De que se faz uma nação? De acordo com o Dicionário de Conceitos Históricos (2009), uma definição simples para nação seria a de uma comunidade humana, estabelecida em algum território, com unidade étnica, histórica, linguística, religiosa e econômica. Problematizando essa e outras definições mais comuns, o filósofo Max Weber salienta, ainda de acordo com o Dicionário de Conceitos Históricos, que as premissas utilizadas como base para a construção dessa definição (unidade linguística, territorial e afins) foram desenvolvidas por grupos dominantes, com o objetivo de unir território e Estado sob uma cultura específica. Utilizando a análise de Weber como parâmetro, observa-se então, que a construção da ideia abstrata de nação se dá baseada em premissas que excluem minorias históricas – como negros, indígenas e classes pobres no geral –, e no caso do Brasil, em favor de grupos dominantes, em sua maioria brancos e de classe média e alta.
Indagando a construção do povo brasileiro como uno, e a representação que é feita desse povo, dessa nação, Leandro Roque de Oliveira, com o nome artístico de Emicida, lançou em 2015 o álbum “Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa”, indicado ao Grammy Latino e sendo uma das maiores obras sobre ancestralidade negra que o Brasil e o mundo já viram. A principal linha de análise do presente trabalho terá como foco entender como algumas faixas do disco de Emicida se relacionam com a crítica direcionada por Max Weber à definição comumente propagada do termo “nação”.
Majoritariamente, no Brasil, a valorização histórica que se construiu para consolidação da figura da identidade nacional, foi branca. De acordo com o artigo “Identidade Nacional Brasileira versus Identidade Negra: reflexões sobre branqueamento, racismo e construções identitárias” :
“o negro foi considerado o principal símbolo de atraso e degradação do Brasil, isto é, uma ameaça à configuração da nova sociedade que emergia sucessora da escravocrata. A solução para esse impasse se encontraria numa proposta eugenista, que visava não só o branqueamento nacional – na sua forma biológica, através da miscigenação – mas também o estabelecimento de uma cultura unificada, através da hegemonia cultural em conformidade com os padrões civilizatórios provenientes da Europa. Tentou-se absorver membros de grupos étnico-raciais distintos no segmento étnico-racial socialmente dominante, buscando-se a homogeneidade por intermédio da miscigenação e da assimilação cultural”.
PANTA, M; PALLISSER, N; 2017, p. 3
Por meio de sua obra, Emicida questiona o estabelecimento hegemônico de uma cultura unificada e branca no Brasil, ressaltando as origens negras da nação e o passado escravocrata, que ainda deixou resquícios na estrutura social do país. Por fim, estabelece pontos de encontro, não com países europeus, mas com nações africanas que possuem um passado comum com Brasil, além de uma inegável linhagem hereditária em virtude do tráfico de escravos. As faixas do disco a serem analisadas pelo presente artigo serão, respectivamente: Amoras (faixa quatro) e Boa Esperança (faixa dez).
Amoras
Na presente faixa, Emicida discorre infantil e poeticamente sobre a representatividade e auto aceitação das pessoas negras – principalmente das crianças negras – em virtude dos padrões de beleza impostos historicamente no Brasil. Como salientado na argumentação de Mariana Panta e Nikolas Pallisser (2017), a linha de construção da nação brasileira se deu pela valorização da branquitude e dos sinais da ascendência europeia. A ancestralidade negra foi negada, apagada e marginalizada durante muito tempo, fazendo com que a autoestima de diversas crianças negras no Brasil fosse dissolvida. Outra pensadora afro-brasileira a discorrer sobre o tema, em diversos de seus textos, foi a filósofa Djamila Ribeiro. Em seu livro, “Quem tem medo do feminismo negro?” (2018), ela expõe logo na introdução, intitulada como “A Máscara do Silêncio”, todos os sofrimentos vividos ao longo de sua vida enquanto mulher negra, destacando pontos da infância onde percebeu que o negro não era tido como belo na construção de pensamento brasileiro:
“minha mãe alisava meus cabelos e os da minha irmã em casa. Era um ritual de tortura, no qual ela acendia uma boca do fogão, deixava o pente de ferro ali até ficar pelando e passava nos fios […] Podia-se até queimar o couro cabeludo nos piores casos. A vontade de ser aceita nesse mundo de padrões eurocêntricos é tanta que você literalmente se machuca para não ser a neguinha do cabelo duro que ninguém quer”.
