A ascensão da China e a busca da Rússia por maior influência transformaram a África em um campo estratégico de disputas e interesses internacionais. Nos últimos anos, a China emergiu como uma potência econômica dominante, impulsionando investimentos bilionários em infraestrutura, comércio e desenvolvimento no continente africano, sob a bandeira de sua Iniciativa Belt and Road. Ao mesmo tempo, a Rússia, movida pelo desejo de recuperar sua relevância geopolítica e conter a influência ocidental, ampliou suas operações militares e de segurança, especialmente em colaboração com regimes locais, muitas vezes por meio do controverso Grupo Wagner.
Essa nova dinâmica desafia a presença histórica das antigas potências colonizadoras europeias e dos Estados Unidos, que agora competem por espaço em um cenário onde sua influência é cada vez mais questionada. A entrada de China e Rússia não apenas reconfigura as alianças políticas e econômicas no continente, mas também suscita reflexões sobre os impactos dessa nova ordem, incluindo a dependência econômica, os dilemas de segurança e as perspectivas de um desenvolvimento africano menos subordinado aos interesses externos.
Sumário
Aproximação da China com a África: Iniciativa Belt and Road e Crescimento Comercial
Nos últimos anos, a China estabeleceu-se como um parceiro crucial para o desenvolvimento econômico da África, principalmente por meio de investimentos robustos em infraestrutura e comércio. A Iniciativa Belt and Road (BRI), lançada em 2013, tornou-se a principal estratégia chinesa para expandir sua presença global, conectando países africanos à Ásia e a outras regiões através de um vasto conjunto de projetos de infraestrutura. Essa iniciativa reflete o compromisso chinês com a criação de uma rede de transporte e logística que facilita não apenas o comércio, mas também o acesso a recursos naturais essenciais para sua própria economia em crescimento.
A África é um dos principais focos da BRI, que já conta com a adesão de 46 países africanos, representando 94% das nações subsaarianas. As atividades da BRI no continente incluem a construção e modernização de ferrovias, rodovias, portos e aeroportos, além de projetos de energia, como usinas de eletricidade. Um exemplo marcante é a ferrovia Adis Abeba-Djibouti, com mais de 700 km de extensão, que conecta a Etiópia ao porto de Djibouti e facilita o escoamento de produtos, gerando maior integração econômica regional e aumentando a competitividade dos países africanos no mercado internacional.
Esse avanço rápido em infraestrutura impulsionou o comércio bilateral entre China e África, que em 2021 superou a marca de US$ 250 bilhões, volume quatro vezes superior ao comércio entre Estados Unidos e África no mesmo período. Em países como Angola, Nigéria, Etiópia e Zâmbia, os investimentos chineses têm ajudado a modernizar setores críticos e a transformar a estrutura econômica local, criando novas oportunidades de emprego e desenvolvimento urbano. As empresas chinesas, por sua vez, encontram no continente um mercado em expansão e uma fonte abundante de recursos naturais, como petróleo, minerais raros e produtos agrícolas.
No entanto, essa intensa relação comercial e de investimento gera uma dependência significativa de diversas nações africanas em relação ao financiamento chinês. Ao conceder empréstimos para projetos de infraestrutura, a China passa a exercer uma influência econômica e política considerável, o que desperta preocupações sobre a chamada “diplomacia da armadilha da dívida”. Alguns países, como Zâmbia e Djibouti, têm enfrentado dificuldades para honrar suas dívidas com credores chineses, colocando em risco a sustentabilidade de longo prazo de seus modelos de desenvolvimento.
A Iniciativa Belt and Road, ao mesmo tempo que possibilita um rápido progresso econômico, exige que os países africanos mantenham um equilíbrio cuidadoso entre os benefícios imediatos dos investimentos chineses e os riscos potenciais de comprometimento de sua soberania financeira. A África tem se tornado um campo de atuação geopolítica importante, e a influência crescente da China apresenta tanto uma oportunidade de modernização quanto desafios que exigem uma análise estratégica para garantir o crescimento sustentável e autônomo do continente.
Rússia e o Papel do Grupo Wagner na África
Ao contrário da abordagem predominantemente econômica da China, a Rússia tem ampliado sua presença na África através de uma estratégia focada na segurança e na influência militar. Através do uso de mercenários, principalmente os da empresa privada militar conhecida como Grupo Wagner, a Rússia atua como um importante aliado para governos locais, oferecendo suporte em questões de segurança e combate a insurgências. Esse tipo de atuação é particularmente atrativo para regimes autoritários que enfrentam desafios internos, pois o Grupo Wagner não só fornece apoio militar, mas também contribui para a estabilidade do poder desses governos, garantindo uma presença estratégica para Moscou e permitindo acesso a recursos naturais valiosos.
O Grupo Wagner possui uma atuação ampla e profunda em países como Mali e República Centro-Africana, onde suas atividades vão desde o treinamento de tropas locais até a proteção direta de líderes políticos e instalações estratégicas. No Mali, por exemplo, o Grupo Wagner substituiu parte das forças internacionais, como as da ONU, após a retirada de missões de paz ocidentais, deixando o país dependente dos serviços de segurança russos. Na República Centro-Africana, o Grupo Wagner desempenha um papel crucial na defesa do governo local e na manutenção da ordem, o que resulta em uma forte influência russa sobre o país.
