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A importância do conflito em Nagorno-Karabakh entre Armênia e Azerbaijão

O conflito entre Armênia e Azerbaijão na região conhecida como Nagorno-Karabakh voltou a chamar a atenção da mídia e de diversos analistas políticos em 2020. Com raízes que remontam à virada do século XIX para o XX, as hostilidades entre armênios, cristãos em sua maioria, e os azeris, majoritariamente muçulmanos xiitas, têm potencial para impactar não apenas os países fronteiriços, mas até nações distantes, como os Estados Unidos, o Paquistão e a China. 

Este potencial, aliado à posição estratégica do território em disputa, confere enorme importância ao conflito, que pode ganhar dimensões internacionais. Neste estudo, analisaremos as causas que levaram os dois vizinhos do Cáucaso à situação conflitiva atual, além de como o conflito afeta e é afetado por potências regionais e globais.

Origens do conflito em Nagorno-Karabakh

O primeiro censo demográfico de que se tem notícia na região ao redor do conflito foi feito na segunda metade do século XIX. Localizados na fronteira entre os antigos impérios persa (atual Irã), otomano (atual Turquia) e czarista (russo), tanto o Azerbaijão como a Armênia, já naquela época, eram formados por um diverso caldeirão de etnias, algumas próximas entre si, outras mais distantes, em termos culturais e linguísticos. 

Entre os principais grupos étnicos, destacavam-se os georgianos, concentrados mais ou menos homogeneamente no Oeste e no Norte da região; os tártaros, de origem turca e principais representantes do Azerbaijão atualmente, espalhados, mas ligeiramente concentrados no Leste; e os armênios, também espalhados, mas ligeiramente concentrados no centro e no Oeste, como mostra o mapa abaixo.

A importância do conflito em Nagorno-Karabakh entre Armênia e Azerbaijão 1
Distribuição geográfica das principais etnias na região do conflito | Fonte: Peyrat, 2021. Editado.

Uma breve olhada no mapa já deixa claro como era difícil delimitar um território contínuo que pudesse ser exclusivo para qualquer das etnias presentes na região, habitada também por curdos, ossétios, gregos e diversos outros povos. Durante vários séculos, desde a Idade Média até a virada do século XIX para o XX, o controle exercido pelos persas, otomanos e russos, permitiu uma convivência pacífica entre os grupos étnicos locais, incapazes de levantar exigências que contrariassem demasiadamente seus respectivos dominadores.

Foi no rastro da Revolução Russa de 1905 que ocorreram os primeiros choques entre armênios e azeris, embora ainda não tenham sido, naquele momento, confrontos sistemáticos. Outra revolução na Rússia, a de 1917, foi a que acabou, indiretamente, dando origem ao conflito permanente que se encontra sem solução definitiva até hoje. Após a queda do império czarista, já em 1918, a Armênia, o Azerbaijão e a Geórgia declararam suas respectivas independências, reclamando para si o controle de áreas que, muitas vezes, também eram reivindicadas pelas nações fronteiriças, alimentando preconceitos surgidos no início do século com os primeiros atritos.

Tais indefinições territoriais, causadas em grande medida pela distribuição geográfica nem sempre homogênea dos povos envolvidos, foram exacerbadas pelo genocídio turco de 1915, negado até hoje pela Turquia, cometido contra os armênios, muitos dos quais acabaram se transferindo para Nagorno-Karabakh (doravante simplesmente Karabakh). Quando a região já estava ocupada por milhares de armênios, o Azerbaijão, contando com apoio britânico, decreta o controle sobre a zona, gerando protestos imediatos por parte da população recém estabelecida. Apesar de a República da Armênia apoiar os protestos, a crise econômica da época, resultante da Primeira Guerra Mundial, inviabiliza uma vitória incontestável de ambos os lados, deixando a situação sem resolução clara.