RIBEIRO, DJAMILA, 2018, P. 14
Djamila, bem como muitas outras pensadoras negras, em seus textos, mostra como tal construção social fez com que, por anos, ela se escondesse, parafraseando outra pensadora negra, Conceição Evaristo, atrás de uma Máscara do Silêncio. Ainda na introdução, ela salienta:
“A sensação de não pertencimento era constante e me machucava, ainda que eu jamais comentasse a respeito. Até que um dia, num processo lento e doloroso, comecei a despertar para o entendimento. Compreendi que existia uma máscara calando não só minha voz, mas minha existência”.
RIBEIRO, 2018, P. 15
O caminho até consolidar a sensação de pertencimento foi árduo não apenas para Djamila, mas para o próprio Leandro, e justamente por isso ele escreveu Amoras. Em entrevista dada em 2018, ele salienta os motivos que o fizeram investir em uma narrativa direcionada para as crianças negras. Dentre todas as razões citadas, a ênfase se dá para as próprias experiências de infância que Leandro teve; marcado pelo racismo desde muito cedo, e sem conversas de conscientização sobre tema, ele relata o quanto se culpou, durante muito tempo pelas ofensas e agressões recebidas, e o quanto notava o mesmo em seus familiares. Além disso, na tese defendida por Leandro, falar sobre autoestima com jovens negros a partir dos 15 anos de idade, não é tão relevante quanto o fazê-lo desde a infância, pois muito provavelmente, aos 15 anos, esses jovens já terão traumas profundos em sua autoestima, em decorrência do racismo vivenciado na prática (EMICIDA, 2018).
Emicida inicia a música trazendo a ideia da inocência infantil perante o racismo, invocando o pensamento de Nelson Mandela (em Longo caminho para a liberdade: uma autobiografia, 1995), de que ninguém nasce racista, mas a criação familiar, a educação, podem condicionar pessoas a se tornarem racistas. Nesse mesmo trecho, Leandro traz à tona a imagem de Obatalá, criador do mundo, dos homens, das plantas e dos animais na cultura yorubá: “Veja só, veja só, veja só, veja só. Mas como o pensar infantil fascina. De dar inveja, ele é puro, que nem Obatalá” (EMICIDA, 2015a). A constante valorização de imagens das culturas tradicionais negras é feita em todo o álbum de Leandro, justamente para engajar a promoção do conhecimento desses elementos significativos para a verdadeira formação da nação brasileira, mas excluídos do foco e da ideia tradicional de cultural nacional do Brasil; nesse aspecto tradicionalista branco e eurocêntrico, como já discutido neste trabalho, o foco religioso se dá para crenças de matrizes majoritariamente cristãs, como a doutrina católica apostólica romana, trazida diretamente pelos colonos europeus.
Apesar da valorização da cultura afro-brasileira, Emicida também traz outros elementos culturais de regiões africanas do Oriente Médio. Mesmo que a influência cultural direta dessas nações não seja tão notória no Brasil, a vertente de valorização africanista do pensamento de Leandro faz alusão às religiões de matrizes muçulmanas também: “A gente chora ao nascer, quer se afastar de Allá. Mesmo que a íris traga a luz mais cristalina” (EMICIDA, 2015a). Nesse trecho, ele reforça a ideia da pureza do infantil, de pensamento e energia ainda não violados pela sociedade racista.
Com a introdução sinalizando a pureza das crianças, logo o autor parte para uma sinalização mais prática da mensagem que deseja passar, metaforicamente, ligando a imagem das crianças negras às amoras de um pomar: “Entre amoras e a pequenina eu digo: as pretinhas são o melhor que há. Doces, as minhas favoritas brilham no pomar. E eu noto logo se alegrar os olhos da menina” (EMICIDA, 2015a). A menina, referenciada por Leandro, é inspirada por suas próprias filhas; as amoras, que se destacam no pomar, referenciam todas as crianças negras, que devem ter garantidos seus espaços de protagonismo e de lugar de fala.
