O projeto “Gênero, Número & Grau” da Revista Relações Exteriores consiste em perguntas sobre temas do cenário internacional, onde especialistas convidados vão avaliar e se posicionar sobre, traçando um panorama das opiniões e contemplando a pluralidade de leituras e análises das Relações Internacionais. Para essa primeira edição, foi elaborada uma reflexão acerca das eleições americanas e enviada para os analistas e especialistas respondessem. Para ficar a par do que está acontecendo nos EUA, foi feita um pequeno contexto para os leitores.
Contexto das eleições Americanas de 2020
Faltando alguns dias para a as eleições presidenciais nos Estados Unidos, o que mais se especula nas mídias internacionais é quem ganhará as eleições, Donald Trump, o atual presidente, ou Joe Biden, ex-vice-presidente no governo Obama. Por mais que Biden esteja liderando em nível nacional, com 52% dos votos contra 42% de Trump, o resultado é de fato decidido no colégio eleitoral.
Nos EUA, cada estado recebe um número de votos no colégio eleitoral. Essa quantidade é decidida de acordo com o tamanho da população estadual; resultando em 538 votos em disputa. Para ganhar, o candidato deve alcançar pelo menos 270 votos. Dos estados americanos, quase todos – com exceção de Maine e Nebraska – usam o sistema winner-take-all (ganhador leva tudo): o vencedor da disputa conquista todos os votos do colégio eleitoral. Dessa forma, ao ganhar a maioria dos votos dos eleitores no Estado, são conquistados todos os votos do determinado colégio eleitoral. Por conta disso, os candidatos focam suas campanhas nos estados com o maior peso na votação, como Califórnia, Flórida e Texas.
Antes das eleições americanas é de costume que haja debates presidências entre os candidatos, nas quais eles falam sobre determinados temas. No dia 29 de setembro ocorreu o primeiro debate entre Donald Trump e Joe Biden, que foi marcado por inúmeras interrupções de Trump e por uma troca de ofensas, como Biden chamando o atual presidente de “palhaço”. Os temas debatidos foram: o histórico de cada candidato, a Corte Suprema, Covid-19, economia, raça e violência nas cidades, e a veracidade do processo eleitoral.
A relação entre os EUA e a América Latina é uma relação norte-sul. Enquanto os Estados Unidos se desenvolveram e se tornaram uma grande potência a América Latina passou dificuldades por dificuldades em seu desenvolvimento, além de possuir escassez de tecnologia. A América Latina é estratégica para os Estados Unidos por seus recursos naturais e por sua importante posição geográfica, como o nordeste do Brasil e a ilha de Cuba. Sendo assim, e tendo em vista os acordos e organizações firmadas entre as duas regiões, como a OEA, é possível notar que há uma cooperação existente, bem como disputas por influência e domínio geopolítico.
Pergunta
Ter Biden como novo presidente dos EUA seria positivo para a América Latina e, em particular, para o Brasil.
( ) Discordo Totalmente ( ) Discordo em partes ( ) Indiferente/Neutro
( ) Concordo em partes ( ) Concordo totalmente
Discorda em partes
Júlia Cassia
Colunista da Revista Relações Exteriores e Graduanda em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Caso Joe Biden resolva retomar políticas à época de Obama, as relações com a América Latina podem ter uma melhoria a partir da renovação do ideal de boa vizinhança e da retirada do protecionismo de Trump com ameaças de sanções econômicas. Essas relações podem ser influenciadas também pelas eleições do Chile e do Peru em 2021, embora, em termos de continuidade da Política Externa, ambos países possuem certa estabilidade. Em geral, há a possibilidade de atuação mais ativa de Biden, que se mostra mais propenso ao multilateralismo, podendo haver melhoras nas relações com a Venezuela.
Contudo no Brasil o cenário é um pouco mais complexo. O governo de Bolsonaro não se alinhou ao país, e sim ao governo Trump, se afastando da comunidade internacional. No debate presidencial, Biden já se mostrou mais disposto a praticar punições no que se refere à Amazônia, o que não agradou Bolsonaro. Podemos sofrer diretamente com sua eleição caso o atual governo do Brasil não modifique sua postura à nível internacional. Já estamos com o real desvalorizado e possíveis sanções afetariam ainda mais a população brasileira. Contudo o MRE pode reformular sua atuação e retomar o pragmatismo perdido, tendo de volta o poder na condução das R.E.
