Ao passo que o espaço de livre circulação se desenvolve na Europa, mecanismos de controle das fronteiras são fortalecidos. Este trabalho objetiva analisar, sob a lente teórica da securitização, a atuação da Frontex no processo de securitização da migração no continente europeu e os reflexos nos direitos humanos. Parte-se da hipótese de que a abordagem da migração como questão de segurança na União Europeia, em especial através do Frontex, potencializou a violação dos direitos dos imigrantes no continente. Assim, analisar-se-á as ações realizadas pela agência, como as operações de controle territorial, para observar como os movimentos migratórios são percebidos como uma ameaça à segurança social do bloco, e, portanto, justificam-se atos extraordinários para contê-los. A relevância do trabalho insere-se em um contexto de aumento dos mecanismos para frear a migração e da necessidade de um olhar voltado para os direitos humanos dessa população. Assim, busca-se inferir que o fortalecimento da Frontex aumenta a percepção dos migrantes como uma ameaça, agravando o paradoxo entre a liberdade de circulação proporcionada pelo Espaço Schengen e a crescente securitização da entrada no território para os imigrantes.
Sumário
Introdução
Os processos de integração regional dependem de diversos fatores, como a existência de um espaço e identidade comum, interesses socioeconômicos, securitários, culturais, entre outros. Semelhantemente, o desenvolvimento de zonas de livre circulação de pessoas frequentemente é acompanhado do aumento de controle das pessoas que adentram essas zonas. Nesta conjuntura, e com base em estudos realizados por acadêmicos da Escola de Copenhagen, a imigração pode ser percebida como uma ameaça à segurança social e elevada à um tema securitizado. As recentes migrações em massa ocorridas por fatores econômicos, climáticos, guerras etc., intensificam as medidas de controle territorial em face da entrada desses desconhecidos nos territórios. Nesse contexto, e analisando a situação da União Europeia (UE), a Frontex, Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira, foi desenvolvida em 2004 pela UE para fornecer suporte para realizar o controle e gestão das fronteiras. Em 2023, com um orçamento de aproximadamente 845,4 milhões de EUR, a agência possuía mais de 2.000 membros, além de armamentos e tecnologias como drones, helicópteros e sistemas de informação, para garantir a segurança e o funcionamento das fronteiras externas do bloco econômico (UE, 2024).
Para teóricos da Escola de Copenhague, outros temas – além do militar – podem adquirir um caráter securitário, justificando medidas excepcionais para conter uma ameaça. A partir disso, argumentamos que ao se securitizar temas inerentemente humanos, como a migração, potencializa-se a insegurança de um grupo de pessoas consideradas como ameaças, muitas vezes violando direitos humanos. Diversos acadêmicos utilizaram dos conceitos desenvolvidos pela Escola de Copenhague para analisar como a migração é constantemente tratada como um tema de segurança em diferentes regiões (Almeida, 2022; Gallegos, 2018; Léonard; Kaunert, 2022; Velasco, 2014; Waever et al., 1993), chegando à hipótese no caso da Europa de que “o asilo e a migração foram securitizados com sucesso na Europa, ou seja, socialmente construídos como questões de segurança” (Léonard; Kaunert, 2022, p. 3, tradução nossa).
Nesse sentido, o fortalecimento da Frontex e algumas de suas ações empregadas no contexto do aumento de fluxos migratórios, pode exemplificar um avanço do tema no espectro securitário. Durante esse processo, a agência foi responsável pela militarização das fronteiras, regresso de migrantes ao seu país de origem e análises de riscos (Léonard; Kaunert, 2020). Apesar de identificada a capacidade da agência para trabalhar em prol da proteção de todos em zonas de fronteiras e prevenir acidentes, a mesma foi acusada de violar direitos de muitas pessoas, como ao infringir o direito de non-refoulement e de impossibilitar a chegada de solicitantes de refúgio. Com o presente artigo, objetiva-se analisar como as medidas adotadas pela Frontex surgiram no âmbito da securitização da migração, ao identificar os migrantes como uma ameaça, e acabaram por ir contra os direitos humanos desses migrantes. Para isso, iremos explorar a atuação da Frontex na União Europeia, bem como as acusações de violação de direitos humanos sofridas pela agência. Busca-se investigar a existência de relação entre a percepção de imigrantes como uma ameaça para a sociedade européia e a adoção de medidas de defesa das fronteiras contrárias aos direitos humanos. Assim sendo, parte-se da hipótese de que a abordagem da migração como questão de segurança na União Europeia, em especial através da Frontex, intensifica a insegurança dos imigrantes no continente.
