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Domínio Chinês em 37 das 44 Tecnologias Críticas: Diplomacia Científica e Política Industrial

Photo by Hyunwon Jang

A ascensão da China como potência tecnológica não é acidental, mas sim o resultado de uma estratégia deliberada e meticulosamente implementada, orientada por políticas industriais como o programa Made in China 2025. Essa abordagem visa posicionar o país como líder em setores de alta tecnologia, reduzindo sua dependência de importações estratégicas e estabelecendo sua influência no cenário internacional.

A transformação tecnológica da China começou com as políticas de reforma e abertura implementadas nos anos 1980, mas foi a partir de 2015, com o lançamento do programa Made in China 2025, que o país definiu uma estratégia clara e ambiciosa para consolidar sua liderança tecnológica. Este plano estratégico estabeleceu metas específicas para alcançar o domínio em 10 setores prioritários, como robótica, inteligência artificial, semicondutores, veículos elétricos, biotecnologia e manufatura avançada (Wagner e Simon, 2023).

Se as políticas de Deng Xiaoping nos anos 1970 e 1980 transformaram a China na “fábrica do mundo”, as iniciativas mais recentes buscam ir além da manufatura, posicionando o país como uma potência líder em inovação científica, comercial e industrial. Essa transição estratégica reflete a ambição da China de não apenas fabricar, mas também definir padrões e moldar o futuro da tecnologia.

O programa de Xi Jimping visa aumentar a produção doméstica de componentes-chave, como chips de alta tecnologia, de 30% em 2020 para 70% até 2025. Para tanto, o governo alocou bilhões de dólares em subsídios, financiamento de pesquisa e incentivos fiscais. A estratégia é respaldada por zonas industriais especializadas e pela criação de centros de inovação, como o Vale de Silício de Shenzhen, que abriga gigantes como Huawei, Tencent e DJI (Dukach, 2022).

O Made in China 2025 é inspirado no modelo alemão de Industrie 4.0, mas adaptado à realidade chinesa, com forte envolvimento estatal. O plano foca em três pilares principais:

  1. Independência Tecnológica: Reduzir a dependência de tecnologias estrangeiras, especialmente em semicondutores, um setor em que a China ainda importa 70% de suas necessidades.
  2. Inovação Doméstica: Promover o desenvolvimento de tecnologias nacionais em áreas como IA, robótica e energias renováveis. Até 2025, a meta é que 40% dos componentes de robôs industriais sejam produzidos localmente.
  3. Expansão Internacional: Estabelecer empresas chinesas como líderes mundiais em indústrias emergentes, especialmente na produção de veículos elétricos e telecomunicações (Miller, 2022).

O impacto dessas políticas é evidente. Em 2023, a China adicionou 240 gigawatts de capacidade de energia solar, representando aproximadamente 58% das novas instalações mundiais, consolidando sua posição como líder mundial na produção de energia solar. No setor de veículos elétricos, o país respondeu por cerca de 76% do mercado mundial em 2024, impulsionado por alta demanda interna e subsídios governamentais. Além disso, empresas chinesas, como a Huawei, tornaram-se líderes no desenvolvimento de infraestrutura 5G, superando concorrentes ocidentais em custo e eficiência.

A emergência da China como líder tecnológico foi acelerada pela ascensão de empresas como Tencent, Alibaba, Huawei e DJI. A Tencent transformou o WeChat em um superaplicativo essencial para mais de 1 bilhão de usuários, integrando redes sociais, pagamentos digitais, jogos e serviços diversos. A Alibaba lidera o comércio eletrônico e o ecossistema de fintech com o Alipay, enquanto a DJI domina o mercado internacional de drones comerciais com mais de 70% de participação.

No setor de inteligência artificial, a China já representa quase 50% dos investimentos mundiais em IA, concentrados em áreas como veículos autônomos, diagnóstico médico e segurança. A integração de big data, algoritmos avançados e apoio governamental permitiu à China superar o Ocidente em algumas aplicações práticas, como reconhecimento facial e vigilância urbana (Chorzempa, 2022).