O domínio soviético

Com os territórios do Karabakh, do Zanguezour e do Nakhitchevan em disputa (ver mapa 1), entram no jogo político Josef Stalin e o poder de influência da União Soviética (URSS), e Stalin intervém, declarando oficialmente o Karabakh como território do Azerbaijão.  As razões mais prováveis para essa decisão foram a série de revoltas que estavam ocorrendo na Armênia naquele momento, além do fato de Stalin ser oriundo da Geórgia, que já havia dado início à deportação massiva de minorias étnicas em seu território, incluindo armênios.

Durante todo o período em que existiu, a URSS logrou manter a região pacificada, o que não resultou no desaparecimento nem na diminuição de preconceitos e ressentimentos, sempre latentes, mas sempre vivos entre os povos locais.  Durante o domínio soviético, o Azerbaijão conseguiu assimilar a população curda que vivia entre o Karabakh e a Armênia de maneira não conflituosa, mas outras áreas permaneceram com a possibilidade quase constante de ver conflitos emergirem a qualquer momento, como a Ossétia do Sul e a Abkhazia. 

Uma das consequências mais importantes do período de dominação soviética, para toda a região sul do Cáucaso, foi o fortalecimento dos grupos étnicos majoritários em suas respectivas áreas de influência, em detrimento das etnias minoritárias, que observaram redução considerável de suas populações, ou até o desaparecimento completo. 

Em Nakhitchevan, por exemplo, que possuía uma população composta por 10% de armênios em 1939, foi testemunhado redução daquela etnia para apenas 1,5% em 1979. Tbilisi, a capital da Geórgia, que contava com 35% de armênios e 16% de russos em 1926, passou a ter 66% de georgianos às vésperas do colapso da URSS (Peyrat, 2021). Em outras áreas do Cáucaso, deportações sistemáticas e o terror implantado por Stalin também levaram a reduções populacionais drásticas nas etnias minoritárias.

Fim da URSS

Se a chegada da URSS no xadrez geopolítico da região do Karabakh representou um ponto de inflexão nas relações entre armênios e azeris, sua saída representou outro. Ainda antes de seu colapso, mas quando já se encontrava enfraquecida, em 1988, o ódio latente entre os dois povos voltou a se transformar em perseguições, principalmente contra os armênios, e batalhas esporádicas, cada vez mais frequentes.

O território do Karabakh declarou sua independência, imediatamente rechaçada pelo Azerbaijão. No entanto, o suporte dado pela Armênia aos armênios do Karabakh fez com que o Azerbaijão fortalecesse suas investidas militares, o que resultou, a partir de 1991, em um conflito aberto entre os dois países, possível graças ao fim da URSS, e que perdurou até 1994. Naquele ano, ao final da guerra, a Armênia havia conquistado inúmeros territórios no Karabakh e em seu entorno, obtendo o controle de fato sobre áreas que, de acordo com o direito Internacional, pertenciam ao Azerbaijão, o que era reforçado por várias resoluções da ONU.

Para os azeris, além da humilhação de perder territórios para um país menor, com população também menor, um dos piores efeitos da guerra foi o surgimento de milhares de refugiados, cuja maioria se instalou na capital azeri, Baku, nunca perdendo a esperança de retornar às suas terras no futuro. Estima-se que a guerra tenha deixado cerca de um milhão de refugiados de ambos os lados, dos quais aproximadamente 700.000 teriam sido azeris (Palmer, 2020).

Após a guerra, o Grupo de Minsk, chefiado por França, Rússia e Estados Unidos, ficou responsável por manter a paz na região, por meio de negociações políticas e diplomáticas. Nos anos 2000, sob a liderança dos três países, ficou acordado que a Armênia se retiraria dos territórios ocupados na guerra de 1991-1994, as populações deslocadas retornariam a seus antigos locais de habitação, e tanto os dois governos beligerantes quanto os governos de países envolvidos manteriam a segurança das populações. Entretanto, a retirada efetiva da Armênia jamais se realizou, ainda que a comunidade internacional, através da ONU, mantivesse sua posição favorável ao Azerbaijão.

