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A política externa do governo Bolsonaro

No plano das ideias, valores e doutrinas que norteiam a atuação do Brasil ao longo do último século, evidencia-se a busca pela autonomia.  A partir do momento que a questão da autonomia emergiu nas análises de Relações Internacionais na década de 1960, ela se conecta à política exterior de diversos países periféricos e vem abrangendo um lugar de proeminência na política externa brasileira (PEB) conforme descreve a vertente da Teoria da Autonomia de Helio Jaguaribe e Juan Carlos Puig. 

O intento deste artigo é analisar através de atitudes factuais, seja por explanações xenófobas, seja por quebra de tradições diplomáticas, como o governo de Jair Bolsonaro exibe como primazia de sua política externa a “autonomia pelo distanciamento”, conduzida exclusivamente pela ideologia. Bolsonaro pautou sua plataforma de campanha para presidência em uma política externa sem conotação ideológica, porém, seus atos como presidente constatam ao contrário. O grau das transformações propostas por Bolsonaro é inédito e “rompe com tradições de décadas da diplomacia do Brasil”.

Nesta análise, será feito também um breve aparato histórico da política externa brasileira até chegar ao seu objeto principal, a obscura e ineficaz política externa do governo Bolsonaro, liderada pelo então Ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Sob a liderança de Araújo, o Brasil foi visto com preocupação perante a comunidade internacional, revelando a improdutividade política e espiritual desse governo. 

As mudanças de autonomia na política externa brasileira

A política externa de um Estado pode ser delineada como o conjunto de ações e decisões de um determinado ator, geralmente, mas não necessariamente, o Estado, em relação a outros Estados ou atores externos, como organizações internacionais, corporações multinacionais ou atores transnacionais, desenvolvida a partir de possibilidades e demandas de natureza doméstica e/ou internacional. 

A política externa brasileira (PEB) atravessou períodos significativos em sua história contemporânea, começando pela destacada política externa liderada por Barão do Rio Branco (1902-1912), que solidificou as fronteiras do Estado brasileiro, valendo-se de embasamentos históricos, geográficos e políticos. Rio Branco iniciou negociações com a Bolívia para levá-la a reconhecer a soberania brasileira sobre o Acre. Sua atuação diplomática foi imprescindível para a ratificação do Tratado de Petrópolis, de 17 de novembro de 1903, que solidificaria a soberania brasileira do Acre. 

No início do século XX, a política externa do Governo Getúlio Vargas (1930-1945/1951-1954) fundou sua atuação na política de “barganha” com aproximações alternadas e simultâneas com os Estados Unidos e com a Alemanha, chamada de equidistância pragmática, conforme expressão sublinhada pelo historiador Gerson Moura de que o Brasil seguiu na sua busca por autonomia buscando tirar benefícios da disputa entre os dois países. Fosse outra sua linha de atuação, o Brasil não teria obtido de Washington a promessa de financiamento para a construção em 1940, de Volta Redonda, a primeira usina siderúrgica, ícone do processo de industrialização por substituição de importação (PINHEIRO, 2004.p. 24). 

A política exterior de Juscelino Kubitschek (1956-1951), também conhecido como JK, teve como marco divisório o lançamento da Operação Pan-Americana (OPA), cujo escopo era uma proposta de convencimento de JK para que os Estados Unidos investissem na região sul-americana. Fazendo uma analogia do que pensava JK, o presidente brasileiro almejava uma espécie de Plano Marshall para a região, cujo protagonista desses eventos seria o Brasil. A OPA, embora tenha tido poucos resultados efetivos, contribuiu para aproximar o Brasil de seus vizinhos hispano-americanos, na que podemos considerar como uma primeira tentativa de instituir uma coordenação regional em favor do desenvolvimento nacional. 

