O petróleo é uma commodity essencial para o funcionamento do mundo moderno; sendo ao mesmo tempo prezado por ter viabilizado a Segunda Revolução Industrial e criticado por ser um dos principais causadores do aquecimento global e do efeito estufa. Mesmo hoje, em meio a todo o debate da descarbonização e do desenvolvimento sustentável, o “ouro negro” ainda responde por 40% da matriz energética mundial, suscitando assim todo tipo de questão sobre seu futuro. Mas para entendermos de que maneira o petróleo vai se portar nas décadas que vem a seguir precisamos compreender sua história.
O Motor da Segunda Revolução Industrial (1846-1945)
O petróleo não é um produto novo na história da humanidade. Desde a antiguidade clássica já existem relatos de seu uso no crescente fértil como combustível para iluminação pública e, durante suas campanhas na Pérsia, Alexandre o Grande se maravilhou ao ver a substância sendo destilada na produção de piche para asfaltar estradas e impermeabilizar residências. Mas a ascensão do petróleo como matéria-prima chave só veio na década de 1850, na esteira dos avanços científicos da Revolução Industrial. Em 1946, Abraham Gesner inventou, a partir da destilação petrolífera, o querosene, líquido com propriedades altamentes combustíveis. No ano seguinte, o empresário James Young foi o primeiro a construir uma refinaria para produzir ceras e óleos iluminantes a partir do petróleo. Estavam dadas as condições para a entrada do “ouro negro” no mercado industrial.
O primeiro boom do petróleo explodiu 3 anos depois, concentrado em Titusville, no estado norte-americano da Pensilvânia e alimentado pela busca por matéria-prima para os sistemas de iluminação pública. Mas não ficaria preso a isso: iniciou-se aí um ciclo virtuoso de inovação científica, com a descoberta das aplicações do petróleo em múltiplas outras áreas passando a alimentar o nascimento e crescimento de uma ampla gama de indústrias químicas, elétricas e automobilísticas. Se a Primeira Revolução Industrial foi calcada no carvão, o uso do petróleo abriu as portas para a Segunda.
Nesse período inicial, os EUA foram o coração da indústria petrolífera, respondendo por mais de 40% da produção mundial. O carro-chefe da nova indústria foi a famosa Standard Oil, empresa de petróleo que, graças à direção enérgica e controversa de seu chefe, John D. Rockefeller, foi capaz de quase monopolizar o mercado do novo produto por meio de uma agressiva estratégia de expansão horizontal, a ponto de chegar a responder por 85% da capacidade de refinação norte-americana e 91% da extração. O gigantismo da empresa acendeu as luzes antitruste de Washington e, em 1911, a Standard foi forçada a se fragmentar por decisão judicial. A maioria das empresas de petróleo norte-americanas atuais, como Exxon, Chevron e Texaco, foram o subproduto dessa fragmentação.
Paralelamente, surgiram três outros pólos petrolíferos em escala mundial: as regiões de Baku (atualmente no Azerbaijão) e da Galícia (atualmente na Polônia), então no Império Rússo, abrindo as portas para que o Moscou se firmasse como o 2° maior produtor global; o Irã, onde o Reino Unido rapidamente tomou conta das concessões da exploração por meio de uma joint-venture, a Anglo-Persian Oil (atual British Petroleum) para alimentar sua gigantesca marinha, até então movida a carvão; e as Índias Holandesas Orientais (atual Indonésia), sob exploração da Royal Dutch Shell. A explosão do petróleo foi acompanhada pelo amplo crescimento dos setores por ele alimentadas. Ao final da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), as indústrias automobilísticas, petroquímicas e aeronavais já haviam se firmado como componentes essenciais da sociedade moderna.