A atuação do Grupo Wagner também se destaca pelo seu caráter multifacetado: além de oferecer treinamento e segurança, ele participa de atividades de mineração e extração de recursos, especialmente em áreas ricas em ouro e diamantes. Esse modelo de operação permite que a Rússia expanda sua influência geopolítica na África, ao mesmo tempo em que assegura o acesso a minerais estratégicos, essenciais para a economia russa. Assim, o Grupo Wagner se estabelece como uma extensão informal da política externa russa, exercendo um papel disruptivo na política africana ao aliar poder militar e exploração econômica.
Contudo, a presença do Grupo Wagner na África é frequentemente criticada por organizações internacionais e governos ocidentais, que acusam a organização de promover práticas abusivas, como a desinformação, e de usar a força de maneira opressiva. Essas atividades, muitas vezes vistas como interferência direta nos assuntos internos dos países, revelam uma abordagem russa mais agressiva, que busca consolidar poder e influência na África em detrimento de alternativas pacíficas e diplomáticas.
Ao apoiar governos locais que enfrentam resistência popular ou interna, a Rússia se posiciona como uma potência que oferece soluções de segurança em troca de alianças estratégicas e acesso a recursos. Essa combinação de segurança e exploração faz do Grupo Wagner uma ferramenta fundamental para o avanço dos interesses russos na África, enquanto reduz a presença ocidental e fortalece o papel de Moscou como um parceiro de segurança para regimes que buscam estabilidade, mas também desafiam as normas ocidentais de governança e direitos humanos.
Desafios da Influência Sino-Russa no Desenvolvimento Africano
Embora a presença de Rússia e China na África traga benefícios econômicos e de segurança, também impõe desafios complexos que afetam a soberania e o desenvolvimento sustentável dos países africanos. Um dos principais pontos de preocupação é o crescente endividamento das nações africanas com a China. Por meio de empréstimos generosos para projetos de infraestrutura, a China oferece financiamento para obras de grande porte, como estradas, ferrovias e portos, que podem transformar a economia local. No entanto, o acúmulo dessa dívida coloca alguns países em uma situação de vulnerabilidade. Casos como o da Zâmbia, que enfrentou dificuldades para honrar suas obrigações financeiras com credores chineses, mostram que, quando as economias locais não conseguem sustentar esses compromissos, há o risco de se tornarem dependentes e até mesmo de cederem controle de ativos estratégicos, comprometendo sua autonomia econômica.
Além da questão econômica, a abordagem russa, focada em segurança e apoio militar, também levanta preocupações sobre governança e direitos humanos. A Rússia, frequentemente através do Grupo Wagner, tem estreitado laços com regimes autoritários em países como Mali e República Centro-Africana. Embora esse apoio fortaleça o poder desses governos e contribua para a estabilidade local, ele perpetua estruturas de poder que, em muitos casos, são pouco democráticas e negligenciam direitos fundamentais. Isso cria um paradoxo: ao mesmo tempo que oferece estabilidade, a influência russa também fortalece governos que resistem a reformas e que, muitas vezes, enfrentam contestação popular e críticas internacionais.
Além disso, o crescente interesse de Rússia e China em reduzir a presença ocidental no continente coloca a África em uma posição geopolítica delicada. A competição dessas potências com os países ocidentais, em especial Estados Unidos e antigas potências coloniais europeias, desafia as alianças tradicionais e força as nações africanas a reavaliar suas parcerias estratégicas. Essa nova configuração geopolítica pode oferecer oportunidades de diversificação, mas também ameaça comprometer a autonomia africana. Divididas entre a atração dos investimentos e o apoio de Rússia e China e a necessidade de preservar relações com o Ocidente, as nações africanas enfrentam o desafio de equilibrar interesses imediatos e a proteção de sua soberania a longo prazo.
Conclusão
A crescente influência de Rússia e China na África apresenta uma combinação de oportunidades e desafios que podem definir o futuro do continente nas próximas décadas. De um lado, os investimentos chineses em infraestrutura e o apoio russo em segurança contribuem para o crescimento econômico e a estabilidade política de diversas nações africanas, impulsionando o desenvolvimento e expandindo as opções de cooperação para além das potências ocidentais. De outro, essa influência gera preocupações quanto à sustentabilidade financeira e ao fortalecimento de regimes autoritários, além de colocar em risco a autonomia política de alguns países.
Para que os países africanos tirem proveito dessas relações sem comprometer sua soberania, é essencial que governos e instituições locais busquem um equilíbrio entre os benefícios de curto prazo oferecidos por Rússia e China e as implicações de longo prazo dessas parcerias. Priorizar uma postura de protagonismo e independência nas relações internacionais permitirá que a África preserve sua voz no cenário global e promova um desenvolvimento mais sustentável e autônomo. Dessa forma, as nações africanas podem maximizar o impacto positivo dessas parcerias, mantendo um caminho de crescimento que respeite suas aspirações e necessidades próprias.