Posteriormente, nos governos de Jânio Quadros e João Goulart (1961-1964), as relações exteriores brasileira passou por uma nova fase, caracterizada por muitos como uma nova guinada chamada de “política externa independente” (PEI), tendo como particularidade as relações do Brasil com o mundo sem aporte ideológico, seja do bloco capitalista ou comunista. As novidades apresentadas pela PEI refletiam a atualização da política exterior brasileira, que se colocava em sintonia com a conjuntura da época do sistema internacional

Com os governos militares pós-golpe em 1964, houve em um primeiro instante, durante o governo de Castelo Branco uma ruptura com a PEI, contudo, os princípios desta foram retomados em seguida, configurando apenas uma pausa na trajetória da política exterior brasileira. Os presidentes militares subsequentes logo voltariam aos fundamentos e preceitos da PEI, almejando uma intensa busca de inserção do Brasil no acirrado contexto internacional do período da “Guerra Fria”, que se estenderia até meados de 1980, com o retorno à democracia e o fortalecimento do governo democrático na década de 1990.  

Durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), o cerne da PEB foi personalizado pela “autonomia pela participação”. Neste conceito, a gênese da política exterior de FHC buscou ser autônoma, se integrando ao sistema internacional. Esta autonomia seria acompanhada pela participação ativa na elaboração das normas e pautas da conduta internacional, fornecendo assim, “uma contribuição afirmativa engajada para estabilidade e paz”. (Lampreia,1997, p.5). No discurso de posse, FHC assevera a necessidade de mudanças que assegurassem uma participação mais atuante do Brasil no mundo, sublinhando o objetivo de “influenciar o desenho da nova ordem […] e a necessidade […] de atualizar nosso discurso e nossa ação externa”. 

Com a vitória de Lula (2003-2010) na corrida presidencial de 2002, a política externa brasileira teria novamente como premissas básicas os princípios da Política Externa Independente de Jânio Quadros e João Goulart. Durante o mandato de Lula, a política exterior brasileira foi batizada de “autonomia pela diversificação” sendo caracterizada em três propósitos gerais (ViGEVANI; CEPALUNI, 2007, p.283): 

  1. A valorização e a ênfase da cooperação internacional sentido Sul-Sul, diversificando as parcerias do Estado brasileiro com os novos atores da política mundial como África do Sul, China, Índia, e países da América do Sul; 
  2. A intensificação do processo de integração regional através da criação de programas mais amplos como a Comunidade Sul-Americana de Nações (CASA) e a União das Nações Sul-americanas (UNASUL);  
  3. O fortalecimento da liderança brasileira nos fóruns internacionais através da chamada “diplomacia presidencial”. Os resultados desta terceira diretriz pode ser atestados na atuação brasileira nas rodadas comerciais da Organização Mundial do Comércio (OMS) e na busca por um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Sendo assim, na “Autonomia pela Diversificação”, o Brasil encontra brechas desobstruídas para se colocar no complexo mundo multipolar. 

 A política externa de Dilma Rousseff (2011-2016) exibe frequentemente debates com relação se foi ou não uma continuidade da política exterior de Lula.  Do ponto de vista conceitual, Dilma abarcou os mesmos preceitos de Lula, todavia, evidencia-se que o cenário externo durante o governo de Dilma é bem menos propício ao ativismo de países como o Brasil do que foi durante o governo Lula (CORNETET, 2021, p.142). Nas eleições de 2014, que marcaram o início da polarização política no país, e no curto período de seu segundo mandato (janeiro de 2015 a agosto de 2016), a política externa de Dilma Rousseff foi preterida a um segundo plano devido à crise econômica que seu governo passou. 

Críticas pertinentes a uma política econômica ambígua, à “política de empresas campeãs nacionais” patrocinada pelo BNDES e à corrupção sistêmica da Petrobrás traduziram-se no debate cotidiano em raciocínio contraditório: Dilma, a ex-guerrilheira, e seus aliados da Venezuela e de Cuba trabalhavam em favor do comunismo e combatiam os valores da sociedade brasileira. O desfecho é conhecido (VIDIGAL, 2021. p.131).