Em 2016, pequenos conflitos eclodiram novamente, no que ficou conhecido como a Guerra dos 4 Dias, quando o Azerbaijão retomou parte bem pequena dos territórios perdidos em 1994. Neste ponto, aspectos internos dos dois países ganham relevância. Nenhuma das duas populações é favorável a que seus respectivos governos cedam, o mínimo que seja, ao vizinho inimigo. As elites governantes dos dois lados, relativamente ineficientes, beneficiam-se ao propagar um discurso nacionalista, que lhes garante um mínimo de apoio popular ao redirecionar a atenção da opinião pública dos problemas nacionais para o conflito com o vizinho. Foi o que ocorreu depois da curta guerra de 2016.

Em 2020, graças, em grande parte, à crise econômica gerada pela pandemia do coronavírus, os líderes dos dois países, em meio a uma provável perda de apoio popular, intensificaram ainda mais seu discurso nacionalista. Era o ambiente ideal para que pequenos desentendimentos em pontos distintos da fronteira se transformassem, rapidamente, em uma nova guerra.

Situação após o conflito de 2020

O fim da guerra de 2020 representou muito mais um reconhecimento forçado de derrota por parte da Armênia do que uma paz efetiva. O Azerbaijão, graças ao apoio militar turco, reconquistou pela força a quase totalidade dos territórios perdidos no início dos anos 1990 (ver Mapa 2 abaixo), tomados pelos armênios também através da força.  A consequência mais óbvia é a permanência do ódio entre os dois povos, que faz com que novos conflitos emerjam assim que as condições permitirem.

O acordo que encerrou a última guerra, chefiado pela Rússia, estabelece que o Azerbaijão tem o direito de manter o controle sobre as áreas reconquistadas em 2020, e que os exércitos turco e russo serão responsáveis por manter a paz e a segurança dos povos da região por cinco anos, renováveis por mais cinco, caso seja necessário. Essa talvez seja a maior vitória da Turquia, que agora mantém sua presença militar em um território tradicionalmente de influência russa, e que se tornou, portanto, um ator novo no jogo geopolítico da região.

Territórios reconquistados pelo Azerbaijão
Os territórios em conflito | Fonte: Markedonov, 2020

O Ocidente, representado principalmente pelos EUA e pela União Europeia (UE), sai do conflito com uma liderança enfraquecida, em um contexto no qual o Grupo de Minsk vê sua influência e sua relevância reduzidas, substituídas pela Rússia, que ainda se mantém quase como hegemônica na região, e pela Turquia, agora com acesso ao Mar Cáspio e com maior projeção de poder. 

Ambas têm capacidade para manter a paz nas áreas em disputa, enquanto suas tropas permanecerem ali. Contudo, a permanência das hostilidades entre armênios e azeris perpetua a instabilidade latente dos últimos cem anos, que pode voltar a entrar em ebulição no futuro. Nos próximos blocos, discutiremos como o conflito afeta os países da região e de continentes distantes, e como é afetado por eles.

Países da região

Turquia

A Turquia foi o país estrangeiro que mais se envolveu na guerra de 2020, apoiando militarmente o Azerbaijão, do início ao fim do conflito, com tropas próprias e, em grande volume, com mercenários sírios.  É possível reconhecer ao menos três razões para seu suporte aos azeris. A mais nítida é o fornecimento de gás natural que, após terminado o conflito, será feito através de Nakhitchevan, território no sudoeste da Armênia povoado por azeris, antes separado do Azerbaijão, e que agora conta com uma ligação terrestre até o Karabakh, ao longo da fronteira com o Irã.

Outra razão é de caráter linguístico-cultural, bem como estratégico, por parte da Turquia. Embora os turcos sejam majoritariamente muçulmanos sunitas, e os azeris xiitas, ambos ainda compartilham a mesma religião, que contrasta com o cristianismo armênio, além de idiomas que remontam às mesmas origens. A Turquia vê essa identidade com bons olhos, já que almeja projetar sua influência no mundo turcófóno, que se estende até o Cazaquistão e a província de Xinjiang, na China, passando por Azerbaijão, Uzbequistão e seus países vizinhos. A ligação direta com o Azerbaijão facilita a conexão turca com todos eles.

