O intuito do artigo é compreender como os países africanos Angola e Seychelles conseguem desenvolver políticas de sustentabilidade ambiental ao mesmo tempo que se desenvolvem sua economia através da exploração de recursos naturais, sem restringir sua industrialização. Serão analisados os objetivos da Agenda 2063, iniciativa da União Africana para auxiliar o desenvolvimento econômico de forma sustentável, e também documentos produzidos pelos próprios países sobre seu progresso no desenvolvimento de políticas ambientais.
Introdução
O incômodo inicial para a formulação do presente artigo parte do entendimento de que a noção de desenvolvimento econômico, sobretudo, como industrialização não deve ser aplicada igualmente em todos os Estados devido às suas trajetórias distintas marcadas pelos mais de quatro séculos de exploração do Sul pelo Norte Global. Assim, segundo Chutando a Escada de Ha-Joon (2003), se mostrou relevante para compreender a questão do desenvolvimento em um Sistema Internacional dividido entre Norte e Sul Global, em especial, quando questiona “até que ponto os países desenvolvidos não estão procurando esconder o segredo de seu sucesso” (HA-JOON, 2003, p.13).
Nesse sentido, os mitos que circunscrevem a história contemporânea do continente africano também se mostraram relevantes para a formulação deste, em especial aquele que considera a África como uma “causa perdida” onde o desenvolvimento e a “civilização” nunca chegarão. Essa narrativa dialoga com o trabalho de Ha-Joon, pois não é esperado que o continente se desenvolva, já que as antigas metrópoles chutaram a escada e vêm impondo barreiras ao desenvolvimento desses por meio de pautas como a sustentabilidade. Esse artigo, portanto, visa compreender se essas são de fato barreiras, e se a África desafia esses mitos e vem construindo aparatos institucionais para se desenvolver a seu modo. Considerando que ambos Estados são membros da União Africana e, assim, seguem os objetivos da Agenda 2063, o objetivo deste artigo é entender como os países africanos Angola e Seychelles conseguem conciliar seu desenvolvimento econômico com o fomento de políticas ambientais de desenvolvimento sustentável de forma que esse desenvolvimento econômico seja pouco impactado.
Contribuindo para a governança global, as organizações internacionais são fóruns, construídos e tendo seu escopo de ação delimitado pelos Estados, onde se dá o processo de criação das normas, desenvolvimento de conhecimento e legitimação de ideias entre os Estados-membros (HERZ, HOFFMAN, 2004). Tendo isso em vista, em 1963, foi fundada a primeira organização continental da região africana: a Organização da União Africana (OUA) em um contexto de otimismo após 1960 – período que foi marcado pela conquista de 17 independências no continente.
É necessário salientar que a criação da OUA é o resultado de um longo processo de luta do Pan-africanismo que consistiu de diversas conferências desde o início do século XX, com destaque para a Conferência de Accra de 1959. Quatro anos antes da fundação da OUA, ocorreu em Accra, a capital de Gana – o primeiro país a se tornar independente no continente -, a primeira conferência pan-africanista com somente intelectuais africanos que discutiram a solidariedade e unidade entre esses povos. Isso impulsionou, além dos movimentos de descolonização, também esforços de integração regional. A partir desses debates produzidos nessas conferências pan-africanistas, surgiram alguns pontos que dividiram o continente em dois grupos: o bloco Casablanca e o bloco Monrovia, o primeiro apoiava um plano de desenvolvimento sustentado em planos sociais e centralizado no Estado, enquanto o segundo preferia um processo desenvolvimentista baseado no livre mercado e protagonizado pelos investimentos internacionais (BUJRA, 2002).
Nesse sentido, o surgimento da OUA pode ser compreendido como uma institucionalização do Pan-africanismo. Contudo, em sua primeira década de existência, a organização foi vista como um clube de chefes de Estado, devido ao princípio de não intervenção em assuntos nacionais que impedia um número e alcance significativo de suas ações. Esse respeito à soberania estatal derivava de um dos principais objetivos da OUA, o de amparar os novos países africanos que se encontravam em uma situação de fragilidade, e de auxiliá-los a conquistar completa independência.