E por fim, antes de adentrar ao governo Bolsonaro, o curto mandato de Michel Temer (2016-2018), que assumiu a presidência da República após a decisão do senado pelo Impeachment de Dilma Rousseff. Sob a gestão de José Serra à frente do Ministério de Relações Exteriores (MRE), preceitos liberais se destacaram como a “inserção plena” da economia brasileira no comércio internacional e a busca de acordos regionais com áreas econômicas relevantes: Estados Unidos, União Europeia e Ásia “com ou sem a companhia do Mercosul, embora preferencialmente com ele” (VIDIGAL, 2021. p.132).  

Com a saída de José Serra do MRE, Michel Temer escolheu para o cargo Aluysio Nunes. Sob a tutela de Nunes foram mantidas as linhas gerais do período de Serra, incluindo o desejo de promover maior participação do Brasil nas cadeias globais de valor. É possível apontar que sob a liderança de Aluysio Nunes, o chanceler estava encarregado de estreitar os laços com os países do Mercosul e dar atenção especial às relações com a China devido aos interesses brasileiros no agronegócio e nos investimentos em infraestrutura. 

A ascensão de Bolsonaro ao poder

As eleições presidenciais de 2018 foram marcadas pela polarização política e pela influência intensiva das redes sociais. As propostas para o campo internacional dos cinco principais concorrentes à presidência da República divergiram no tocante ao pensamento econômico e político estratégico do país no sistema internacional. Fazendo uma analogia breve, enquanto Fernando Haddad pregava o resgate da política externa de Lula, a de Ciro Gomes focalizava o multilateralismo, a integração regional e a defesa do Acordo do Clima de Paris; Geraldo Alckmin priorizava relações comuns com a Ásia, Europa, China e Estados Unidos; Marina Silva, frequentemente vista nas eleições presidenciais, respaldava sua agenda de política externa tendo como embasamento o desenvolvimento sustentável como prevalência. Coube ao candidato Jair Bolsonaro as propostas mais inesperadas e atípicas sobre a atuação da política externa brasileira. 

Espantava a todos eleitores a proposta de estreitar os laços com Israel e Taiwan, de deslocar a embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém, de cercear investimentos da China no Brasil, e de até mesmo promover mudança do governo venezuelano, se admitindo algum tipo de ingerência no governo de Nicolás Maduro. Sendo assim, premissas básicas da política externa brasileira, como o equilíbrio diante do conflito Israel-Palestina, o reconhecimento do princípio de “uma só China”, o universalismo em matéria de comércio e investimentos estrangeiros, a não intervenção e a autodeterminação dos povos, foram deixados a um segundo plano na agenda de política exterior do candidato Bolsonaro. Por vontade das urnas, o Brasil elegeu a política externa na contenda eleitoral que contrariava, segundo especialistas, princípios constitucionais contidos no artigo 4° da Constituição Federal (VIDIGAL, 2021, p.139). 

A indicação do recém-nomeado embaixador Ernesto Araújo para o cargo de chanceler dissipou quaisquer dúvidas quanto à manutenção das propostas de campanha no governo. Sob a autoria de Araújo, o artigo Trump e o Ocidente, publicado em 2017, deu o exemplo de qual a orientação que seria seguida pela PEB. No artigo, Ernesto exalta o governo Trump, condena o globalismo e recomenda uma “cruzada” em defesa do Ocidente. Para isso, Ernesto apoiava suas ideologias políticas ao guru “bolsonarista”, Olavo de Carvalho

A era Bolsonaro: ideologização, alinhamento, pragmatismo

Com a chegada de Jair Bolsonaro à presidência da República brasileira em 2019, mudanças contundentes ocorreram e estão ocorrendo na trajetória da política exterior brasileira. Em seu discurso de posse em 2 de janeiro de 2019, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, prometeu uma nova abordagem para a PEB. Segundo Araújo, uma nova etapa estava se iniciando, cuja base seria o combate ao globalismo. Nas palavras proferidas pelo Chanceler, o presidente Bolsonaro está libertando o Brasil por meio da verdade. “Nós vamos também libertar o Itamaraty […]”, e ainda completa “não estamos aqui para trabalhar pela ordem global. Aqui é o Brasil”. 