No trecho final, Emicida busca traçar um histórico dos movimentos de resistência negra da América, evocando as imagens de Zumbi dos Palmares, Martin Luther King e Malcolm X. Em diferentes contextos, com diferentes políticas e premissas de atuação, esses três homens tiveram suas trajetórias de vida como verdadeiros marcos para a luta e o combate ao racismo em todo o mundo. Com essas imagens, Emicida busca levantar outro questionamento, dessa vez, acerca das personagens que são referências para a constituição de um “herói nacional”. Ainda referenciando o Dicionário de Conceitos Históricos:
“A construção da nacionalidade, em sua artificialidade, frequentemente recorre a elementos da tradição, em que o passado é mitificado, criando heróis e momentos épicos que são apresentados como definitivos na formação do povo e da nação”.
SILVA, 2005, P. 311
Sendo assim, um passado mítico e um herói para a nação adotar como representação, são vitais para a constituição tradicional da nacionalidade. Pensando dessa forma, Zumbi dos Palmares seria um ótimo exemplo de herói nacional; apesar disso, ele raramente é lembrado dessa forma, isso porque, enfatizando a premissa principal deste trabalho, os grupos dominantes – brancos e de classes mais altas – foram responsáveis pela delimitação da cultura nacional e da nacionalidade. O trabalho “Zumbi – herói étnico, Tiradentes – herói nacional: O jogo das representações didáticas nos manuais escolares de História do Brasil” (RIBEIRO, 2007) questiona as diferentes representações dadas à diferentes figuras heróicas da história do Brasil, e que por consequência, tiveram impacto da construção da definição de nacionalidade e nação. Enquanto Tiradentes, branco, ocupa uma posição de herói nacional, Zumbi dos Palmares, negro, tem para si reservada a nomeação de herói-étnico. Evocando não apenas a imagem de Zumbi, mas de outras figuras importantes para o movimento negro, Emicida pretende construir uma outra gama de representação para crianças negras – elas precisam se ver representadas em seus heróis; retomando a fala de Dijamila Ribeiro, as crianças precisam da sensação de pertencimento.
“Luther King vendo cairia em pranto. Zumbi diria que nada foi em vão. E até Malcolm X contaria a alguém. Que a doçura das frutinhas sabor acalanto. Fez a criança sozinha alcançar a conclusão. Papai que bom, porque eu sou pretinha também” (EMICIDA, 2015a). Com esse trecho, Emicida finaliza a faixa, novamente utilizando a metáfora da amora para se referir às crianças negras. A ideia é que a criança tenha a sensação de pertencimento, o espaço de protagonismo e a autoestima, por tanto tempo roubada de outras crianças negras por meio do racismo. Por meio do diálogo lúdico, Leandro quer levar às crianças negras a autoestima e o protagonismo, e às crianças brancas consciência acerca da problemática do racismo.
Boa Esperança
Na faixa “Boa Esperança”, Leandro faz uma viagem visceral pelo problema do racismo no Brasil. No momento do lançamento da faixa, ainda em 2015, como single, a opinião pública se chocou diante da letra bruta, batida pesada e do clipe que sem censura mostrava a realidade do racismo estrutural do Brasil. A música nasceu após Leandro passar uma temporada produzindo diretamente com músicos de Cabo Verde e Angola. A revista Vice, definiu Boa Esperança como “[…] uma pedrada” (TOTI, 2015); já a Rolling Stone disse que o clipe da música “[…] expõe a luta de classes e o preconceito racial […]” (RABASSALLO, 2015). E de fato, a canção e o clipe geraram tanto choque, pois Leandro substitui a fala delicada e infantil por um “papo reto” com o restante da sociedade, mostrando o racismo nu e cru, e expondo uma agressividade justa, em virtude da injustiça ante a violência racial vivida por diversas pessoas no Brasil. Emicida resgata diversos pontos da história do Brasil, e novamente há um questionamento forte sobre a herança nacional que tem em suas raízes a escravidão. Ele inicia a música, com um trecho cantado por Jota Ghetto:
“Por mais que você corra, irmão, Pra sua guerra vão nem se lixar. Esse é o xis da questão. Já viu eles chorar pela cor do orixá? E os camburão o que são? Negreiros a retraficar. Favela ainda é senzala, Jão!Bomba relógio prestes a estourar”