A Segunda Guerra Mundial (1939-1945) ilustra muito bem como a economia e, por consequência, a guerra moderna, passou a ser altamente dependente do petróleo. Dado que os tanques, os aviões, os navios e as fábricas eram dependentes desse recurso para operar, o acesso a jazidas petrolíferas se tornou precondição essencial para a vitória. Não à toa, muitas da decisões mais importantes do conflito foram tomadas levando esse fim em mente: o ataque do Japão a Pearl Harbor e sua subsequente decisão de ocupar as Índias Holandesas foram decididos após os EUA anunciarem que embargariam a exportação de óleo para Tóquio a fim de limitar a guerra japonesa na China. De modo similar, a ofensiva de Hitler rumo ao Cáucaso em 1942, que acabaria por culminar na decisiva derrota alemã em Stalingrado, tinha como objetivo tomar os poços de Baku, sem o qual a máquina de guerra nazista, dependente da caríssima produção de combustível sintético a partir do carvão e de uns poucos poços na Romênia, não seria capaz de operar. A própria discrepância entre os beligerantes no quesito energético nos ajuda a explicar a vitória aliada: enquanto o Eixo foi capaz de produzir 67 milhões de toneladas nos 6 anos de guerra, as três grandes potências aliadas (EUA, URSS e Reino Unido) produziram cerca de 1.035 milhões. Mais do que nunca, petróleo era poder.
A Ascensão do Oriente Médio e a Era da Incerteza (1945-2010)
Após a década de 1930, o cenário energético passou por uma revolução geopolítica, com o eixo petrolífero global passando a se redirecionar para o Oriente Médio. Com exceção do Irã, nenhum país daquela região apresentava potencial hidrocarbônico. A situação mudou radicalmente a partir da década de 1920, quando jazidas de petróleo muito maiores e também muito mais baratas de se extrair dos que as americanas ou europeias foram encontradas no Iraque, no Kuwait, no Bahrein, na Arábia Saudita e nos Emirados Árabes. A descoberta provocou uma corrida de óleo, com as grandes companhias mundiais petrolíferas, então apelidadas de “sete irmãs” (Exxon, Mobil, Socal, Texaco, Anglo-Persian, Shell e CFP) passando a competir pela posse das concessões. O resultado foi uma concordata fechada em 1928 e denominada “Acordo da Linha Vermelha”, na qual essas companhias decidiram se organizar como um cartel para explorar conjuntamente os recursos petrolíferos do Oriente Médio. Intermediado por um armênio chamado Calouste Gulbenkian (cuja concessão de 5% foi o suficiente para torná-lo o homem mais rico do mundo), o acordo abriu as portas para uma expansão titânica da produção de recursos hidrocarbônicos em escala mundial e ao mesmo tempo, garantiu ao ocidente o controle sobre eles.
A importância da abertura do óleo árabe para o mundo não deve ser subestimada: no período pós-guerra, o ocidente viveu a “era do ouro do capitalismo”, um período de 30 anos de grande crescimento econômico e prosperidade caracterizado pelos chamados “milagres”, que beneficiaram as economias da Europa ocidental, EUA e Japão. Ainda que seja dizer que a principal causa dessa bonança foi a grande estabilidade econômica trazida pelos acordos de Bretton Woods (1944), o barateamento do preço do petróleo trazido pela abundância desse recurso inundou o mercado ocidental com energia de baixo custo-benefício. Entre 1945 e 1970, o preço médio do barril se manteve estável em $1,80 dólares enquanto a produção saltou de um pouco mais de 5 milhões de barris por dia para 50 milhões. A estabilidade energética criou um solo seguro para o desenvolvimento industrial.
A estrutura da produção, contudo, passou por uma lenta e gradual transformação que acabou por ter consequências geoeconômicas cataclísmicas. Os países do Oriente Médio nos quais a produção estava concentrada, incomodados com o monopólio estrangeiro sobre os lucros do processo, passaram a pressionar por um maior controle da produção. Alguns agiram de modo mais direto, como o Egito e o Iraque, que nacionalizaram totalmente o petróleo em 1962 e 1972, respectivamente, enquanto as monarquias do golfo adotaram métodos mais sutis, reinvestindo sua parcela dos lucros na compra de ações das joint ventures estrangeiras até comprarem totalmente as operações em seu território, como o caso da Arábia Saudita. Independente do método utilizado, houve uma mudança sensível na balança de poder energética mundial, com o poder passando das companhias privadas dos consumidores para as estatais dos países produtores. Esse processo de tomada de controle foi simbolizado pela criação, em 1965, da Organização dos Países Produtores de Petróleo (OPEP), a qual passou a ser um centro de coordenação entre esses países. Originalmente fundada por Arábia Saudita, Irã, Iraque, Kuwait e Venezuela, o órgão logo expandiu para incorporar Qatar, Líbia, Nigéria, Indonésia, Argélia, Angola, Gabão, Guiné Equatorial, Congo e Emirados Árabes.