As narrativas do chanceler brasileiro embasaram-se em explanações e ações de aversão ao globalismo, desejando um Brics sem a China, maior parceiro comercial do Brasil.  A abolição ao Bolivarianismo na América do Sul, e um realinhamento com os Estados Unidos digno de deixar orgulhoso o primeiro embaixador brasileiro em Washington, depois do golpe militar de 1964, Juracy Magalhães, que proferiu a célebre frase “O que é bom para o Brasil é bom para os Estados Unidos”. 

O realinhamento com Trump, sem compensações, guiava o Brasil nos organismos internacionais. Políticas exteriores no tocante à Venezuela, à Argentina, ao Mercosul, à China, à Israel, entre outros, tomava como ponto de partida o que pensava ser desejos e anseios dos americanos. Como afago a essa relação intrínseca entre Trump e Bolsonaro, o líder brasileiro indicou seu filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, como embaixador em Washington, visto que Eduardo, segundo o presidente, exibia uma relação muito próxima com Trump e seus familiares. 

A tentativa de nomeação do filho do presidente para embaixada do Brasil nos Estados Unidos, considerado o posto mais cobiçado da diplomacia brasileira, foi claramente uma forma de nepotismo, ignorando assim a cultura diplomática e técnica do Itamaraty em virtude de Eduardo não ser diplomata de carreira. Em razão à forte rejeição do Congresso Nacional, a indicação de Jair Bolsonaro não obteve êxito. 

A mudança da Embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, considerada uma das principais promessas de campanha do presidente Bolsonaro para PEB, foi substituída por um escritório comercial, estabelecido em 15 de dezembro de 2019. Os impactos de ordem econômica, diplomática e política pesaram para não haver tal mudança. A substituição da embaixada representaria um reconhecimento da cidade de Jerusalém como capital de Israel, sendo capaz inevitavelmente de provocar atritos não apenas com os palestinos e países árabes, mas também respostas da comunidade internacional que advoga para uma posição de que o status de Jerusalém deve ser decidido em negociações de paz.

Nas palavras do diplomata Marcos Azambuja, “a colaboração entre Brasil e Israel na área da ciência e da tecnologia é boa, mas não acredito que o país deva se envolver politicamente no Oriente Médio, uma das regiões mais complexas do mundo”.  Caso a medida de Bolsonaro tivesse sido levada realmente a efeito, colocaria o Brasil em um incômodo isolamento internacional, acompanhado apenas de Estados Unidos e Guatemala, visto que ela vai de encontro à Resolução 478 (1980) do Conselho de Segurança da ONU, que não reconhece a decisão do Estado de Israel de declarar Jerusalém capital do país. 

A vizinha Venezuela, fortemente mensurada por Bolsonaro em sua campanha presidencial, foi outra questão que se apresentaria ao presidente no início do seu governo. Devido ao agravamento da crise em Caracas, e a pressa que os Estados Unidos tinham de encontrar uma solução, em 23 de janeiro de 2019, o presidente da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, declarou-se presidente interino da Venezuela, contando com o reconhecimento sem tardar dos americanos e de outros países, entre eles o Brasil. Em uma visita típica de chefe de Estado, Guaidó foi recebido por Bolsonaro no Planalto. O Ministério de Relações Exteriores (MRE) e o próprio Planalto continuam a reconhecer Juan Guaidó como presidente interino da Venezuela, mesmo que o opositor venezuelano nunca tenha assumido de fato o poder no país, que segue nas mãos de Maduro e seus aliados chavistas. 

Em suas promessas de campanha, e após a vitória nas urnas, Bolsonaro incessantemente alegava em seus discursos que o Brasil não tinha mais o viés ideológico para fazer comércio. Todavia, Ernesto Araújo realizou “isentas” viagens diplomáticas em Estados-nação que possuem modesta relação comercial com o Brasil, e forte relação com a extrema-direita europeia, como é o caso da Hungria e da Polônia. 