EMICIDA, 2015B
Na citação, a letra ilustra a indiferença dos grupos dominantes, elites políticas e econômicas, e do próprio Estado, para as guerras ainda vividas pela população negra, assim como,as intervenções militares, a violência policial, as lutas entre facções criminosas que se desenvolvem nas periferias, e etc. Além disso, Leandro busca mostrar como os camburões da polícia podem se equiparar aos navios negreiros de tráfico humano utilizados para o tráfico de escravos desde o século XV. Isso por conta das altas taxas de prisão de jovens negros, que de acordo com pesquisa feita pela Infopen e compartilhada pela Câmara dos Deputados (CALVI, 2018), 61,7% da população carcerária do Brasil é negra. Além da crítica ao encarceramento em massa da população negra, o autor também salienta que as favelas estão amplamente conectadas com as senzalas do período escravocrata. A ideia de nação, no Brasil, favoreceu a imagem branca e de classe média (ainda relembrando Panta e Pallisser (2017, p. 3): “o negro foi considerado o principal símbolo de atraso e degradação do Brasil, isto é, uma ameaça à configuração da nova sociedade que emergia sucessora da escravocrata”); aos negros e pobres.
Citando outra autora importante para o movimento negro, Carolina Maria de Jesus, foi reservado o quarto de despejo, as favelas: “Eu classifico São Paulo assim: O Palácio é a sala de visita. A Prefeitura é a sala de jantar e a cidade é o jardim. E a favela é o quintal onde jogam os lixos”. Na música, de maneira constante Leandro faz um jogo entre o passado do Brasil e a realidade racista, retomando eventos do passado e ilustrando como ainda se fazem presentes no futuro, por estarem nas raízes da nação brasileira.
“O tempero do mar foi lágrima de preto, Papo reto, como esqueletos de outro dialeto, Só desafeto, vida de inseto, imundo. Indenização? Fama de vagabundo, Nação sem teto, Angola, Keto, Congo, Soweto, A cor de Eto’o, maioria nos gueto.”
EMICIDA, 2015B
Na citação acima, novamente se fala sobre a herança escravocrata do Brasil, relembrando os navios negreiros e o sofrimento pelo qual as pessoas que sofriam o tráfico humano passaram durante muitos séculos. Além disso, Leandro retoma a contemporaneidade ao falar sobre os constantes estereótipos racistas direcionados à população negra brasileira ao citar a “fama de vagabundo”. Finalmente, retoma da temática da “nação sem teto”, quase que com uma abordagem pan-africanista
“O Pan-africanismo nasceu da luta de ativistas negros em prol da valorização de sua coletividade étnico-racial. Sua marca original é a construção de visões positivas e internacionalistas acerca desta identidade, entendida como comunidade negra: africana e afrodescendente. Entre seus representantes, destacam-se intelectuais como E. Blyden, W. E. Du Bois, M. Garvey, Frantz Fanon e K. N’Krumah”.
BARBOSA, 2012, P. 1
Abordagem essa que está em desacordo com os moldes típicos da definição de nação. No trecho a seguir:
“Depressão no convés. Há quanto tempo nóiz se fode e tem que rir depois? Pique Jack-ass, mistério tipo lago Ness, Sério és, tema da faculdade em que não pode por os pés”
EMICIDA, 2015B
Novamente, Emicida relembra o passado escravocrata dos navios negreiros, e apresenta uma crítica à fala constante de que racismo não deve ser respondido pelas pessoas que o sofrem com rispidez. Leandro problematiza outra questão oriunda das profundezas da criação brasileira: a ausência de escolaridade para pessoas negras, durante muito tempo. Apenas no final de 2019 foi constatado que a maior parte dos estudantes nas universidades públicas são negros e pardos, em torno de 50,3% (Revista Fórum, 2019), sendo que a maior parte da população do Brasil é negra (55,8%). Apesar da ausência nas universidades, durante muito tempo, a pauta da questão racial se fez presente em meio às pesquisas acadêmicas, por isso a ideia de que a população negra é acolhida na universidade como tema de pesquisa, mas, durante muito tempo, não como estudantes e pesquisadores.