O presente trabalho utilizará o método de abordagem Hipotético-Dedutivo. Para alcançar os objetivos pretendidos, os seguintes procedimentos metodológicos serão utilizados: revisão bibliográfica sobre a Escola de Copenhague e o processo de securitização na União Europeia; análise das políticas empregadas para o controle das fronteiras externas na UE; análise do relatório da Olaf (2021) sobre a Frontex e de notícias acerca da violação de direitos humanos relacionada às ações voltadas para controle territorial na UE. Visto o limite de extensão do trabalho, o artigo concentra-se em duas etapas principais: uma breve revisão teórica e bibliográfica relacionando temas como segurança, securitização, identidade e migrações; em seguida partiremos para uma análise das ações da Frontex com base em documentos disponibilizados online e análises realizadas por terceiros.
A Migração como uma Temática de Segurança: Segurança Para Quem?
Segurança é um conceito elástico, subjetivo, e que por vezes depende sobretudo da percepção de uma ameaça existente. Em especial a partir da última década do século XX, a migração passou a ser tratada como um tema de segurança. Entretanto, podemos nos questionar para quem seria essa segurança? Para os migrantes que enfrentam caminhos perigosos ou para a sociedade que os recebe e por vezes os percebe como ameaças?
Os estudos de segurança surgem como um campo de análise em si, especialmente após a Segunda Guerra Mundial, estando anteriormente englobados nos estudos estratégicos e de defesa. Tradicionalmente o campo deu enfoque às temáticas militares, onde o ator e também a ameaça principal são Estados, buscando expandir território. Dessa forma, as décadas de 1950 e 1960 se configuraram como os anos de ouro dessa abordagem – com o período de corrida armamentista e bipolaridade – e “Até os anos 1980, esta corrida armamentista e as e as teorias de dissuasão que lhe estão associadas, dominaram o discurso sobre segurança” (Buzan, 1997, p. 06, tradução nossa).
Com a Guerra Fria perdendo força e outros temas ganhando importância no debate internacional, como o meio ambiente e a economia internacional, o campo de estudos da segurança vê um desenvolvimento fundamental com o fortalecimento de novas abordagens que expandem o campo de análise para além do militar. De fato, “Desde o fim da Guerra Fria, a agenda dos estudos de segurança foi tanto “alargada”, quanto “aprofundada” para incluir novos setores e objetos de referência.” (Abrahamsen, 2005, p. 57, tradução nossa). O debate persiste entre tradicionalistas (Chipman, 1992; Gray, 1992; Walt, 1991; apud Buzan, 1997) e abordagens mais “alargadas” (Abrahamsen, 2005; Buzan; Waever; Wilde, 1998; Emmers, 2010; etc), entretanto o foco da segurança como uma ameaça existencial à algo persiste. Com as novas abordagens, a sobrevivência de algo pode, agora, ser: uma identidade cultural, status econômico, meio ambiente saudável, segurança humana, etc. A segurança passa a ser considerada por alguns como algo socialmente construído (Emmers, 2010, p. 140; Buzan, 1997). Teóricos da Escola de Copenhague apresentam o processo de securitização, o qual acontece através de um “ator securitizador” que ao deter grande poder político e influência expõe algo, através do discurso (speech-act), como uma ameaça latente para uma audiência. Essa audiência aceita a existência da ameaça, justificando medidas excepcionais, que ultrapassam as barreiras da política (Buzan; Waever; Wilde, 1998). Abrahamsen (2005) buscando superar algumas limitações de uma visão restrita da Escola de Copenhague defende que “o processo de securitização é, portanto, melhor entendido como gradual e incremental; e, importante, uma questão pode ser colocada no continuum de segurança sem necessariamente chegar à categoria de ameaça existencial” (p. 59, tradução nossa). Assim sendo, diferentes temas podem ser socialmente construídos como possíveis ameaças à existência de algo crucial, ocupando diferentes etapas de um “espectro de securitização” (Emmers, 2010), e apresentando claros objetivos políticos.