Por último, a guerra de 2020 foi uma oportunidade que a Turquia teve de estabelecer tropas militares fora de seu próprio território, contrabalançando um pouco a pressão militar da Rússia, que conta com bases militares na Síria (sul da Turquia), na Armênia, na fronteira com o Azerbaijão (leste da Turquia), e na Geórgia (nordeste da Turquia). Agora, além de possuir exércitos na Líbia, na Síria e no Chipre, a Turquia também conta com tropas no Azerbaijão.

Rússia

Graças à herança dos tempos da URSS, a Rússia mantém relações próximas tanto da Armênia quanto do Azerbaijão, e seus interesses são complexos em relação a ambos. No Azerbaijão, os interesses russos residem no fornecimento de gás e petróleo para Moscou, na venda de armas russas para Baku, e nos cerca de 2 milhões de azeris que vivem na Rússia. Quanto à Armênia, além da venda de armamento russo, os diversos acordos militares assinados com as autoridades de Yerevan elevam sua posição a uma importância estratégica para Moscou. Desse modo, o conflito entre dois aliados da Rússia coloca o país em uma situação delicada, que requer grande capacidade diplomática na solução de controvérsias.

Embora as relações com Yerevan sejam ligeiramente mais estreitas que as relações com Baku, na guerra de 2020, o governo de Vladimir Putin se recusou a implementar o acordo de proteção assinado com a Armênia em 1992, afirmando que o tratado é válido apenas para ameaças ao território armênio, o que não inclui o Karabakh. 

Dentre os prováveis motivos dessa decisão, vemos o interesse russo em apaziguar o Azerbaijão e evitar que o país se aproxime da UE, da OTAN e do Ocidente em geral, como estava ocorrendo com a Geórgia há alguns anos. Outro motivo é evitar a escalada de um possível conflito com a Turquia, considerando as relações extremamente próximas entre Ankara e Baku. Além disso, cerca de 15% da população russa é composta por muçulmanos sunitas (Delanoë, 2020), que podem ser utilizados politicamente pela Turquia por meio de sua identidade religiosa. 

Por isso, a Rússia procurou impedir o prolongamento do conflito, já que, assim como o Irã, não deseja a presença de mercenários sírios em suas fronteiras. É interessante notar que esta preocupação representa um dos raros pontos de interesse comum entre Rússia e países ocidentais, nenhum dos quais quer ver uma Turquia forte na região, muito menos a disseminação de potenciais jihadistas.

Irã

Em comparação à Turquia e à Rússia, o Irã tem menor poder de influência sobre o conflito armênio-azeri, e interesses mais modestos. Com uma comunidade armênia ao redor de 300.000 pessoas, e uma comunidade bem maior de azeris, que gira em torno de 20 e 30 milhões de habitantes (Hoffner, 2020), ambas vivendo em território nacional iraniano, as preocupações do país no conflito são majoritariamente internas. Mais do que interesses na região em disputa propriamente dita, o Irã busca evitar distúrbios locais no seio das duas comunidades, que podem progredir para distúrbios regionais e até nacionais.

Durante a guerra de 2020, o governo iraniano emitiu diversas manifestações de apoio ao Azerbaijão, levando em conta o maior número de azeris do que de armênios vivendo em seu território, e a possibilidade de um fortalecimento da identidade azeri entre eles, a ponto de sobrepujar sua identidade iraniana.  Assim como Moscou, Teerã também não ficou à vontade com a presença dos mercenários sírios contratados pela Turquia próximos às suas fronteiras, já que potencialmente poderia haver jihadistas radicais entre eles. Ainda assim, a numerosa comunidade azeri do Irã e a identidade religiosa do país com o Azerbaijão, ambos majoritariamente muçulmanos xiitas, levaram Teerã a apoiar Baku.