Porém, as décadas de existência da OUA presenciaram diversas violações da dignidade humana em regimes autoritários como no apartheid sul africano e na Uganda de Idi Amin (1971-1979) que provocaram reações internacionais e ressaltou a inércia da organização em face ao princípio de não intervenção. Para além disso, o não pagamento das cotas por um número significativo dos Estados-Membros, em decorrência, principalmente, da crise econômica da década de 1980, também contribuiu para a ineficácia da OUA (DIALLO, 2005).
Assim, nasceu em 2002, a União Africana (UA), uma organização continental africana reinventada a partir da erradicação do colonialismo conquistada por sua antecessora, no século XXI todos os Estados africanos eram independentes. A UA, diferentemente da OUA, possui o direito de intervir em assuntos domésticos de seus Estados-membros, princípio que advém do compromisso dessa organização para com as normas e instituições democráticas internacionais como boa governança, justiça social e direitos humanos. Como consequência disso, a atuação dela nos conflitos é consideravelmente distinta em relação à sua antecessora, condenando o uso da força, fomentando a cooperação no setor de segurança e realizando operações de paz em conjunto com o Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) (DÖPCKE, 2002).
Como apontado acima, a UA é resultado de um movimento africano em direção ao mainstream da agenda internacional, exemplificado por sua estrutura muito semelhante à da União Europeia e adesão aos princípios ocidentais liberais de democracia. Entretanto, isso não significa uma nova submissão africana, mas sim um processo em direção a um maior papel do continente na política internacional, incorporando essas normas e princípios de modo que se adaptem à realidade de seus povos, africanizando-os (DÖPCKE, 2002).
A Agenda 2063
As mudanças do clima são atribuídas a mudanças ‘‘direta ou indiretamente à atividade humana que altera a composição da atmosfera global e que é adicional à variabilidade natural do clima observada em períodos comparáveis” (UNFCCC, 1992, p. 4). Essas mudanças, quando extremas, podem acarretar diversas consequências para a população do mundo, como por exemplo enchentes, secas, desertificação e aumento do nível do mar – que podem acarretar a destruição da agricultura ou até mesmo a perda territorial de um país (SANTOS, 2011).
Para lidar com essas consequências, os países negociaram diversos tratados internacionais, que estabelecem o compromisso destes para com o combate ao aquecimento global e à emissão dos GEEs. O aquecimento global se refere ao aumento da temperatura média dos oceanos e da atmosfera da Terra, e o efeito estufa é um fenômeno relacionado à concentração dos GEEs no planeta, que acarretam no aumento deste aquecimento. Com isso, cabe entender quais são os tratados mais importantes relacionados às mudanças do clima (SOUSA NETO, 2009; MENDES, 2014).
A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC) foi criada em 1992 como um desdobramento da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO-92), e apresenta o objetivo de estabilizar a concentração de GEEs na atmosfera. Essa Conferência é importante porque ela foi ratificada por quase todos os países do mundo, os dividindo em Anexo I, com os países já desenvolvidos, que devem acabar com sua emissão de gases, e Anexo II, com os países em desenvolvimento, que ainda podem emitir uma certa quantidade de gases para conseguirem andar com sua industrialização (MENDES, 2014).
A Assembleia Geral das Nações Unidas propôs, em 2015, a chamada Agenda 2030, que estabelece planos para que os Estados alcancem o desenvolvimento sustentável. Os objetivos, chamados de Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), abrangem diversas questões socioeconômicas. A Agenda 2030, assim como os ODS, estabeleceram então os parâmetros de sustentabilidade que serão seguidos pelos Estados-membros da ONU, o que inclui Angola e Seychelles (MENDES, 2014). Com inspiração nesta, a União Africana decidiu implementar, em 31 de janeiro de 2015 na 24ª Assembleia Ordinária dos Chefes de Estado e de Governo da União Africana, a Agenda 2063. A criação desta foi convocada na 21ª Assembleia, que marcou o aniversário de 50 anos de fundação da OUA, e ficou pronta três anos mais tarde. Seu primeiro relatório de implementação foi apresentado em fevereiro de 2020, e os progressos serão relatados de dois em dois anos (COMISSÃO…, 2015).