Discorda em partes
Thiago Augusto Lima Alves
Mestrando em Relações Internacionais, especialista em Direito Constitucional, internacionalista e advogado.
As relações entre EUA e América Latina são marcadas predominantemente por períodos de mal-estar, às vezes intensos, e frequente menosprezo do Norte ao Sul e ressentimento no sentido inverso. Sob o governo de Donald Trump (2017 – atual) foram intensificadas as demonstrações de apatia e desinteresse pela América Latina. Com a possível chegada de Joe Biden à presidência, penso que haverá um cuidadoso programa de aproximação com a América Latina, tendo em vista que muitos países estão sendo governados por governos de direita/extrema direita (onda azul).
Em relação ao Brasil, o atual governo Bolsonaro, apesar de "próximo" ao presidente Trump, não conseguiu concretizar algumas agendas, como o apoio estadunidense à candidatura do Brasil na OCDE. Um possível governo Biden poderia manter as tradicionais dificuldades provenientes de políticas de Estado estadunidense. Não devemos esquecer que os EUA possuem uma política externa para a América Latina há muito tempo consolidada. Trata-se de uma agenda agressiva de política externa e nefasta aos interesses latino-americanos, reproduzidas tanto por republicanos quanto por democratas.
Discorda em partes
Felipe de Macedo Teixeira
Advogado e Pesquisador. Mestrando em Estudos Estratégicos Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Experiência nas áreas de direito constitucional, empreendedorismo e pesquisa científica. Pesquisador nas áreas de política externa brasileira e paradiplomacia.
Discordo em partes. Especificamente quanto ao Brasil, a política externa do governo Bolsonaro tem como um dos principais pilares retóricos e de prática diplomática a parceria com o governo de Donald Trump. Tal aproximação é essencial para a justificativa desta posição "americanista" que prevalece na política externa atual, implicando em posições que convergem diretamente com os Estados Unidos. Entretanto, o fato desta política estar assentada principalmente no governo Trump, e não nos Estados Unidos em si, torna-a vulnerável a perder sua base de legitimação externa no caso de uma derrota do atual presidente americano.
Não obstante, uma eventual vitória de Joe Biden levaria a uma inversão das posições internacionais norte-americanas. Por si só, isso não implicaria em um afastamento ou desentendimento com o Brasil, porém, o próprio candidato já expressou sua preocupação com a questão ambiental no último debate, e esse pode mostrar-se como um desencontro com a atual posição brasileira. Além disso, o presidente Bolsonaro já manifestou publicamente seu apoio à reeleição de Donald Trump, podendo causar um "mal-estar imediato" caso Joe Biden vença.
Assim, discordo em partes, pois a atual política externa brasileira é assentada na parceria com o governo Trump, o que poderia ser ajustado caso Joe Biden venha a vencer em novembro. Isso, porém, exigiria uma difícil mudança de tom e justificação doméstica e internacional à diplomacia brasileira.
Discorda em partes
Arnaldo Santana
Advogado, especialista em Direitos Humanos, Direitos Sociais, Verdade, Memória e História, Interessado em questões raciais e de gênero e Pesquisador voluntário na Revista de Relações Exteriores.
Visualizei pouco sobre os debates e vislumbrando responder de forma coerente, acredito que discordo parcialmente do enunciado da questão.
Apresento dessa forma, estando quase que por fora do assunto, por compreender que atualmente a proposta de aproximação dos EUA com as demais nações americanas se dá em virtude do viés político que algumas possuem e dependência das demais. No caso do Brasil, por exemplo, possuímos um governante que busca incessantemente a aproximação e vinculação aos ditames estadunidenses e um câmbio na política dos EUA poderia repercutir de forma distinta pois o alinhamento seria modificado quase que completamente. Não digo que dessa forma seria viabilizado um distanciamento completo, porém acredito que a tentativa de distanciamento seria muito mais palatável.
Outro ponto que me direciona ao presente pensamento é uma parte do discurso apresentado por Biden sobre a “retaliação” ao Brasil diante da gestão ao COVID-19 (pode ter algum ruído nesta informação e a que foi declarada pelo próprio Biden pois visualizei algumas notícias avulsas).
Acredito que com as eleições americanas poderemos ter alguns avanços no tratamento das demandas especialmente sobre defesa de Direitos Humanos e Integração e/ou Cooperação Internacional. Porém, diante do questionamento necessitei fazer uma análise menos passional.