Áreas de Domínio Tecnológico da China

A China consolidou sua posição como líder internacional em 37 das 44 tecnologias críticas mapeadas no relatório Critical Technology Tracker do Australian Strategic Policy Institute (ASPI). Essa liderança cobre áreas como defesa, espaço, inteligência artificial, biotecnologia, energia e robótica, ilustrando a capacidade do país de integrar inovação acadêmica, avanço industrial e estratégias de aplicação comercial. Este cenário coloca a China no centro do debate sobre a competição por tecnologia e poder.

A tabela a seguir ilustra as áreas específicas em que a China se destaca como o país líder, comparando o nível de risco de monopólio tecnológico associado a cada categoria. Esses riscos variam de baixo a alto, indicando a capacidade de outros países de competir ou depender de tecnologias dominadas por um único ator. Esta visualização permite compreender tanto a extensão do domínio tecnológico da China quanto as implicações geopolíticas e econômicas dessas lideranças em setores estratégicos.

Domínio Chinês em 37 das 44 Tecnologias Críticas: Diplomacia Científica e Política Industrial 1

Domínios de Liderança Tecnológica

1. Defesa e Espaço

A liderança da China em tecnologias de defesa e espaciais é notável, especialmente em sistemas hipersônicos e pequenos satélites. Essas tecnologias são fundamentais para a segurança nacional e exploração espacial, com aplicações que vão desde mísseis estratégicos a constelações de satélites para monitoramento terrestre e comunicações.

A liderança em sistemas hipersônicos da China inclui a capacidade de lançar mísseis que podem escapar dos sistemas de defesa convencionais. Pequenos satélites são uma área estratégica, pois integram tecnologias de baixo custo e alto impacto para a observação terrestre, telecomunicações e meteorologia.

Tabela 1: Liderança em Tecnologias de Defesa e Espaço

Domínio Chinês em 37 das 44 Tecnologias Críticas: Diplomacia Científica e Política Industrial 2
Fonte: ASPI

2. Inteligência Artificial e Computação

A China lidera em tecnologias de inteligência artificial (IA), incluindo aprendizado profundo, hardware especializado e análise de big data. Esses avanços são essenciais para aplicações como sistemas autônomos, vigilância urbana e diagnósticos médicos.

Tabela 2: Proporção de Pesquisas de Alto Impacto em IA e Computação

TecnologiaChina (%)EUA (%)Índia (%)Coreia do Sul (%)Alemanha (%)Outros (%)
Algoritmos e hardware de IA36,6213,264,204,153,4838,29
Computação quântica42,0023,005,506,004,0019,50
Sistemas autônomos38,9017,306,105,003,8028,90

A computação quântica é outro destaque, com a China investindo pesadamente em pesquisa e desenvolvimento para superar limitações da computação clássica. Laboratórios como o da Universidade de Ciência e Tecnologia da China lideram globalmente em aplicações práticas, como criptografia quântica.


3. Biotecnologia

Na biotecnologia, a China se destaca em biologia sintética e genética avançada, que são fundamentais para a saúde pública e segurança alimentar. O domínio em biotecnologia reflete a capacidade do país de integrar pesquisa científica com aplicações comerciais.

Tabela 3: Proporção de Pesquisas de Alto Impacto em Biotecnologia

TecnologiaChina (%)EUA (%)Reino Unido (%)Índia (%)Alemanha (%)Outros (%)
Biologia sintética52,0020,008,006,004,0010,00
Vacinas e medidas médicas28,3112,576,186,065,1441,74
Genética e edição de genes35,0018,009,005,503,5029,00

O país também lidera em produção de vacinas e terapias genéticas, além de tecnologias aplicadas à biologia sintética para agricultura sustentável e bioenergia.


4. Energia e Meio Ambiente

A liderança da China em energia e tecnologias ambientais é evidenciada pelo domínio em baterias de lítio e supercapacitores. Essas tecnologias são críticas para a transição energétical, especialmente na viabilização de veículos elétricos e armazenamento de energia renovável.

Tabela 4: Liderança em Tecnologias de Energia e Meio Ambiente

TecnologiaChina (%)EUA (%)Alemanha (%)Japão (%)Coreia do Sul (%)Outros (%)
Baterias de lítio65,0011,796,964,253,118,89
Energia solar avançada72,0010,504,503,802,207,00
Supercapacitores55,0012,255,503,503,2520,50

O domínio em baterias reflete a liderança em veículos elétricos, com empresas como BYD e CATL estabelecendo uma posição dominante no mercado internacional.