O lema oficial da Agenda 2063 é ”A África que queremos”, e possui 20 iniciativas, divididas entre 7 áreas, que devem ser alcançadas até 2063. Considerando esses objetivos e suas áreas de prioridade, é possível identificar as principais metas da Agenda 2063: unir o continente, de forma que todas as relações exteriores da UA sejam benéficas para todos seus países-membros, e permitir a gestão de recursos de forma transfronteiriça, para que todos consigam atingir o desenvolvimento sustentável (COMISSÃO…, 2015). Dentre os objetivos listados, diversos abrangem especificamente a questão da sustentabilidade, como os objetivos 5, 6 e 7, que demonstram a necessidade de se gerir com sabedoria os recursos naturais que os países africanos possuem, para que seja possível alcançar o desenvolvimento de forma sustentável.
Além disso, no objetivo 7 é possível perceber a preocupação da UA com as consequências das mudanças do clima. Por serem países em desenvolvimento, os países africanos ainda precisam emitir os GEEs para que consigam se industrializar. Porém, isso não significa que estes são imunes aos eventos ambientais. Assim, a ”resiliência climática e preparação e prevenção de desastres naturais” é de extrema importância para que esses países consigam criar medidas de adaptação, por exemplo com a energia renovável que é mencionada também nas áreas de prioridade do objetivo 7.
Porém os planos não são só até 2063, existem outras metas tão importantes quanto, e que tem um prazo de conclusão mais curto. Por exemplo:
Até 2020: Todos os vestígios de colonialismo terão sido eliminados e todos os territórios africanos sob ocupação estarão totalmente libertados;
Até 2020: Sejam silenciadas todas as armas;
Até 2030: Integração política, com livre circulação de pessoas e criação de instituições continentais e a plena integração econômica;
Até 2045: O crescimento comercial intra-africano saltará de 12% para 50%, e a participação africana no comércio mundial sairá da casa dos 2% para 12%.
LIMA, 2020, N.P
Esta Agenda 2063 também se relaciona aos ODS no sentido de que todos os seus objetivos se encaixam a um ODS específico. O objetivo 1 da Agenda, por exemplo, se relaciona aos objetivos 1, 2, 8 e 11 da ONU – erradicação da pobreza, fome zero, emprego digno e crescimento econômico, e cidades e comunidades sustentáveis, respectivamente. Um outro exemplo de relação é o objetivo 7 da Agenda 2063, que se refere à ”economias e comunidades ambientalmente sustentáveis e resilientes ao clima”. Este é relacionado diretamente ao ODS 13, ”combate às alterações climáticas”, o que demonstra o compromisso dos países africanos em criarem as medidas de adaptação às consequências das mudanças do clima.
A UA dá diversos incentivos para que seus países-membros consigam alcançar os objetivos propostos pela Agenda 2063. Um exemplo disso é a Área de Livre Comércio Continental Africana, que iniciará suas atividades em 2020 e foi estabelecida em acordo durante uma reunião da UA, e contribuirá para facilidade de troca entre os países, auxiliando no andamento do comércio internacional e tornando o desenvolvimento mais fácil para que os países consigam implementar o desenvolvimento sustentável. Além disso, a UA financia diversas universidades, como a Universidade Pan-Africana, para que estas tenham cursos de economia sustentável. Assim, é possível perceber como a União Africana contribui, principalmente através do financiamento, para se atingir os objetivos da Agenda (COMISSÃO…, 2015).
Em suma, é possível perceber que a UA tem um enorme papel em apoiar seus países-membros para que eles consigam, através da cooperação, desenvolverem tanto sua indústria quanto suas políticas sustentáveis. Essa cooperação pode ser entendida como “uma modalidade de interação em que o agente alcança determinado objetivo simultaneamente a outros agentes, sem ter de recorrer a algum recurso que provoque conscientemente danos ou exija um alto custo a ser pago” (SANTOS FILHO, PEREIRA, 2015, p.5). Assim, esse apoio da UA para com seus países-membros ocorre principalmente através dos incentivos financeiros e da distribuição de informação. Assim, entende-se que será possível o desenvolvimento de políticas de adaptação para as consequências das mudanças do clima, e todos seus países-membros conseguirão alcançar o objetivo 7 da Agenda 2063.