O maior interesse do Irã nos territórios do conflito é o corredor criado entre Nakhitchevan e o Karabakh, bordeando a fronteira iraniana. Esta passagem tem um grande potencial de reduzir a dependência que o Azerbaijão e países europeus têm das rotas comerciais e dos gasodutos que passam pelo Irã, diminuindo sua importância relativa e seu poder de barganha em negociações internacionais. 

Europa

Os interesses relativamente comuns dos países europeus no conflito, bem como sua notada ausência nas negociações sobre ele em 2020 nos permitem analisar a Europa como ator unitário em nosso estudo. Apesar de ter se mostrado favorável à Armênia durante a última guerra, graças à atuação da França que, além de liderar o Grupo de Minsk, ainda conta com um considerável lobby da diáspora armênia em seu governo, necessidades energéticas e comerciais impediram os países europeus de tomarem medidas mais contundentes contra o Azerbaijão. Isso porque o pequeno país do Cáucaso possui uma localização geográfica de enorme importância para a Europa. Para ter acesso ao gás e ao petróleo provenientes da Ásia, os europeus contam com três rotas principais: uma que passa pela Rússia, outra pelo Irã, e outra pelo Azerbaijão. 

Dada a competição entre os dois primeiros na maior parte das questões internacionais, é lógico esperar que a Europa como um todo veja no Azerbaijão uma boa solução para reduzir sua dependência de Moscou e de Teerã. Além de gasodutos, cabos de fibra óptica, uma autoestrada e uma ferrovia passam pelo território azeri conhecido como “Ganja Gap”, permitindo não apenas o transporte de recursos energéticos, mas também um fluxo de comércio enorme entre a Europa e a Ásia.

Países de fora da região

China

Apesar de geograficamente distante, a China tem interesses que a aproximam muito dos dois países conflitantes. Nos últimos anos, ela vem fortalecendo no Cáucaso sua política da Nova Rota da Seda (BRI por sua sigla em inglês), que prevê investimentos chineses e uma melhoria da imagem da China nos países que aderem à sua política. Desse modo, qualquer instabilidade na região pode afetar seus interesses negativamente.

No Azerbaijão, a China realiza investimentos volumosos em energia, comunicações e outras áreas, que chegam a somar 1,4 bilhão de dólares (Courmont, 2020), fazendo do país o principal parceiro chinês no Cáucaso. Na Armênia, embora os investimentos chineses sejam mais modestos, Pequim busca projetar sua imagem e seu soft power, tendo estabelecido no país o primeiro Instituto Confúcio do Cáucaso, em 2008, além de enxergar a possibilidade de rotas comerciais alternativas no território armênio.

Quanto às potências regionais envolvidas, a China mantém boas relações com o Irã, com a Turquia e com a Rússia. Embora cada um desses países tenha sua própria versão de um “eurasianismo”, que atende a seus interesses próprios, a China procura manter o status quo na região e evitar atritos com seus parceiros. 

O maior desafio enfrentado por Pequim em 2020 foi se posicionar do lado do Azerbaijão, defendendo seus investimentos e a noção de integridade territorial, ou do lado da Armênia, mantendo sua projeção cultural, mas “apoiando” a noção de separatismo, tão contrário ao governo chinês pelas questões territoriais que o país enfrenta no Tibete, em Hong Kong, em Taiwan e em Xinjiang.

Paquistão

Se a posição da China em 2020 tendeu à neutralidade, o Paquistão se posicionou abertamente a favor do Azerbaijão, como frequentemente faz em fóruns internacionais. Embora não tenha tido um papel direto efetivo no conflito, restringindo-se a emitir comunicados favoráveis e congratulações aos azeris, Islamabad pode ter servido como um motivo a mais para que outros países arrefecessem seu apoio à Armênia. Um deles foi a própria Rússia, que recentemente vem fortalecendo seus laços com o Paquistão, realizando simulações e treinamentos militares conjuntos. Os dois países também veem, um no outro, um forte aliado na expansão de sua influência regional, especialmente no Afeganistão, onde ambos têm interesses que os aproximam.