Alguns acadêmicos expõem que incluir outras temáticas nos debates de segurança pode ter resultados positivos, por “conduzirem a uma mobilização sustentada de apoio político e emprego de recursos” (Emmers, 2010, p. 141, tradução nossa). Ou, ainda, por comandar prioridade, “a securitização também tem atrativos tácticos – por exemplo, como forma de obter atenção suficiente para os problemas ambientais.” (Buzan; Waever; Wilde, 1998, p. 29, tradução nossa). Entretanto, os mesmo autores também destacam as inúmeras consequências negativas do processo, e defendem uma dessecuritização, sendo “sempre uma escolha política securitizar ou aceitar uma securitização.” (Buzan; Waever; Wilde, 1998, p. 29, tradução nossa). Dentre as consequências negativas, pode-se citar uma concentração e legitimação do uso da força, abusos políticos, perda da democracia, silenciamento da oposição e violação de direitos humanos. Também, por elevar o assunto à uma esfera de exceção, medidas podem ser tomadas sem passar pelo processo normal da política. Ao tratar de temas intrinsecamente humanos, como a migração, argumentamos que a securitização desses tópicos pode incitar a violação de direitos humanos. Ao passo que seres humanos passam a ser retratados como ameaças e medidas por vezes ilegitimáveis passam a ser justificadas.
Diversos acadêmicos utilizaram dos conceitos desenvolvidos acerca da securitização, e também de outras abordagens “alargadas”, para analisar como a migração é constantemente tratada como um tema de segurança em diferentes regiões (Almeida, 2022; Gallegos, 2018; Léonard; Kaunert, 2022; Velasco, 2014; Waever et al., 1993). Em 1993, Waever et al., já estimavam que a “sociedade” se tornaria o principal foco da segurança no continente europeu na próxima década, e possivelmente além. Os autores conceituaram a “segurança social” e buscaram demonstrar como novos temas, como a migração, poderiam implicar em percepções de ameaça contra, por exemplo, uma identidade nacional, modos de governança, ou sobrecarga de sistemas sociais e econômicos dentro do Estado. O que poderia afetar “a estabilidade da sociedade e, por conseguinte, a capacidade dos governos de acolhimento de governar.” (Waever et al., 1993, p. 162, tradução nossa). Em resumo, ameaças à segurança social poderiam ser “qualquer coisa que coloque a identidade do “nós” em perigo” (Waever et al., 1993, 42, tradução nossa). Apesar do texto tratar especialmente da integração europeia, que estava em seu desenvolvimento embrionário, é possível relacionar ao que vemos atualmente. Ao final do século XX, e ganhando ainda mais força com as “crises de refugiados” após conflitos intensificados no século XXI – como a Guerra Civil Síria – a migração passou a ser cada vez mais tratada como um tema de segurança. É importante se questionar, também, se essa postura persiste para todos os imigrantes, ou se existiria apenas para categorias específicas?
Com o aumento de tensões e dilemas de segurança social, “sociedades podem passar por processos em que as percepções dos “outros” se transformam em “imagens de inimigos” que se reforçam mutuamente, conduzindo ao mesmo tipo de dialética negativa que o dilema de segurança entre Estados.” (Waever et al., 1993, p. 46, tradução nossa). Por sua vez, para a teoria da identidade social, há uma pressão para avaliar positivamente um próprio grupo, e isso faz com que haja uma comparação que os diferenciam dos outros. Assim, os grupos dominantes legitimam sua cultura e costumes, e passam a categorizar os distintos como “impuros”, “estranhos” (Lamont; Molnár, 2002). Assim, pode-se começar a pensar a construção de uma identidade europeia e de uma zona de livre circulação em que há uma diferenciação da defesa de liberdade entre os que estão dentro, e os que estão fora; entre o nós, e o eles. Nesta conjuntura, alguns acadêmicos argumentam que ao se criar o Espaço Schengen, a fim de suprimir as fronteiras internas foi necessário endurecer as fronteiras externas ao bloco e aumentar o controle de quem entra (Gorrín; Lara, 2020; Huysmans, 2000). Passando também à questão migratória para um nível supra estatal centrado na União Européia, e menos em cada Estado nacional.