“Meu sangue na mão dos radical cristão, Transcendental questão, não choca opinião. Silêncio e cara no chão, conhece? Perseguição se esquece? Tanta agressão enlouquece, Vence o Datena com luto e audiência, Cura, baixa escolaridade com auto de resistência”
EMICIDA, 2015B
Neste último trecho a ser analisado, novamente Leandro ressalta raízes históricas da nação brasileira que ainda impactam na realidade contemporânea. Ele relata o quanto o radicalismo cristão ainda está presente no perfil das pessoas que praticam racismo, e como os casos de violência racial não têm atenção suficiente da mídia. O único momento em que as pessoas negras têm atenção no universo midiático, é no momento de aparições estereotipadas em programas jornalísticos de cunho sensacionalista, como o “Brasil Urgente” apresentado pelo jornalista José Luiz Datena.
Retomando as premissas do pesquisador Muniz Sodré, acerca da representação midiática ligada a fatores de desigualdade racial no Brasil:
“como algo tão documentado e evidente pode ser ignorado pela grande mídia? A explicação está nas características descritas por Muniz Sodré da função de um sistema de comunicação de massa no Brasil, que seria a da implementação e manutenção de uma hegemonia ideológica. No caso, esse sistema de massa surge ao mesmo tempo em que se acelera o processo de urbanização do país e se amplia o espectro de dados sobre a violência direta dos assassinatos, apontando uma curva crescente concomitante com o crescimento da urbanização. Essa violência direta se despeja criando uma situação insustentável e escandalosa. A violência cultural implícita nessa situação denota o que também já foi descrito, que é a aderência ao discurso da transigência racial, ou democracia racial, pelos meios de comunicação de massa, em completo emparelhamento com as crenças da ditadura militar e das elites dirigentes brasileiras, tanto anteriores ao golpe de 1964, como posteriores à redemocratização”.
SODRÉ APUD BARROS E VELOSO NETO, 2021, P. 12
Sodré mostra, assim, como a mídia brasileira – bem como toda a nação – se sustenta nos moldes idealizados por um grupo dominante, excluindo premissas de grupos com menos poder político e social. Outro autor a falar sobre a temática foi o estudioso Johan Galtung, que fundou a disciplina de estudos sobre paz e conflitos:
“Essa omissão ao lado da estereotipação de negros e negras nas páginas dos jornais, constitui o que Galtung (2003) classifica como violência cultural, mas que denominaremos violência midiática devido ao papel específico da mídia nesse processo. […] Violência Midiática, portanto, é um tipo de violência cultural praticada pela omissão da mídia ou pela criação de estereótipos que reforçam violências diretas e estruturais de uma sociedade”.
SODRÉ APUD BARROS E VELOSO NETO, 2021, P. 12
Sendo assim, fica evidente que o trabalho feito pela mídia tradicional brasileira, que ignora casos de violência racial, mas salienta a marginalização da comunidade negra como algo a ser combatido com violência policial e abuso de poder, tem raízes históricas influenciadas também pela mesma linha de criação do entendimento de nação e nacionalidade brasileira.
Conclusão
Analisando partes da obra de Emicida, pode-se notar diversos fragmentos que sustentam a ideia inicial, defendida por Weber de que as premissas utilizadas como base para a construção da definição de nação foram desenvolvidas por grupos dominantes, com o objetivo de unir território e Estado sob uma cultura específica; sendo assim, há exclusão de grupos não-dominantes. Leandro evidencia como os grupos não-dominantes brasileiros – principalmente negros e pobres, nessa concepção – tiveram sua participação e história excluídas da formação e construção da ideia de nacionalidade brasileira, fazendo com que a população negra carregue, até a contemporaneidade, resquícios da violência histórica e de exclusão.
Por meio da evidenciação de Emicida como pensador da realidade social, com o questionamento da formação do conceito de nação no Brasil, torna-se possível o estabelecimento de uma linha nunca antes trabalhada no universo das Relações Internacionais como disciplina, trazendo a literatura considerada marginal para outro patamar de destaque na área.
Referências
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