Discorda em partes
Marco Antonio Lima da Cruz Filho
Advogado, pós-graduando em Direito Internacional pela PUC/SP. Case Manager do Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá. Pesquisa e comenta sobre Direito Internacional dos Direitos Humanos, Solução de Controvérsias Internacionais e Arbitragem Internacional.
O cenário norte americano é indiscutivelmente complexo, tendo em vista ideias populistas e autoritárias – encabeçadas pelo atual presidente, que fundamentam as instituições e suas respectivas ações, refletindo, portanto, em um governo ultraconservador e imprevisível para o contexto internacional. Ainda assim, e de um modo geral, caso o Partido Democrata, representado neste ato por Joe Biden, prevaleça nas eleições americanas que estão por vir, é possível considerar uma eventual retomada das diretrizes fixadas no antigo governo Obama, em que o atual candidato era vice-presidente (2008-2016). A política externa seria pautada, portanto, no multilateralismo, cooperação internacional, solução pacífica de controvérsias e reaproximação do país com organizações, tratados e convenções internacionais, a exemplo do Tratado de Paris.
Necessário pensar, além destes pontos, na reaproximação dos EUA com nações da América Latina, como a Colômbia (pelo histórico elo de questões comerciais e de segurança), Chile (em razão de sua política externa com elevado nível de adaptação), Argentina (renegociação de dívidas externas perante o FMI) e, finalmente, com o Brasil (incerto?).
O Brasil foi citado – o que não é comum – no debate presidencial de 29 de setembro de 2020, em referência ao catastrófico desmatamento na Amazônia. Em face deste episódio, o Presidente brasileiro reagiu com veemência ao afirmar que a soberania da nação é inegociável e não aceita subornos. Temos, neste ponto, uma prévia dos próximos desafios entre os líderes, haja vista a dissonância ideológica em agendas como a ambiental e social.
Nada obstante, espera-se que, em consideração à longa história entre as duas nações, o vínculo não seja completamente deteriorado.
Discorda em partes
Danilo Portela
Advogado e pesquisador de Segurança Internacional na Revista Relações Exteriores.
O fato de Joe Biden como presidente dos Estados Unidos ser benéfico ou não para o Brasil, depende necessariamente do perfil político adotado pelo governo brasileiro durante o mandato do potencial Presidente americano. Hoje, Bolsonaro e Trump são interligados por uma agenda política-ideológica comum, marcada pelo conservadorismo e pelo afastamento do multilateralismo.
Uma eventual vitória de Biden, pelo contrário, reposicionaria os Estados Unidos no concerto global, resgatando o multilateralismo e privilegiando pautas abandonadas pelo governo Trump, como a questão ambiental. Sobre isso é necessário ressaltar a importância com que a campanha de Biden trata o tema. O ex-vice presidente é favorável ao Green New Deal, ambicioso plano ambiental encabeçado pela Deputada Alexandria Ocasio-Cortez, da ala mais à esquerda do partido democrata. Isso significaria uma maior pressão contra o Brasil em um momento onde o país recebe fortes críticas em razão do atual cenário de queimadas. O próprio candidato citou, no primeiro debate contra seu adversário, Trump, as queimadas na Amazônia, sinalizando inclusive a possibilidade de sanções econômicas contra o Brasil.
Não obstante, espera-se do ex vice presidente uma reaproximação com os tradicionais parceiros europeus. Nota-se que a relação de Bolsonaro com as principais nações do velho continente, em especial a França, encontra-se abalada, neste caso principalmente em razão de questões ambientais, o que vem comprometendo inclusive o acordo comercial Mercosul-União europeia. Dito isto, em uma possível reaproximação dos Estados Unidos com a Europa liderada por Biden, e com um consequente alinhamento de discursos entre os líderes dos principais países, poderia ser criado contra o Brasil um cordão de isolamento político e comercial.
Ao mesmo tempo, por conta do pragmatismo, temas como a crise na Venezuela poderiam se converter em um ponto de convergência entre Brasil e Estados Unidos, mesmo com Joe Biden na Presidência, já que tanto este como seu adversário Donald Trump consideram o governo Maduro ilegítimo, e apoiam o líder Juan Guaidó como presidente. Não se pode esquecer também da crescente presença chinesa na América Latina, o que poderia levar os Estados Unidos a sondarem o Brasil no sentido de contrabalançar a influência de Pequim na região.
INDIFERENTE/NEUTRO
Pedro Lopes
Analista de Relações Internacionais. Realiza publicações regulares na Revista Relações Exteriores e do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças (IBEF-Rio).