Em 2000, Huysmans já argumentava que os migrantes eram representados como um fator desestabilizador e uma ameaça às “políticas de pertencimento”, representando uma advertência à integração e segurança social do bloco. Décadas mais tarde, Laura de Almeida, ao analisar principalmente o fluxo Marrocos-Espanha, afirma que “diante do fluxo migratório ao continente europeu, o que se observa é a crescente securitização das fronteiras e das políticas públicas de acolhimento, que resulta nas violações dos direitos” (2022, p. 59478).
Outros autores defendem ainda que atualmente,
estas políticas (de migração) têm um rosto menos humano; a palavra “segurança” é cada vez mais utilizada e a palavra “direitos” cada vez menos. O novo universo de ideias, discursos e práticas apela diretamente à migração como um problema e aos migrantes como uma ameaça à segurança. (Gallegos, 2018, p.19, tradução nossa).
Ademais, um considerável número de acadêmicos se debruçou, também, sobre a análise da Frontex, a Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira, e sua influência nos direitos humanos dos migrantes. Atak e Ndiaye defendem que o “reforço sem precedentes dos poderes da Frontex reflete a preferência da UE e dos seus Estados-Membros em responder à pressão migratória principalmente através da securitização das suas fronteiras, a fim de dissuadir os migrantes indesejados” (2020, p. 369, tradução nossa). Por sua vez, Léonard e Kaunert, ao analisar e comparar as “crises migratórias” na europa de 2005-06 e 2015-16, concluem que a última “conduziu a uma intensificação das práticas de segurança da Agência (Frontex)” (2022, p. 20, tradução nossa), a qual “avançou para o ponto final do continuum, que se caracteriza pela sobrevivência, ameaças existenciais e militarização” (Léonard; Kaunert, 2020, p. 1, tradução nossa).
Posto isso, é possível argumentar que ao passo que a União Europeia construiu um espaço de livre circulação de pessoas, pessoas de fora dessa nova sociedade passaram a ser vistas como uma ameaça à mesma. Imigrantes foram percebidos, em diferentes casos, como uma possível ameaça aos costumes, identidade e ordem social, tornando-se tornando um tema de segurança social. A percepção de ameaça se intensificou após o 11 de setembro, surgindo cada vez mais discursos que relacionam migrantes à ações terroristas, e ainda mais com o aumento do fluxo de migrantes e solicitantes de asilo como consequência de Guerras, como a Guerra Síria. Nesse contexto, medidas de controle foram desenvolvidas, como a criação e fortalecimento da Frontex. A seguir, a Frontex e suas ações serão analisadas mais detalhadamente.
O Caso Frontex: Fundação da Agência e Condenação a Violação dos Direitos Humanos
Em 2004, o Conselho e a Comissão Europeia criaram a Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira, conhecida como Frontex. A agência desenvolveu-se no contexto do Espaço Schengen, área de livre circulação de indivíduos dos 26 países europeus signatários do acordo. Assim, qualquer indivíduo que possuir o visto ou residência em um dos países, consegue circular livremente dentro desse território (Comissão Europeia, 2020). A Frontex emerge como um órgão para realizar o controle das fronteiras externas a esse espaço, com a proteção e monitoramento tanto no espaço aéreo, terrestre quanto no marítimo. Com a disposição de guardas para o controle, a agência também atua no suporte aos países da União Europeia para treinamentos e operações em conjunto, assim como operações de retorno, análises de risco e identificação de possíveis ameaças, para conter o crime transfronteiriço e a migração irregular (Léonard; Kaunert, 2020).
Desde a sua criação, o regulamento da Frontex já passou por 4 revisões significativas: em 2007, 2011, 2016 e 2019. A cada alteração, ampliou-se o escopo de atuação da agência, assim como o orçamento destinado para as suas ações. No ano de 2016, após o episódio conhecido como a “Crise de Refugiados de 2015”, com a chegada em massa de mais de milhões de migrantes e solicitantes de refúgio ao continente europeu, houve as alterações mais significativas que ampliaram os recursos da agência, assim como o seu desempenho (Léonard; Kaunert, 2020). Nesse sentido, o mandato da Frontex estava restrito a garantia da segurança das fronteiras externas, a depender de contribuições voluntárias dos Estados-Membros para tal, mas com a mudança no regulamento, a agência passa a ter a definição das suas ações, com gerenciamento eficiente das fronteiras, e resposta aos desafios migratórios e potenciais ameaças, a fim de conter os crimes transfronteiriços. Além disso, estabeleceu-se a Guarda Europeia de Fronteiras e Costeira, reserva de 1500 agentes dispostos para as rápidas intervenções que a agência pode implementar. Essa mudança pode ser observada principalmente no orçamento anual da Frontex, o qual passou de EUR 93 milhões em 2014, para EUR 233 milhões em 2016 (União Europeia, 2021).