Sendo assim, a política externa guiada por Ernesto solidificou uma mudança de orientação da política externa brasileira, resultado da motivação ideológica conservadora defendida por Bolsonaro, que faz críticas veladas a países socialistas como China, Cuba e Venezuela. Contudo, Bolsonaro não deu importância a ideologias quando fez visitas a países autoritários, xenófobos e que realizam um verdadeiro “apartheid” contra as mulheres, como é o caso de Emirados Árabes Unidos, Catar e Arábia Saudita.

A política externa do governo Bolsonaro passou a ser um mero campo para exercício ideológico, rompendo com as premissas de elementares protocolos diplomáticos, isolando o Brasil do Sistema Internacional e se transformando em uma base americana, a partir da qual os setores mais agressivos do aparelho de Estado dos Estados Unidos têm agido no sentido de fazer valer seus propósitos na América do Sul. Como exemplo disto, em 2019 ocorre uma quebra de tradição diplomática brasileira de apreço aos organismos multilaterais com o voto a favor do embargo econômico, comercial e financeiro a Cuba, durante a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas em Nova York. Nas palavras de Bolsonaro

Pela primeira vez o Brasil acompanhou os Estados Unidos na questão do embargo para Cuba. Então, nós somos favoráveis ao embargo para Cuba, afinal de contas, aquilo é uma democracia? Não é, é uma ditadura, então tem que ser tratada como tal.

 O Conselho de Direitos Humanos da ONU aprovou em 23 de março de 2021 uma resolução que condena os impactos das medidas coercitivas unilaterais, ou seja, os embargos econômicos contra as nações. Existe uma expectativa de que metade do planeta sofra direta ou indiretamente com sanções econômicas. A resolução foi uma proposta da Venezuela que desde 2015 sofre com sanções impostas pelos Estados Unidos e pela União Europeia. O Brasil foi o único país latino-americano a se opor ao documento. 

Segundo Castro (2019, p.6), a política externa nas mãos de Bolsonaro não é uma ferramenta para a promoção do interesse público, mas um instrumento de uso privado para a afirmação e fortalecimento do seu grupo político. Ademais, Bolsonaro expôs arestas diplomáticas com o presidente francês devido às queimadas na Amazônia em 2019. Macron sustentava em seu Twitter oficial que as queimadas na Amazônia entrassem na pauta do G7. Nas palavras de Macron, 

Nossa casa está pegando fogo. Literalmente. A floresta amazônica – os pulmões que produzem 20% do oxigênio do nosso planeta – está em chamas. É uma crise internacional.

Como não gosta de ser criticado ou advertido, Bolsonaro proferiu deselegâncias contra o líder francês em um episódio de extrema indelicadeza, ofendendo de forma repugnante a primeira-dama francesa. Não bastasse as grosserias do pai, Eduardo Bolsonaro repostou no seu perfil no twitter um vídeo no qual um youtuber chama Macron de idiota demonstrando assim a percepção limitada que a diplomacia brasileira se tornou sob a liderança de Jair Bolsonaro e Ernesto Araújo. 

Em relação à vizinha Argentina, as relações são as piores possíveis. Apoiando incondicionalmente a reeleição de Maurício Macri, candidato derrotado nas urnas por Alberto Fernández, Bolsonaro não compareceu à posse de Fernández. Após o pleito argentino, Bolsonaro disse que o país vizinho havia “escolhido mal” seu presidente. O não comparecimento de Bolsonaro fez se romper uma tradição. Todos os presidentes eleitos desde a redemocratização nos dois países tiveram em sua posse a presença do presidente do Estado vizinho.

O sucesso da integração regional na América do Sul indubitavelmente passa pelo relacionamento e vínculo cordial entre Argentina e Brasil, e a atitude esdrúxula de Bolsonaro de nem sequer parabenizar o candidato peronista na contenda eleitoral faz o Brasil mover sua política externa sem compromisso com qualquer concepção de interesses nacionais. “A política externa passou a adotar uma estratégia do ‘caos’, tornando-se um espaço de políticas declaratórias repleto de ‘cacofonias” (Castro, 2019, p.5). O resultado tem sido o desgaste da imagem do país no cenário internacional, e uma crescente deterioração das relações exteriores do Brasil com os demais atores internacionais (Castro, 2019, p. 9).