O caso de Angola
A República Popular de Angola é uma ex-colônia portuguesa localizada na costa sudoeste africana – sendo essas duas características determinantes para seu contexto econômico, visto que sua posição periférica no sistema financeiro é consequência da exploração europeia e sua geografia privilegiada de recursos minerais impacta fundamentalmente em seu desenvolvimento socioeconômico.
Angola é a 61° economia do mundo por ser rica em petróleo, em especial na região norte do país na fronteira com o Congo, na região de Cabinda, de modo que sua economia é dependente dessa commodity. No ano de 2018, o produto foi a maior exportação do Estado angolano, representando 85% do valor total, em seguida são os diamantes, petróleo em gás e refinado, demonstrando baixa diversificação econômica e dependência dos recursos naturais (OEC, 2018). Assim, mesmo sendo a sexta maior economia do continente, Angola ainda é vulnerável à volatilidade do preço do petróleo, característica que levou o país a registrar, nos últimos quatro anos, um crescimento negativo.
Essa dependência é uma questão urgente a ser tratada no futuro do país tendo em vista as projeções apontam que as reservas de petróleo angolanas tendem a esgotar em 2030, além da possibilidade da República Democrática do Congo iniciar reivindicações territoriais na rica região de Cabinda. Tendo isso em mente, nas duas últimas décadas, o governo angolano fomentou o desenvolvimento de outros setores da economia do país, de 2008 para 2017 o percentual contribuinte da agricultura para o PIB dobrou, assim como o setor de serviços no período de 1999 a 2009. (WELLBORN, 2020).
Entretanto, para além de petróleo e diamantes, na República de Angola estão presentes outros recursos minerais como cobre, níquel, prata, tungstênio e urânio. Tendo isso em vista, foi formulado o Código Mineiro de 2011 que incentiva uma maior exploração desses recursos não tradicionalmente explorados, além de expandir a proteção aos investidores, ou seja, os direitos de comercialização são garantidos mais facilmente e a participação estatal nos lucros reduziu em 40%. Contudo, é necessário salientar o papel dos diamantes na economia angolana, uma vez que é o maior exportador do mineral no mundo (JOVER, 2012).
O continente africano vem se mostrando muito vulnerável no que tange às mudanças climáticas resultado da ação dos países ocidentais considerados desenvolvidos, já que esse contribuiu somente 1% em relação ao histórico de emissões dos gases efeito estufa. Angola, em especial, vem, desde 2010, sofrendo com um baixo índice pluvial, que tende a diminuir ainda mais, devido ao aumento nas temperaturas no oceano Índico. Isto posto, o setor de pescaria do país se mostra um dos mais afetados do continente tendo em vista a intensa conexão entre essa atividade econômica tradicionalmente exercida pela parcela mais pobre da população e o clima. Ainda, a média anual de temperatura da região mostra uma tendência crescente em relação ao resto da África, o que indica também ondas de calor mais frequentes. Esses fatores contribuem para maiores e mais duradouras secas, impactando drasticamente o setor da agricultura e pecuária, cuja parcela de participação no PIB angolano demonstra tendências positivas. Além das consequências econômicas, a seca, que resulta em uma diminuição da abundância de água na região, impacta na segurança alimentar e bem-estar da população (IPCC, 2014).
No que tange à Agenda 2063, a República de Angola se destaca quando comparada aos outros 54 países africanos, como é exemplificado pela implementação de um Índice Multidimensional de Pobreza Municipal em 2019 – uma inovação nunca antes vista no continente. O objetivo do indicador é identificar, a partir de quatro dimensões (saúde, educação, moradia e emprego), em todos as 164 municipalidades angolanas, os cidadãos em situação de pobreza e as privações que enfrentam, e, assim, classificá-las para que as políticas públicas sejam melhor direcionadas e adequadas à condição de cada município. Essa iniciativa contribui diretamente para o primeiro objetivo da Agenda 2063 – alto padrão de vida, qualidade de vida e bem-estar para todos os cidadãos – e, indiretamente para vários outros, tendo em vista as dimensões do índice (MPPN, 2020).