Já no ano de 2019, há o fortalecimento da agência com novas alterações no seu regulamento. Nesse sentido, a mudança mais significativa consiste na ampliação da Guarda Europeia de Fronteiras e Costeira, a qual objetiva ser incrementada de modo gradual, para obter cerca de 10.000 guardas efetivos até o ano de 2027, sendo 3.000 guardas de fronteira e costeiros, agentes de escola das operações de regresso e especialistas. Para isso, o orçamento destinado à agência deve aumentar de EUR 460 milhões em 2020, para cerca de EUR 900 milhões por ano. Assim, a criação desse corpo permanente reforça o fortalecimento da agência, pois diminui a dependência que ela possui das contribuições voluntárias dos Estados Membros (União Europeia, 2021). Dessa maneira, com o passar dos anos e a intensificação dos fluxos migratórios para o continente europeu, foi possível observar a consolidação desse órgão, com o aumento do orçamento destinado para as suas ações e equipamentos de monitoramento e controle, somado ao desenvolvimento de uma guarda específica para elas. Assim, pode-se estabelecer uma relação de securitização com o fortalecimento da Frontex, ao passo que esse órgão intensificou sua atuação nas fronteiras com a percepção de que o aumento do fluxo migratório representaria uma ameaça para a população do Espaço Schengen. Além disso, o modo de operação da agência também reforça o caráter securitário adquirido pela questão migratória no continente europeu.
O regulamento da Frontex afirma que o controle fronteiriço da União Europeia consiste em uma “responsabilidade compartilhada” (Fink, 2017, p. 4, tradução nossa) entre a agência e as autoridades nacionais. Nesse sentido, as principais ações desenvolvidas por eles consistem em: rápidas intervenções; operações conjuntas de controle fronteiriço; operações conjuntas de retorno e operações em conjunto com países terceiros. As rápidas intervenções consistem em atividades emergenciais, a partir da identificação de uma ameaça ou situação urgente, em que há a necessidade de uma decisão jurídica vinculada ao Conselho, com base em uma proposta da Comissão. Para essas ações, há os grupos de reação rápida, compostos por 1500 agentes, que serão nomeados pelo Diretor Executivo da agência, assim como o coordenador para auxiliar na missão (Frontex, 2024b). A Grécia já solicitou duas rápidas intervenções para a Frontex, a primeira no período entre 2010 e 2011, e a segunda em 2015. Nessa região, já havia uma ação da Frontex para conter a imigração irregular e controlar o fluxo migratório oriundo principalmente do Mar Mediterrâneo, nomeada de “Poseidon”. Nessa ação, cerca de 700 guardas foram dispostos para auxiliar no registro e identificação do processo dos solicitantes de asilo no país. O orçamento destinado para essa operação desde 2007 variava entre EUR 8 milhões e EUR 13 milhões, mas em 2015, aumentou para EUR 20 milhões (Fink, 2017). Isso demonstra o caráter urgente das rápidas intervenções, assim como a sua fragilidade, pois o próprio país pode agir como um ator securitizador e identificar a chegada em massa de migrantes como uma “ameaça” para o seu território. Assim, a Frontex possui legitimidade e a garantia de dispor dos guardas, além de outros equipamentos para controle, para agir de maneira emergencial sobre a situação identificada.