Outro país possivelmente impactado pelo Paquistão foi Israel, que vendeu armas de alto nível tecnológico ao Azerbaijão, usadas na guerra de 2020. Considerando a recente política israelense de formalização de relações diplomáticas com países árabes e muçulmanos, é possível que, além do incentivo financeiro da venda de armas a Baku, Israel também esteja visando o Paquistão como o próximo país a se inserir em sua rede diplomática.

O apoio ao Azerbaijão teria servido, assim, para dar os primeiros passos na construção de relações amistosas com Islamabad (Hussain, 2020). Portanto, apesar de indiretamente, o conflito do Karabakh também pode ter influenciado a diplomacia paquistanesa de maneira permanente, fortalecendo suas relações com a Rússia, com o Azerbaijão e com Israel.

Estados Unidos

Embora armênios provenientes da diáspora exerçam certa influência no governo americano, é no Azerbaijão que se encontra a maior parte dos interesses dos EUA. O “Ganja Gap”, mencionado anteriormente, é extremamente importante para o suprimento das tropas americanas no Afeganistão, dado que o Paquistão nem sempre adota medidas favoráveis a Washington naquele país. Por isso, da perspectiva estadunidense, o Azerbaijão é uma alternativa plausível para a imprevisibilidade vinda do Paquistão.

Por sua vez, a relevância de Washington para Baku parece ser recíproca. O Azerbaijão coopera com os EUA no combate ao terrorismo, inclusive com o envio de tropas ao Afeganistão, e na área de energia, na qual o governo azeri mantém relações estreitas com empresas de petróleo americanas. Além disso, os azeris podem servir como alternativa para os europeus no fornecimento de recursos energéticos, o que favorece os EUA em sua disputa com a Rússia. Tomados em conjunto, esses fatores ajudam a explicar por que Washington manteve um baixo perfil no conflito de 2020.

Considerações finais

O conflito do Karabakh é importante não apenas localmente, por sua localização estratégica e pelos recursos naturais e energéticos que ele afeta, mas também internacionalmente, despertando interesses em países dos dois lados do globo, como EUA e China. Às questões não resolvidas do conflito, como o ódio entre as populações envolvidas, soma-se agora a presença militar russa e turca, conferindo ainda mais complexidade à região. Enquanto tropas estrangeiras continuarem presentes, os refugiados azeris da década de 1990 poderão retornar a seus territórios perdidos. Contudo, estarão seguros depois que Rússia e Turquia retirarem seus exércitos?

A questão de quem tem direito a habitar o território é delicada, envolvendo os conceitos de autodeterminação, no caso dos armênios, que tradicionalmente formam a maioria da população local, e de soberania nacional, no caso do Azerbaijão, que tem a seu lado o Direito Internacional e o apoio da comunidade internacional. Armênios e azeris conviveram em paz, como bons vizinhos, por vários séculos antes dos primeiros choques no início do século XX. 

Reconquistar a harmonia é possível, mas não a curto prazo. Vai demandar um comprometimento duradouro de seus respectivos governantes, tanto no sentido de não estimularem nacionalismos, quanto no sentido de renovarem o discurso histórico que cada país dá ao conflito, reconhecendo que o território já foi habitado por ambos os povos, pacificamente, e que ambos possuem demandas legítimas. Enfim, o futuro da região vai depender da visão de seus governantes, que poderá ser estreita e perpetuar o conflito, ou ampla, fazendo com que os dois lados percebam que seus futuros estão entrelaçados.

Referências bibliográficas:

DELANOË, Igor. Bras de fer russo-turc dans le Caucase. Le Monde Diplomatique, n. 801, p. 7, dezembro, 2020.

MARKEDONOV, Sergueï. Haut-Karabakh, l’embrasement. Le Monde Diplomatique, n. 800, p. 12, novembro, 2020.

PEYRAT, Étienne. À l’origine des conflits en Transcaucasie. Le Monde Diplomatique, n. 802, p. 14-15, janeiro, 2021.

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