Ademais, em concordância com o objetivo sete da Agenda 2063 – economia e comunidades sustentáveis e resilientes ao clima –, o Ministério do Meio Ambiente, em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) estão capacitando as comunidades angolanas para produzir carvão sustentavelmente. O carvão é um ativo relevante na economia angolana, tendo em vista que é fonte de energia nas regiões urbanas e forma de sobrevivência nas áreas rurais, contudo sua produção é um fator de grande contribuição para o desmatamento no país, em especial na floresta do Maiombe – antigo campo de batalha. Assim, de modo a conciliar a conservação ambiental e manter os empregos gerados por essa atividade foram pensados esses treinamentos, que ampliam a consciência sustentável no nível individual e ajudam na promoção de um desenvolvimento inclusivo. Além disso, a construção de uma produção de carvão sustentável mitigará a emissão dos gases de efeito estufa e fomentará a proteção da floresta do Maiombe, de modo que as consequências das mudanças climáticas citadas acima não se agravem no futuro (UNDP, 2020).
Em 2018, foi lançado pelo governo do país o Plano de Desenvolvimento Nacional (PND) que delineava políticas desenvolvimentistas para o período de 2018 a 2022, a partir das conjunturas domésticas e externas, de modo que os compromissos internacionais angolanos, como a Agenda 2063 da UA e a Agenda 2030 da ONU, serviram de framework para o plano. Assim, tendo em vista o período de quatro anos que o documento abarca, esse se centralizou no primeiro plano de implementação da Agenda 2063, entre 2014 e 2023. Isto posto, há dois destaques relevantes para esse artigo no PND, o primeiro deles é a Política de Fomento da Produção, Substituição de Importações e Diversificação das Exportações, que incluem iniciativas de fomento à agricultura e pecuária para a reduzir o monopólio das exportações do petróleo.
Essa política se alinha ao quarto objetivo da Agenda 2063 – economias transformadas e criação de empregos – que visa promover uma maior industrialização do continente africano por meio do enfoque nas produções nacionais, e também ao quinto objetivo – agricultura moderna para uma produtividade e produção crescentes – que foca em consolidar a África como exportador de produtos agrícolas, mas manter a exploração desses recursos de forma sustentável. Nesse sentido, a política supracitada prevê a criação de 500 mil empregos em setores considerados necessários para subsidiar o processo de substituição de importações como têxtil, turismo, gás natural e recursos minerais, através da combinação de investimentos públicos e privados (ANGOLA, 2018).
É importante analisar o Programa de Desenvolvimento e Modernização das Atividades Geológico-Mineiras tendo em vista o Código Mineiro de 2011 citado anteriormente, que incentivou e facilitou a exploração dos recursos minerais angolanos sem garantir que esse processo fosse feito de maneira sustentável. Desse modo, esse programa continua visando uma maior exploração dos recursos do país, para diversificar o setor de exportações para além dos diamantes. Contudo, esse movimento expansivo será feito concomitantemente a um levantamento geoquímico e um mapeamento geológico, além de aprimorar as estruturas tecnológicas do Instituto Geológico de Angola (Plano de Desenvolvimento Nacional, 2018). Ainda, é necessário salientar que, em 2019, o PNUD lançou um relatório em que avaliava o desenvolvimento dos programas da organização no país, assim como o PND do ano anterior e concluiu que o país vem demonstrando grandes progressos em transformar esse processo mais inclusivo e sustentável, além de ter elevado o status angolano, que não é mais considerado um LDC – least developed country (país menos desenvolvido, em tradução livre) (PNUD, 2019).
O caso de Seychelles
A República de Seychelles é um país-ilha localizado na África Oriental composto de 115 ilhas e apresenta população de quase 95 mil habitantes, sendo o Estado soberano africano menos populoso. Segundo o censo de 2016, publicado pelo Banco Mundial, Seychelles apresenta o maior PIB per capita do continente africano, que se dá principalmente pela forte presença do turismo na economia do país – já que, em 2018, por exemplo, o país recebeu sua própria população 3,5 vezes em visitantes, estes sendo majoritariamente europeus. Porém, também é um dos países com maior desigualdade social, mesmo considerando que seus níveis absolutos de pobreza são baixos (THE WORLD BANK, 2019).