Outro modo de ação da agência consiste nas operações em conjunto, com o foco principal no controle das fronteiras e no retorno de indivíduos que não possuem o direito de permanecer na Europa. As operações com foco no controle fronteiriço ocorrem para “ […] detectar, prevenir e responder aos fluxos de migrações irregulares.” (Fink, 2017, p. 44, tradução nossa). Tais intervenções são programadas de acordo com as análises de risco elaboradas pela agência, ao considerar as prováveis ameaças relacionadas à migração irregular e crimes transfronteiriços, com o intuito de agir de modo efetivo para contê-las (Frontex, 2024a). Já nas operações de retorno, o foco consiste em alocar os indivíduos que foram identificados como “irregulares” para o seu país de origem. Assim, no processo de identificação realizado pela agência, os guardas são responsáveis por verificar as condições para a solicitação de asilo no continente europeu, e caso o migrante em questão não se encaixe nos requisitos, ocorre a sua deportação para o país de origem. Somente no ano de 2015, cerca de 3.565 pessoas foram retornadas em 66 operações, somado a isso, houve o aumento no orçamento destinado para esse processo, que passou de EUR 13 milhões em 2015, para EUR 66 milhões em 2016. Entretanto, a Frontex não participa do mérito da questão acerca do regresso, apenas presta o apoio e executa as ações, a parte legal, assim como a justificativa e a solicitação, são de responsabilidade dos Estados Membros da União Europeia (Frontex, 2024). A principal problemática relacionada a essas operações de retorno consiste em diversos casos violar o princípio do non refoulement, em que de acordo com a Convenção de 1951, o solicitante de asilo e refúgio possui proteção internacional, e portanto, não pode ser devolvido ao seu país de origem devido ao risco que ele possui nesse local (ACNUR, 1951).
Por fim, a agência também realiza operações em conjunto com países terceiros, localizados no exterior da União Europeia. Nesses casos, um acordo é firmado com o país terceiro e um membro da UE para controle fronteiriço, com o intuito de conter imigração irregular que apresenta ameaças para as fronteiras externas do bloco, assim como barrar o avanço do crime transfronteiriço. Assim, a Frontex auxilia nas operações que utilizam desses países localizados fora do bloco para externalizar as fronteiras do Espaço Schengen, e garantir uma maior segurança e proteção para o território europeu (Fink, 2017,). Nesse sentido, as principais atividades da agência são realizadas a fim de garantir a segurança e controle territorial, entretanto, o seu modo de ação, principalmente por meio das rápidas intervenções, indicam uma ameaça a garantia dos direitos humanos para a população migrante e refugiada, visto que há a possibilidade de medidas urgentes serem adotadas para sanar uma possível ameaça. Além disso, a análise de risco desempenhada pela agência também intensifica esse caráter de construção social da ameaça, já que o próprio órgão realiza esse levantamento de possíveis ameaças e elabora o plano de ação para contê-los, e por se tratar de controle das fronteiras, os fluxos migratórios correspondem ao seu principal foco de atuação. Dessa maneira, deve-se ressaltar as obrigações que a agência possui para garantir os direitos humanos da população migrante, para evidenciar as violações que ocorrem durante as operações.
Nesse contexto, o regulamento da Frontex afirma que, como agência da União Europeia, suas ações devem respeitar a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, a Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, o Direito Internacional pertinente, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar e a Convenção Internacional sobre Busca e Salvamento Marítimos (OLAF, 2021). Dessa maneira, a agência possui a obrigação de respeitar o direito internacional, principalmente o princípio do non refoulement. Além dessas convenções, com a alteração do regulamento em 2011, o órgão também implementou uma Estratégia de Direitos Fundamentais da Agência, sob a responsabilidade de um Oficial dos Direitos Fundamentais, para adotar um procedimento operacional normalizado, a fim de garantir uma ação respeitosa aos direitos fundamentais nas suas intervenções. Como obrigações estipuladas por essa estratégia, estão a adoção de medidas razoáveis para proteção dos riscos relacionados aos direitos humanos, assim como a identificação de possíveis riscos à segurança dos migrantes e refugiados no momento da travessia, e a ação preventiva para evitá-los. Além disso, o Oficial executivo possui a obrigação de cancelar uma missão que fere algum dos direitos fundamentais (OLAF, 2021). Ainda que haja todas as exigências e convenções relacionadas à proteção dos direitos humanos, a agência recebeu diversas acusações desde a sua fundação por medidas adotadas que, na realidade, violam os direitos humanos dos migrantes e refugiados. Casos de abusos de autoridade, violência nas abordagens e operações, em conjunto com as operações que ferem o princípio do non refoulement, são expostas principalmente por organizações internacionais que atuam na proteção dessa população (União Europeia, 2023).