A OPEP fez sentir seu poder em 1973, quando seus membros anunciaram um embargo na produção de petróleo. Causado em parte como uma resposta à guerra de Israel contra o Egito (a maioria dos países membros era islâmica) e em parte como forma de aumentar o poder de barganha da organização, o choque de 1973 teve devastadoras consequências: o preço do barril saltou de $3,29 dólares em 1973 para $11,58 em 1974, servindo como um gatilho para que as economias desenvolvidas, já vivendo um processo de exaustão após quase três décadas de crescimento, tomassem um golpe profundo. A “era de ouro”, já exausta, agora fora encerrada de vez. O próprio Brasil é um exemplo significativo dos efeitos do choque: Vivendo o “milagre econômico”, a economia nacional, já totalmente endividada, teve na crise o estopim que detonou o fim do crescimento e o início da hiperinflação que assolaria o país pelas duas décadas seguintes.
Dali até o fim do século foi um período de instabilidade para o petróleo, com altas e quedas em meio à superprodução nos anos 1980 e as crises de 1979, causada pela nacionalização do petróleo do Irã, e 1990, causada pela Guerra do Golfo. Ainda que esses episódios não tenham sido tão desastrosos quanto a crise de 73 devido a um maior preparo por parte das economias ocidentais, a diversificação da quantidade de produtores e o surgimento de rachaduras dentro da OPEC, a grande reverberação geopolítica desse período conturbado foi mostrar a fragilidade da economia mundial frente a instabilidade do preço do óleo. Não à toa, foi nesse período que os EUA buscaram expandir sua pegada militar no Oriente Médio para assegurar seu suprimento. A Doutrina Carter (evitar que o Irã pós-revolucionário fechasse o Golfo Pérsico, por onde o petróleo passava), a instalação de bases militares nas demais “petromonarquias”, a intervenção na Guerra do Golfo e, por fim, a invasão do Iraque em 2003 podem se entendidas como um esforço norte-americano para galgar sua segurança energética.
Nos anos 2000, o petróleo conheceu uma alta de preços causada pelo aumento da demanda global que reavivou o poder de barganha dos produtores. Esse boom chegou ao fim em 2014, podado pela desaceleração resultante da crise de 2008 e uma nova fase de superprodução. Paralelamente, uma nova potência adentrou o mercado mundial de petróleo: a Rússia. Desde os anos 70, a URSS já havia adentrado o rol dos grandes produtores de óleo e gás, mas a produção era direcionada para o consumo interno e o sustento de seus satélites no Leste Europeu. Após 1991, tendo perdido grande parte da sua indústria com o colapso econômico pós-dissolução, a Rússia se voltou para suas enormes jazidas hidrocarbônicas como forma tanto de desenvolver uma nova fonte de renda quanto de obter um mecanismo capaz de recuperar sua influência em âmbito global. Inaugura-se aí a era da “diplomacia dos dutos” com a forte penetração do óleo e do gás russos no mercado europeu abrindo margem para o uso desses recursos como fonte de pressão diplomática, conforme demonstrado pelas crises da Ucrânia de 2006 e 2014.
O Petróleo na Era da Descarbonização (2010-)
Atualmente, podemos dizer que duas grandes variáveis geopolíticas vêm norteando o mercado mundial de petróleo, sendo a primeira delas a autossuficiência energética dos EUA. Com a descoberta, em 1998, do método de faturamento hidráulico, as vastas jazidas de óleo e gás do xisto norte-americanas se tornaram rentáveis comercialmente, o que abriu as portas para um boom da indústria petrolífera nesse país. De 2010 até hoje assistimos uma tendência inversa às décadas passadas com relação à política energética de Washington: o país que mais se esforçou para manter os mercados hidrocarbônicos do Oriente Médio abertos voltou a ser o maior produtor de petróleo do mundo. Essa guinada da segurança energética para o interior ajuda a explicar o, cada vez maior, desinteresse de Washington em relação ao Oriente Médio e, por consequência, sua contínua perda de influência nesta região.