O Papel da Tecnologia na Diplomacia Chinesa

O domínio tecnológico se dá em associação com a sua política externa. A liderança chinesa no campo científico-tecnológico impacta e é impactada pela diplomacia e as ações no campo internacional. 

A diplomacia tecnológica desempenha um papel crucial na estratégia de poder da China, refletindo seu objetivo de alavancar a ciência e a tecnologia como instrumentos de influência internacional. Ao longo das últimas décadas, a China integrou acordos formais de ciência e tecnologia (STAs) em sua política externa, utilizando-os como ferramentas para avançar interesses políticos, econômicos e científicos, moldando a ordem internacional em conformidade com seus interesses.

Tecnologia como Ferramenta de Poder Diplomático

Desde os anos 1950, a China tem assinado acordos bilaterais com diversos países, abrangendo diferentes níveis de desenvolvimento econômico e científico. Esses acordos, inicialmente focados em países do bloco soviético, evoluíram para incluir nações industrializadas e, mais recentemente, países em desenvolvimento na Ásia, África e América Latina. Até 2020, o Ministério da Ciência e Tecnologia relatou a assinatura de 115 acordos intergovernamentais, estabelecendo laços com 161 países e regiões (Wagner e Simon, 2023).

Esses acordos não apenas permitem a troca de conhecimento e tecnologias, mas também promovem a “diplomacia para a ciência” e a “ciência para a diplomacia”, fortalecendo laços políticos e ampliando a influência chinesa. Exemplos incluem o envolvimento da China em iniciativas científicas internacionais como a Belt and Road Initiative (BRI), que incorpora colaborações científicas e tecnológicas como elementos fundamentais para construir interdependências estratégicas (Wagner e Simon, 2023).

STAs e Alianças Estratégicas

Os STAs são instrumentos de soft power que ampliam a projeção internacional da China. Eles funcionam como acordos amplos, frequentemente sem especificidades técnicas, permitindo que os detalhes sejam negociados posteriormente em níveis mais baixos de governança. Esses acordos frequentemente incluem disposições sobre propriedade intelectual, proteção de dados e compartilhamento de benefícios, além de facilitar o transporte de amostras científicas e a instalação de equipamentos de pesquisa (Wagner e Simon, 2023).

A integração desses acordos na BRI reforça sua relevância como mecanismos diplomáticos, ampliando a conectividade científica e tecnológica. A participação em projetos de big science — como programas de pesquisa climática e de saúde — exemplifica como a China utiliza STAs para moldar a governança internacional e influenciar normas internacionais (Wagner e Simon, 2023).

Foco em Países em Desenvolvimento

Embora acordos com nações desenvolvidas como Estados Unidos e membros da União Europeia proporcionem acesso a tecnologias avançadas, a China tem priorizado países em desenvolvimento para fortalecer sua posição no sistema internacional. Esses acordos oferecem infraestrutura básica e suporte técnico, consolidando alianças políticas e econômicas estratégicas. Por exemplo, iniciativas em energia renovável, saúde pública e agricultura sustentável são frequentemente promovidas em regiões da África e América Latina, consolidando a China como um parceiro indispensável (Wagner e Simon, 2023).

Além disso, a diplomacia científica da China se manifesta por meio de intercâmbios acadêmicos, visitas de especialistas e a criação de centros de pesquisa conjuntos. Esses esforços aumentam a percepção de que a China é uma líder no fornecimento de soluções científicas para desafios globais, como mudanças climáticas e segurança alimentar (Wagner e Simon, 2023).

Desafios e Complexidades

Apesar de seu sucesso, a diplomacia tecnológica chinesa enfrenta desafios significativos. Questões de transparência, compartilhamento de dados e igualdade de acesso frequentemente surgem em seus acordos, particularmente em contextos de segurança nacional. Além disso, tensões geopolíticas com os Estados Unidos e outros países industrializados impõem restrições à cooperação científica em áreas estratégicas, como inteligência artificial e computação quântica (Wagner e Simon, 2023).