Nesse sentido, em 2020, o Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) recebeu acusações contra a Frontex sobre violação dos direitos humanos e queixas administrativas e trabalhistas. Assim, iniciou-se uma investigação com base em documentos da Agência, da Comissão Europeia e fontes públicas e privadas, para comprovar a veracidade da acusação. Nesse trabalho, será aprofundado somente as acusações relativas às ações da agência, as questões administrativas internas não serão situadas devido a limitação temática. Assim, as principais acusações se referem a prática de pushback ilegal, e o não cumprimento do procedimento operacional normalizado relativo a garantia dos direitos fundamentais. A prática de pushback consiste na interceptação de migrantes oriundos de países terceiros, e a sua volta forçada para o seu país de origem. Essa ação é considedara ilegal pela legislação da União Europeia e a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, além de ferir o princípio de non refoulement, direito fundamental garantido pela Convenção do Refugiado, a qual a Frontex deve respeitar (OLAF, 2021).
Além disso, foi observada a não padronização da operação relativa aos direitos fundamentais em diversas abordagens da Agência. Assim, possíveis ameaças e riscos relacionados à travessia dos migrantes, que deveriam ser alertados pela agência para evitar acidentes maiores, não foram realizados pela equipe. Somado a isso, também houve o recebimento de diversas denúncias do governo turco sobre a atuação da agência em suas operações no Mar Mediterrâneo que não foram repassadas para o Oficial de Direitos Fundamentais, o que implica na falta de transparência das ações adotadas pela agência. Destarte, a investigação também indicou as acusações dos organismos internacionais relacionados a proteção de migrantes e refugiados devido a sistemática violação dos direitos humanos durante as suas operações, as quais foram repassadas para a Agência, mas sem a adoção de medidas plausíveis para reparação e reporte adequado dessa situação (OLAF, 2021). Relatos de membros da organização reforçam a atuação que a agência adota em conjunto com os países, o mesmo relatório indica a fala de um indivíduo que “[…] alertou também que mesmo que a Agência não esteja diretamente envolvida em ações que podem implicar violações dos direitos fundamentais “o simples fato da (FRONTEX, nota acrescentada pelo OLAF) apoiar as autoridades nacionais que o fazem, afeta a agência em alguma extensão” (OLAF, 2021, p. 11, tradução nossa). Dessa maneira, as ações expostas acima, com as principais acusações de prática de pushback, assim como a não padronização nas operações, que resultou na falta de prevenção de riscos durante a travessia de migrantes, e a violação dos direitos humanos denunciadas por organizações internacionais, reforçam o tratamento que é disposto ao migrante. Assim, é possível analisar que a Frontex, durante as suas abordagens e operações, utiliza dos seus mecanismos para garantir a segurança e proteção daqueles dispostos dentro do Espaço Schengen, ao passo que, os “outros” são identificados como uma ameaça, e mesmo com a obrigação de também protegê-los, por vezes essas ações não são realizadas.
Conclusão
Em virtude dos fatos apresentados, demonstra-se como a atuação e operação da Frontex, apesar de possuir capacidade para – e se comprometer com – a defesa de todos, reforça a ação securitizadora da migração no continente europeu. Especialmente com a criação da União Europeia, a migração passou a ser percebida por muitos como uma ameaça à integração e à nova sociedade. Semelhantemente, percebe-se que para o pleno funcionamento do Espaço Schengen, foi considerada necessária a intensificação das barreiras para a entrada neste mesmo espaço; contribuindo para o sentimento de diferença entre nós (que estamos no interior) e outros (que vem de fora). Assim, o uso da Frontex, composta por uma Guarda de Fronteiras, com o aumento exponencial do orçamento anual desde a sua criação, somado aos investimentos em equipamentos tecnológicos para realizar um controle fronteiriço cada vez mais sofisticado e ágil, indicam a gravidade e relevância que os membros da União Europeia atribuem ao controle fronteiriço. Além disso, o modo de operação da agência, principalmente com a possibilidade das rápidas intervenções aplicadas em questões emergenciais, podem se relacionar com as medidas de exceção para lidar com as questões de segurança. Dessa forma, ao expor as violações de direitos humanos realizadas pelo órgão durante as suas operações, em conjunto com as práticas de pushback que ferem o princípio de non refoulement, e com a ausência da prevenção de acidentes para garantir a segurança da população que migra, busca-se evidenciar como os fluxos migratórios são observados como um fator de ameaça, e por esse motivo, as ações adotadas pela agência não garantem os acessos aos direitos dos “outros”, mas sim, do “nós”.
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