Economicamente, Seychelles depende bastante de bens importados que vêm principalmente da Europa, pegando um grande volume de dinheiro emprestado como financiamento externo para investimento. Por isso, sua dívida externa equivale a aproximadamente 98% de seu PIB e sua economia é extremamente vulnerável a choques e crises externas. Por isso, o desenvolvimento do país é um grande desafio. Com relação ao seu crescimento, o país apresenta dificuldades em aumentar sua produtividade, o que poderia gerar crescimento econômico (THE WORLD BANK, 2019). Outros motivos para este são as
barreiras para abrir e operar empresas, ineficiências na gestão do setor público, como capacidade estatística limitada, espaço para uma abordagem mais estratégica e sustentável da proteção social, bem como a necessidade de ampliar o acesso educação de qualidade e desenvolvimento de habilidades.
THE WORLD BANK, 2019, n.p. , tradução nossa
A indústria seichelense abrange principalmente o turismo, como já foi mencionado, e, por ser um país-ilha, tem a pesca como sua principal atividade. Outras indústrias são a agricultura, perfuração de petróleo e a manufatura, sendo essa última crescente ao longo dos anos, compondo quase 10% do PIB do país. Já a exportação de bens e serviços, equivale a quase 45% do PIB, compondo mais de 80% da economia. Todas essas indústrias são de pequena escala, e a parte de processamento de alimentos da agricultura é a indústria mais significativa para Seychelles – quase 17% (COMMONWEALTH, 2020).
Considerando que a agricultura e a pesca são extremamente importantes para a indústria do país, assim como a exploração do petróleo nos mares que cercam Seychelles, a exploração de recursos naturais se faz muito presente. Muitas florestas são desmatadas no país para que haja espaço para a agricultura. Um exemplo disso é o coco e a baunilha que são extraídos de diversas ilhas que compõem o país e processados na indústria, visto que a exploração de frutas, plantas medicinais e folhas é permitida. Enquanto isso, muito da pesca é exportada para processamento da Europa e da Ásia (VIELLE, 2001).
A fauna e a flora indígena que existia em Seychelles foi devastada em 250 anos de exploração, sendo esta colonial e nacional, e incêndios que ocorreram, gerando uma extinção em massa de várias espécies de plantas nativas. Além disso, a exploração de espécies exóticas ainda é permitida, mas esta deve ser feita de maneira sustentável, sem que comprometa a existência destas (VIELLE, 2001). O arquipélago também sofre com a exploração mineral de corais e areia, além da exploração de óleo, visto que o petróleo no país é recém descoberto e o governo recentemente estabeleceu a estrutura necessária para a exploração, com o intuito de tornar a área uma província de petróleo e gás (HAVEMANN, 2014).
Por ser um país-ilha, Seychelles é extremamente vulnerável às mudanças do clima. Um exemplo disso é a pesca de atum realizada no país, que caiu bastante visto que as águas do mar que cerca Seychelles se tornaram muito quentes em algumas épocas do ano. Assim, o aquecimento global que está ocorrendo no planeta está prejudicando diretamente a indústria pesqueira no país (COMMONWEALTH, 2020). Segundo o Painel Intergovernamental para Mudanças do Clima (IPCC), o arquipélago ainda é suscetível a diversas consequências das mudanças do clima, como inundações, salinização do solo, perdas no setor do turismo, danos á infraestrutura das ilhas, perda territorial pelo aumento do nível do mar, entre outras consequências (IPCC, 2014). A energia utilizada no país é toda através do petróleo, o que contribui para as emissões dos GEEs, aumentando a vulnerabilidade ambiental do país (SEYCHELLES, 2012).
Sendo assim, faz-se necessário que o governo seichelense tome medidas para lidar com essas mudanças. O país possui diversos compromissos internacionais a respeito de medidas que podem ser tomadas, como um programa de educação sustentável para crianças de 5 a 16 anos e um programa de ciências ambientais na Universidade do país. Além disso, o país é membro dos Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento (SIDS) e da Aliança dos Pequenos Estados Insulares (AOSIS), que são um agrupamento é uma organização, respectivamente, de países-ilha (SEYCHELLES, 2012).
Tanto a SIDS quanto a AOSIS participam de encontros internacionais sobre meio ambiente, como as COPs, para poder transmitir as dificuldades ambientais enfrentadas por todos os seus membros, de forma a dar maior voz a esses países, e o país é um membro ativo destes, participando como delegação de todos os encontros e negociações que ocorrem. Um exemplo disso é que o país foi um dos primeiros a ratificar o Protocolo de Kyoto, que preza pela diminuição da emissão dos GEEs para os países em desenvolvimento (SEYCHELLES, 2012).