As relações com a China e o advento da Covid-19

Seja durante a campanha, seja como presidente, Bolsonaro proclamou diversas vezes que seria duro com os chineses e não permitiria que eles “comprassem o Brasil”. Porém, em sua visita à China, Bolsonaro modificou seu discurso, propondo aos chineses que aumentassem o volume de investimentos e compras no Brasil, revelando seu pensamento dicotômico em relação aos chineses. Com a pandemia do coronavírus, novamente Pequim entrou no radar de ofensas e discursos xenofóbicos por parte de Bolsonaro e seus familiares. Em um discurso, sem citar nominalmente a China, o líder brasileiro alegou que o vírus pode ter sido criado pelo país asiático em um laboratório. Bolsonaro ainda afirma que “os militares sabem que é uma guerra química bacteriológica e radiológica”. 

A conduta de Bolsonaro durante a pandemia é caso de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). As difamações e constrangimentos causados por Bolsonaro no plano externo, principalmente com relação à China, não levam em consideração que o Estado brasileiro depende do Estado chinês para o fornecimento de insumos para vacinas do Brasil. No ano de 2020, Bolsonaro indagou sobre a qualidade da vacina chinesa CoronaVac, do laboratório Sinovac, envasada no Brasil pelo Instituto Butantan. As declarações de Eduardo Bolsonaro criticando a China por sua postura diante do surgimento do novo coronavírus salientou as tensões entre o governo de Jair Bolsonaro e os chineses. A mensagem do Deputado foi rebatida com veemência pelo embaixador da China no Brasil, Yang Wanming. Nas palavras de Yang 

As suas palavras são um insulto maléfico contra a China e o povo chinês. Tal atitude flagrante anti-China não condiz com o seu estatuto como deputado federal, nem a sua qualidade como uma figura pública especial.

No que tange ao 5G, área tecnológica tão aguardada pelos brasileiros, que possui a China como principal provedor, Eduardo Bolsonaro novamente acusou o governo de Pequim de almejar espionar o mundo através da venda de equipamentos para redes de comunicações 5G. Todavia, vale analisar que a empresa chinesa Huawei é, atualmente, a líder global em 5G. O Brasil está atrasado no leilão desta tecnologia. Banir a Huawei da rede, conforme prescreve os interesses americanos, custa dinheiro e tempo para os brasileiros fazendo retardar a competitividade da fragilizada economia brasileira, já que indústrias e empresas ficariam para trás em relação aos países que já possuem o 5G. 

Com a sinalização a favor dos americanos para o banimento da Huawei, devido ao alinhamento automático exercido por Bolsonaro na política externa brasileira, existe o risco iminente do Brasil desagradar e até mesmo receber retaliações da China com a decisão. A China, atualmente, é a principal fonte de superávit comercial do Brasil no mundo, com saldo positivo de US$ 33,6 bilhões contribuindo com mais da metade do superávit comercial do Brasil.  Em analogia com os Estados Unidos, o Brasil concentrou um déficit comercial em 2020 com os americanos em US$ 2,7 bilhões.

As declarações inoportunas e preconceituosas de Jair Bolsonaro em relação ao principal parceiro comercial do Brasil fez o presidente do Instituto Butantan, Dimas Covas, declarar que “claramente tem aí mudanças que não são mudanças de produção do Sinovac , mas sim consequências da falta de alinhamento do Governo Federal”.  Paulo Guedes, Ministro da Economia do governo Bolsonaro, foi gravado no final de abril deste ano, 2021, afirmando que os chineses “inventaram” o coronavírus e que a vacina desenvolvida pelo país asiático contra a doença é menos efetiva que o imunizante da norte-americana Pfizer. Diante disso, fica notório a falta de capacidade deste governo em lidar com situações complexas e delicadas que a pandemia trouxe para o contexto internacional. 