Outro ponto de tensão é a percepção de que a China utiliza acordos científicos para fins de espionagem ou para obter vantagens desleais em setores-chave. A desconfiança gerada por essas alegações tem resultado na redução da colaboração científica em certas áreas, especialmente com os Estados Unidos (Wagner e Simon, 2023).

Construindo uma Ordem Tecnológica Internacional

A ascensão da China como potência tecnológica é resultado de uma estratégia deliberada, que combina investimentos massivos, políticas industriais visionárias e a promoção de campeãs nacionais como Huawei, Tencent, Alibaba, DJI e BYD. Estas empresas exemplificam a capacidade da China de integrar inovação tecnológica e comercial, ocupando posições de liderança em setores estratégicos como telecomunicações, inteligência artificial, biotecnologia e energias renováveis.

O programa Made in China 2025 ilustra a ambição chinesa de transitar de uma economia manufatureira para uma economia de alta tecnologia, com metas explícitas de reduzir a dependência de importações e dominar cadeias de valor globais. A aposta no desenvolvimento de tecnologias críticas, como semicondutores e computação quântica, reforça sua posição como líder emergente em setores que moldarão o futuro da economia e da segurança internacional.

No campo geopolítico, a estratégia chinesa vai além da inovação interna. A diplomacia tecnológica, materializada por meio de iniciativas como a Belt and Road Initiative, reforça a influência do país em mercados emergentes, estabelecendo laços econômicos e científicos profundos com parceiros na Ásia, África e América Latina. Ao mesmo tempo, a competição com os Estados Unidos e outros países desenvolvidos revela um cenário internacional cada vez mais polarizado, onde a supremacia tecnológica se tornou uma questão central para a definição do poder e da ordem internacional.

Essa dinâmica transforma a tecnologia em um instrumento de poder tanto econômico quanto político, permitindo à China moldar padrões internacionais e estabelecer novos marcos regulatórios que favorecem suas empresas e visão de mundo. Contudo, os desafios geopolíticos, como o controle sobre cadeias de suprimentos críticas e a dependência de semicondutores estrangeiros, mostram que o caminho para a autossuficiência tecnológica ainda apresenta barreiras significativas.

A liderança da China em 37 das 44 tecnologias críticas monitoradas pelo ASPI não apenas demonstra sua capacidade de inovar, mas também destaca o impacto de uma estratégia de longo prazo que articula política industrial, diplomacia científica e geopolítica. A continuidade dessa trajetória depende da habilidade de superar os desafios internos e externos, consolidando-se como um ator central no jogo tecnológico e no cenário internacional do século XXI. A disputa por supremacia tecnológica é mais do que uma competição econômica; é uma luta por poder e influência que definirá as próximas décadas.

Referências

  • ASPI. Critical Technology Tracker: The Global Race for Future Power. Australian Strategic Policy Institute, 2023. Disponível em: https://www.aspi.org.au. Acesso em: 03 dez. 2024.
  • CHORZEMPA, Martin. The Cashless Revolution: China’s Reinvention of Money and the End of America’s Domination of Finance and Technology. Harvard Business Review, 2022. Disponível em: https://hbr.org. Acesso em: 03 dez. 2024.
  • DUKACH, Dagny. Understanding the Rise of Tech in China. Harvard Business Review, 2022. Disponível em: https://hbr.org. Acesso em: 03 dez. 2024.
  • JONES, Handel. When AI Rules the World: China, the U.S., and the Race to Control a Smart Planet. New York: Simon & Schuster, 2022.
  • MILLER, Chris. Chip War: The Fight for the World’s Most Critical Technology. New York: Scribner, 2022.
  • WAGNER, Caroline; SIMON, Denis. China’s Use of Formal Science and Technology Agreements as a Tool of Diplomacy. Science and Public Policy, v. 50, p. 807–817, 2023. Disponível em: https://doi.org/10.1093/scipol/scad022. Acesso em: 03 dez. 2024.
  • Relatório Ecodebate. China lidera a produção de energia solar e de veículos elétricos. 2023. Disponível em: https://www.ecodebate.com.br. Acesso em: 03 dez. 2024.

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