O segundo e ainda mais importante desdobramento é uma tendência de realinhamento dos demais grandes produtores sob a liderança da Rússia e da Arábia Saudita. Rivais até a queda brusca de preços em 2014, esses dois países reagiram a crise na forma de uma, cada vez mais íntima, coordenação para equilibrar os preços. O principal resultado dessa relação foi a criação da OPEP+, uma iniciativa russa na qual outros nove produtores de grande porte (Azerbaijão, Cazaquistão, Bahrein, Brunei, Omã, Sudão, Sudão do Sul, México e Malásia) que ainda não integravam a organização passaram a trabalhar com ela no esforço estabilizador. Esse movimento firmou seus dois árbitros como os líderes do setor, cujas movimentações acabam ditando o rumo da indústria como um todo. Prova disso foi a recente guerra do óleo de 2020: para alguns o subproduto de uma divergência entre russos e sauditas com relação a quantidade produzida vs. fatia de mercado; para outros, uma jogada calculada para enfraquecer a produção norte-americana e dominar o mercado a longo prazo às custas de um revés temporário, o episódio cujo efeito, na esteira da crise causada pela pandemia do COVID-19, foi devastador para a economia global, demonstra que a chave da estabilidade energética mundial por enquanto repousa nas mãos da relação entre esses dois países.
Resta avaliar agora as perspectivas de futuro do petróleo em meio a era da “guinada verde”, da preocupação com às mudanças climáticas e da descarbonização. O senso comum nos diz que o petróleo, como os demais combustíveis fósseis, está com os dias contados, pronto para ser substituído por fontes energéticas sustentáveis, como a energia solar e eólica. Ainda que em última análise esse pressuposto pareça verdadeiro, é necessário compreender que esse será um caminho sinuoso e longo. Dada a competitividade econômica do petróleo em relação às fontes de energia renováveis, as quais ainda são pouco acessíveis financeira e tecnologicamente para a grande maioria dos países, essa substituição será lenta e gradual, de modo que o petróleo continuará sendo um fator de relevância para as décadas seguintes. Um fator que corrobora para esse diagnóstico é o fato de que 65% do petróleo mundial é usado não para gerar eletricidade, mas sim para abastecer a frota global de transporte e que outros 14% são consumidos em usos não-energéticos, como a indústria química e a farmacêutica. Considerando que os veículos elétricos como um todo ainda estão na infância (apenas 1,8% do mercado europeu) e que a produção química só tende a aumentar nas décadas seguintes, o cenário mais provável não é a substituição imediata e sim uma convivência na qual o petróleo coexistirá com as novas formas de energia sustentável conforme elas vão ingressando o mercado e se consolidando.
Resta saber o impacto desse processo para os países produtores. É muito provável que esse impacto será sentido de modo diferente entre eles, prejudicando os pequenos produtores às custas dos grandes. Essa afirmação é baseada no fato de que, uma vez o mercado de óleo estagnado ou em redução, o grande produtor não apenas será mais capaz de aguentar o tranco, mas também, por conta de sua produção comparativamente mais barata, será capaz de tomar o mercado de suas contrapartes menos favorecidas. Em resumo, a tendência é uma cada vez maior cartelização, com um mercado absolutamente menor sendo cada vez mais dominado por atores cuja fatia de mercado é relativamente maior. Ao terem se especializado em óleo e gás como a base de suas economias, Moscou, Abu Dhabi e Riadh podem não terem cometido um erro, como julga a opinião pública atualmente.
Referencias Bibliográficas
AGUILERA, Roberto; RADETZKI, Mirian. The Price of Oil, 2015.
AUZANNEAU, Matthieu. Oil, Power and War: a Dark History, 2018.
MARINHO, Ilmar Penna. Petróleo: Política e Poder, 1989.
MCNALLY, Robert. Crude Volatility: The History and The Future of Boom-Bust Oil Prices, 2017.
YERGIN, Daniel. O Petróleo: Uma História de Conquistas, Poder e Dinheiro, 1992.