A autonomia pelo distanciamento, prática adotada pela política externa bolsonarista, foi uma das grandes responsáveis pela crise caótica que o Brasil enfrenta nos últimos dois anos trazendo como resultado a morte de até o momento de mais de 500 mil pessoas. As práticas de política externa adotada por Ernesto Araújo enquanto esteve à frente do MRE simbolizou a construção de um projeto entreguista e de submissão passiva do Estado brasileiro aos interesses do imperialismo estadunidense. Conforme cita Cruz (2019, s/p.), existe uma “ruptura” realizada pelo governo Bolsonaro em relação às premissas da política externa brasileira. O aparecimento da covid-19 vociferou a incapacidade da política externa brasileira de lidar com desafios e as adversidades de um sistema internacional que caminha a passos largos para uma transformação estrutural e intensa neste século XXI.  

Diante de pressões em relação ao seu desserviço prestados ao Brasil no que concerne a falta de presença acurada frente às negociações envolvendo o que muitos especialistas chamam de “diplomacia da vacina”, Ernesto Araújo pede demissão do cargo, sendo nomeado para seu lugar o diplomata Carlos Alberto Franco de França, que ostenta um perfil mais discreto em analogia a Araújo, mas que não promete alterar a linha política de condução do MRE que se baseia na “autonomia pelo distanciamento” imposta pela ideologia do bolsonarismo. A concepção das relações internacionais na política externa brasileira no governo de Jair Bolsonaro atual é um rompimento da história da diplomacia do país e, mais ainda, se diferencia de qualquer concepção de política global vista na comunidade internacional.

Considerações finais

Com o advento da pandemia ficou nítido para grande parte da população como as práticas benevolentes da política externa podem trazer benesses favoráveis para os cidadãos de um determinado país. Sendo a diplomacia brasileira uma das mais antigas, importantes e sólidas do mundo, esta análise teve como escopo ratificar a incapacidade que o governo do presidente Jair Bolsonaro teve ao longo dos seus três anos de mandato no tocante à inserção internacional do Brasil. 

Com manifestações preconceituosas contra nações de extrema relevância para o Estado brasileiro, como é o caso da China, ou pela má educação em relação ao tratamento com a primeira-dama francesa, fica claro para este trabalho que falta coerência e discernimento no que toca a política exterior brasileira durante a era Bolsonaro. De uma expectativa futura, a única saída possível, na óptica deste trabalho, seria a derrota de Bolsonaro nas eleições presidenciais de 2022, e que o próximo líder brasileiro coloque como cerne sine qua non a elaboração de um projeto que tenha como primazia o desenvolvimento nacional, a garantia da soberania e da autodeterminação dos povos. 

Referências bibliográficas:

CASTRO, Gabriel Sandino de. Teoria, discurso e prática da política externa do governo Bolsonaro: breves considerações. Boletim de Conjuntura Política e Econômica, IEEI. p. 5-16.  2019.

CORNETET, João Marcelo Conte. A política externa de Dilma Rousseff: contenção na continuidade. Conjuntura Austral, Porto Alegre, RS, v. 5, n. 24, p. 111-150, jul. 2014. ISSN 2178-8839. doi:https://doi.org/10.22456/2178-8839.4762

GERALDELLO, Camila Silva.  “AUTONOMIAS” NA POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA: EXERCÍCIOS DA TEORIA DA AUTONOMIA? Revista de Estudos Internacionais (REI) Vol.5(2), 2014.

GONÇALVES, W; TEIXEIRA, T.  . Considerações sobre a política externa brasileira no governo Bolsonaro e as relações EUA-BrasilSul Global, v. 1, n. 1, pgs. 192-211. 2020. 

LAMPREIA, Luiz Felipe. A política externa do governo Fernando Henrique. Jornal do Brasil, p. 11., 8 jan.1995.

PINHEIRO, Letícia de Abreu. Política externa brasileira, 1889-2002. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004. 

VIDIGAL, Carlos Eduardo; et al. História das relações internacionais do Brasil. 2° Ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021.

VIGEVANI; CEPALU. Política externa de Lula da Silva: a estratégia da autonomia pela diversificação. Contexto Internacional 29(2). Dezembro 2017. 

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