Outros compromissos internacionais de Seychelles para com o meio ambiente são, por exemplo, o fato do país ser pioneiro em tratados internacionais a esse respeito. Ele ratificou a Convenção sobre Diversidade Biológica, a UNFCCC, e a Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação – em 1992. Também, auxiliou no desenvolvimento do Programa de Ação das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável dos Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento (SIDS), conhecido como Programa de Ação de Barbados, ajudando a chamar atenção para a degradação de corais e para a pirataria marinha (SEYCHELLES, 2012).
Ainda, a própria Constituição seichelense de 1973 apresenta um artigo que demonstra a intenção do país em promover um desenvolvimento socioeconômico sustentável, e, segundo o relatório feito por Seychelles em 2010, o país já atingiu a maioria dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Isso se dá porque o índice de pobreza de Seychelles é baixo, assim como a desigualdade salarial entre homens e mulheres e a mortalidade infantil, as escolas apresentam o parâmetro de educação definido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e o governo possui os vários planos para desenvolvimento sustentável que são previstos na Constituição (SEYCHELLES, 2012).
O país possui um plano com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) para criar medidas de adaptação para que Seychelles não sofra muito com os impactos das mudanças do clima na alimentação da população. Essas medidas incluem reduzir a dependência do país em alimentos importados, otimizar o uso de recursos naturais e cuidar dos possíveis desastres naturais, como enchentes ou seca, que podem inviabilizar a produção de alimentos. Outro plano do país é a Política de Energia (2010-2030), que tem como objetivo transformar a energia de Seychelles 100% sustentável (SEYCHELLES, 2012).
Vale ressaltar também a Estratégia Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Seychelles (2012-2030), que apresenta as intervenções que o país planeja fazer para garantir o desenvolvimento sustentável em seu território. As áreas atingidas são: desenvolvimento social, segurança alimentar, conservação da biodiversidade, recursos marinhos, transporte e energia, educação para sustentabilidade, saneamento e políticas regulatórias. O país também possui uma estratégia nacional para mudanças climáticas, com a intenção de ‘’desenvolver resiliência’’ para conseguir se adaptar a essas mudanças (SEYCHELLES, 2012).
Além dos agrupamentos mencionados, Seychelles faz parte da União Africana. Ele se tornou membro em 1976, e desde então, participa de todas as reuniões anuais feitas pela Organização. Sendo um Estado-membro, o país também participa da tentativa de alcançar os objetivos determinados na Agenda 2063, recebendo o apoio financeiro que a União Africana distribui e compartilhando informações com os outros membros da UA sobre como promover o desenvolvimento sustentável. Especificamente, o governo seichelense foca na parte do turismo da Agenda, como uma forma de tornar o continente africano o destino principal para turistas (SEYCHELLES…, 2014).
Também, Seychelles foi extremamente elogiado pela UA durante sua Assembleia em fevereiro de 2019, por seus avanços no objetivo 6 da Agenda, sobre o desenvolvimento de uma economia azul. Na mesma, o vice-presidente do país, Vincent Meriton, agradeceu à organização pelo suporte oferecido, e afirmou que “a economia azul representa uma chave que abrirá a porta para uma abundância de oportunidades para tornar a África a potência econômica e a terra do bem-estar que todos aspiramos”(NICOLOSO, 2019, n.p,). O vice-presidente de Seychelles concluiu seu pronunciamento reafirmando o compromisso de seu país para com o alcance de todos os objetivos da Agenda, e demonstrando que as medidas tomadas estão sendo efetivas em desenvolver estratégias de desenvolvimento econômico sustentável em todos os países-membros da Organização (NICOLOSO, 2019).
Assim, considerando a participação ativa de Seychelles na UA, e todos os seus projetos referentes às mudanças do clima, é possível perceber que o país incorporou os objetivos da Agenda 2063 em seu território. Através do apoio financeiro oferecido pela Organização para todos seus países-membros, Seychelles consegue realizar diversas políticas públicas sustentáveis, auxiliando na criação de medidas de adaptação às mudanças do clima. Com isso, é possível perceber que Seychelles, apesar de ser um país ainda em desenvolvimento e com diversas dificuldades em sua economia que ainda possui a permissão da UNFCCC para emitir GEEs para conseguir se industrializar, ainda consegue promover o desenvolvimento sustentável, de forma a equilibrar sua indústria crescente com os objetivos propostos pela Agenda 2063, que se repetem através das outras iniciativas ambientais do país.
