se militarizar e que servem de excelente arcabouço teórico para analisar o caso brasileiro. A nação que propuser a nuclearização precisa garantir três pilares fundamentais: capacidade financeira, tecnológica e, sobretudo, vontade política. Silva também aponta a existência de uma crença acerca da proliferação feita para fins de controle nacional — processo feito por interesse político e ideológico de um grupo no poder. No entanto, caso o Brasil seguisse essa linha de nuclearização, seria extremamente danoso à nação devido ao aumento da insegurança do Sistema Internacional e à exposição do país a ataques de caráter militar, político ou econômico.
Embora o Brasil já tenha passado tanto pela fase da ambiguidade quanto pela fase de opacidade nuclear — como analisado —, tais períodos eram de grande incerteza quanto à capacidade nacional de lidar com a posse de uma arma nuclear. O país, além de enfrentar a ruptura de um sistema de governo não democrático em processo de reabertura lenta e incerta, enfrentava, também, o preço do “milagre econômico” da década de 1970, que levou a uma onda de inflação que devastou a economia e empurrou o Brasil para os índices mais drásticos de pobreza de sua história, período conhecido como “década perdida”, ou como ficou conhecido no período combinando os termos estagnação econômica e inflação: “estagflação” (FAUSTO, 2014).
Setores econômicos também se mostraram contrários à nuclearização devido a esses atores lucrarem mais em uma condição de globalização, que foi retirada da maior parte dos países que se tornaram potências nucleares e não possuíam influência internacional. Em caso de posse de armas nucleares, o Brasil estaria sentado em volta do tabuleiro internacional junto aos poderosos sem ser um — considerando a falta de investimento nacional visto no decorrer da história, assim como fatores sociais e de baixa estabilidade política —, no ponto de poder ser encurralado a qualquer momento.
O fato de o Brasil ter enfrentado um aspecto mais brando da opacidade nuclear, em comparação ao enfrentado por nações não-ocidentais, também foi um grande aliado para a estabilidade nacional. Setores econômicos tendem a ser contrários a políticas nacionalistas, como a aquisição de armas nucleares, pois políticas nacionalistas tendem a ser totalmente contrárias à globalização pela ideia de interdependência. Entretanto, o mundo globalizado é de maior lucro aos atores econômicos devido às variedades de mercados existentes e ao possível acesso facilitado a países que aderem plenamente às demandas das Organizações Internacionais. Tais setores também costumam ser extremamente contrários a altos gastos militares, que também poderiam levar a sanções.
É observável, ainda, a incapacidade e a inexistência de mecanismos de controle social (SILVA, 2017) tanto top-down — como uma estrutura governamental confiável que, na necessidade de utilizar a força para manter a ordem consiga manter o mínimo de ordem social possível — como bottom-up — causados pela expansão democrática, como maior liberdade midiática, participação política e grupos opositores — de países ambíguos recém-nuclearizados.
Ou seja, a falta de estabilidade política e de apoio ao projeto de nuclearização do país, na década de 1980, adicionado a um país que preenchia os requisitos de opacidade nuclear, foram também fatores importantes para a decisão de abandonar o projeto. A ida de Sarney à mídia, em 1987, para declarar, em rede nacional, o controle do enriquecimento de urânio e o fim da clandestinidade do programa nuclear paralelo, causada pela possibilidade de a Argentina já ter conseguido tal artefato, também mostra como o Brasil já foi influenciado em sua tomada de decisão pelo estado opaco de nuclearização argentina.
As suspeitas quanto a um programa nuclear brasileiro foram suficientes para criação de fatores internos e externos que levaram ao abandono do programa. As interferências externas, analisadas nesse artigo, tiveram um peso maior na decisão de abandono e de investigação dos programas nucleares paralelos. As investidas culminaram na assinatura do TNP e na adoção de uma política de não proliferação nuclear do Brasil na comunidade internacional.
Conclusão
O Brasil enfrenta períodos de instabilidade política desde a redemocratização do país, seja com o confisco econômico realizado por Fernando Collor de Mello, seja pelos processos de impeachment ou pela ameaça de atentados às instituições democráticas sempre à espreita. Tais instabilidades na política doméstica teriam ganhado outro patamar no caso da existência de qualquer armamento nuclear com a bandeira do Brasil, já que boa parte da instabilidade interna acabou por gerar efeitos na economia devido, em boa parte, à retirada do capital estrangeiro no que diz respeito ao investimento e à criação de empregos.
O fato de o Brasil ter tido o seu programa nuclear quase que boicotado por décadas mostra o que realmente significa ter posse de uma arma nuclear. O boicote realizado pelos Estados Unidos e a necessidade de buscar tal tecnologia na Alemanha Ocidental — mesmo com tratados de cooperação já firmados com o primeiro país —, mostram como armas nucleares tendem a acirrar as disputas de poder nas quais o Brasil poderia estar inserido, aumentando o nível de pressões que receberia ao tomar decisões de política externa. Além disso, tais armamentos poderiam elevar as disputas políticas internas que constantemente levam a situações de insegurança política como as mencionadas acima.
Como o artigo não se propõe a analisar a trajetória nuclear brasileira no século XXI, não serão comentados os avanços nacionais na área durante o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, dos governos de Lula e Dilma e nem de Michel Temer. Além disso, cabe ressaltar que, após mais de vinte anos terem passado desde a assinatura do TNP, há cada vez menos sinais de que o país pudesse desejar ou tomar qualquer iniciativa no sentido de desenvolver o artefato.
A diplomacia brasileira neste século tem sido pautada e voltada para a paz e a solução de conflitos de maneira pacífica, o que inclui certas agendas como a do G4, grupo composto pelo Brasil e mais 3 outras nações — Alemanha, Índia e Japão —, que faz lobby junto à ONU pela ampliação dos assentos permanentes do Conselho de Segurança. A aquisição de uma bomba nuclear não só contribuiria ainda mais para o afastamento do país dessa agenda — mesmo que essa não seja uma prioridade do governo Bolsonaro —, como também enfraqueceria ainda mais as relações junto aos organismos internacionais e às nações aliadas.
Por fim, é possível concluir que, embora membros do governo já tenham declarado brevemente uma necessidade nacional de possuir um artefato nuclear para melhor posicionamento regional e internacional — fala de Eduardo Bolsonaro, deputado federal (PSL), e cogitado como embaixador do Brasil nos Estados Unidos na Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados —, o Brasil não deve despender esforços nem orçamento em algo que não engrandecerá o país no contexto atual e que representa um alinhamento à já não mais existente lógica da Guerra Fria. Durante os anos de 1970 e 1980, parecia uma ideia inteligente desenvolver um artefato nuclear para elevar a segurança e a soberania nacional e proteger o país contra possíveis instabilidades regionais. Essa é uma ideia, contudo, que na atualidade parece que somente poderia trazer prejuízos.
Referência bibliográfica
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