Considerações finais
Considerando todo o exposto, apesar de ser um processo lento e com diversos empecilhos, os países africanos em desenvolvimento conseguem promover o desenvolvimento sustentável em seus territórios sem comprometer sua indústria emergente. E, é possível afirmar que a Agenda 2063 tem um papel essencial em organizar as ações dos Estados africanos, auxiliando-os a se desenvolverem de forma sustentável.
Angola vem demonstrando grandes esforços domésticos, a nível institucional, e internacionais, por meio de cooperações com organizações regionais, internacionais ou não governamentais. O principal entrave do desenvolvimento sustentável angolano é a indústria mineral de petróleo e diamantes, o setor que corresponde à parte majoritária do PIB e no qual se concentra diversos interesses, de outros Estados e empresas privadas. No entanto, o país vem elevando seu status na periferia do sistema internacional, com iniciativas de diversificação da economia para aumentar a independência angolana do Norte Global, por exemplo, através de uma maior integração e cooperação africana, como proposto na Agenda 2063, e outros programas como a substituição de importações. Nesse sentido, o apoio institucional da UA se mostra fundamental para que o monopólio mineral da produção nacional angolana se desfaça, gerando mais empregos e consolidando um desenvolvimento inclusivo e sustentável. Entretanto, os esforços estatais angolanos se destacam nesse prisma, tendo em vista que o aparato de leis sendo desenvolvido no país desde 2015 demonstram um claro intento do governo de se ater a seus compromissos internacionais.
Já Seychelles, apesar de todas as dificuldades econômicas, de ser um país pequeno e de não ter terminado seu processo de industrialização, ainda consegue desenvolver diversas políticas sustentáveis. Isso se dá principalmente pelo apoio que o país recebe das organizações e alianças que participa, como a UA, UNESCO, FAO e o grupo SIDS. Então, a União Africana tem grande papel de auxílio em Seychelles, e todo seu investimento financeiro e imaterial permite que o governo seichelense participe ativamente das muitas medidas que faz para cumprir os objetivos da Agenda 2063. Assim, Seychelles consegue seu desenvolvimento econômico, feito principalmente pela exploração de seus recursos naturais, e este é feito de forma sustentável – com as diversas leis do país orientando como a exploração e o desflorestamento devem ser feitos, de forma a não comprometer sua crescente indústria.
Em suma, com o apoio das organizações internacionais como a União Africana, torna-se possível o desenvolvimento econômico de forma sustentável nos países africanos. Mesmo sendo países em desenvolvimento, estes ainda conseguem promover medidas de adaptação para os impactos que podem ser gerados no meio ambiente e as mudanças do clima. Assim, a hipótese de que Angola e Seychelles conseguem, por meio da cooperação regional na UA, auxílio material, principalmente financeiro, e imaterial, como troca de conhecimento, para promover o desenvolvimento sustentável e políticas ambientais em seu território é tida como verdadeira na medida em que ambos os países realmente conseguem apoio da UA para promover medidas de sustentabilidade em seus âmbitos internos e se aterem aos objetivos da Agenda 2063.
Referências
MENDES, T. A. 2014. Desenvolvimento Sustentável, Política e Gestão da Mudança Global do Clima: sinergias e contradições brasileiras. 672 f. Tese (Doutorado) – Universidade de Brasília, Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Sustentável. 2014.
SANTOS, L. 2011. O papel dos países em desenvolvimento na efetividade do regime internacional de mudanças climáticas: adoção de metas de redução de gases de efeito estufa. Espírito Santo: Universidade Federal do Espírito Santo, I Seminário Nacional do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais.
SOUSA NETO, G. M. 2009. Impactos do aumento do nível médio do mar em algumas capitais do nordeste brasileiro, e suas consequências ambientais. Tese- Mestrado em Meteorologia – Universidade Federal de Campina Grande. Paraíba.