De forma geral, as eleições estadunidenses têm um impacto muito maior em âmbito interno. A política externa estadunidense não tem tido grandes variações e rupturas dadas as mudanças na presidência. Brasil e Estados Unidos são parceiros históricos, e isso se mantém com Trump ou com Biden.
A questão é que as relações desiguais que se estabeleceram entre Brasil e Estados Unidos, com os governos Trump e Bolsonaro, se dão muito mais pelo posicionamento do presidente brasileiro e sua reorientação da política externa no sentido do alinhamento automático aos Estados Unidos, do que um comportamento nocivo dos Estados Unidos em relação ao Brasil. Não sabemos, entretanto, se o alinhamento automático do governo Bolsonaro se manterá no caso da vitória de Biden, afinal, não sabemos se o seu alinhamento é com os Estados Unidos ou com Trump.
Assim, para avaliar as consequências das eleições estadunidenses no Brasil, é muito mais efetivo olhar para a nova ideologia da política externa brasileira e tentar observar como ela se desenvolverá numa eventual mudança na presidência dos Estados Unidos. Entretanto, a ruptura que o governo Bolsonaro trouxe para a política externa brasileira dificulta a previsão de uma política externa brasileira frente ao governo Biden.
INDIFERENTE/NEUTRO
Bárbara Camargo
Analista de Relações Internacionais, Estudiosa de Direitos Humanos e Pesquisadora em Direitos Humanos nas Relações Internacionais.
De forma geral, as eleições estadunidenses têm um impacto muito maior em âmbito interno. A política externa estadunidense não tem tido grandes variações e rupturas dadas as mudanças na presidência. Brasil e Estados Unidos são parceiros históricos, e isso se mantém com Trump ou com Biden.
A questão é que as relações desiguais que se estabeleceram entre Brasil e Estados Unidos, com os governos Trump e Bolsonaro, se dão muito mais pelo posicionamento do presidente brasileiro e sua reorientação da política externa no sentido do alinhamento automático aos Estados Unidos, do que um comportamento nocivo dos Estados Unidos em relação ao Brasil. Não sabemos, entretanto, se o alinhamento automático do governo Bolsonaro se manterá no caso da vitória de Biden, afinal, não sabemos se o seu alinhamento é com os Estados Unidos ou com Trump.
Assim, para avaliar as consequências das eleições estadunidenses no Brasil, é muito mais efetivo olhar para a nova ideologia da política externa brasileira e tentar observar como ela se desenvolverá numa eventual mudança na presidência dos Estados Unidos. Entretanto, a ruptura que o governo Bolsonaro trouxe para a política externa brasileira dificulta a previsão de uma política externa brasileira frente ao governo Biden.
CONCORDA EM PARTES
Leila Fonseca
Analista de TI no TRE-GO, cientista da computação e analista de Relações Internacionais. Colunista da Revista Relações Exteriores.
A eleição presidencial dos Estados Unidos sempre atrai as atenções mundiais, por se tratar de uma potência hegemônica no sistema internacional. A próxima, porém, já é considerada histórica pelo fato de os candidatos apresentarem não somente ideologias, mas também, visões de mundo totalmente opostas e discrepantes. Uma vitória de Biden será positiva não apenas para a América Latina, mas para o mundo, no sentido de que as relações multilaterais e alianças serão recuperadas.
No caso particular do Brasil, como o governo Bolsonaro optou por um alinhamento ideológico (Trumpismo) e não de Estado, o discurso terá que ser ajustado e alinhado à nova abordagem americana. As relações podem passar por um resfriamento, todavia se manterão por serem históricas e solidificadas em diversas áreas. Além disso, devido ao seu pragmatismo, os americanos sempre buscam focar em seus interesses e concessões, independente da ideologia brasileira. O Brasil terá que se esforçar para costurar alianças, reorientar a diplomacia, rever as questões ambientais e repensar a postura diante da China. Certamente as relações comerciais entre Estados Unidos e China serão revisadas, o que pode trazer reflexos negativos paras as exportações brasileiras, principalmente no que diz respeito à soja. O cenário é desafiador, mas não apocalíptico. O Brasil precisa de uma política externa baseada no interesse nacional e não na ideologia. Caso contrário, corre-se o risco de ficar “órfão” e cair em um isolamento diplomático, como agora!
CONCORDA EM PARTES
Bárbara Cruz
Mestranda em Ciências Políticas pela Universidade do Minho e Colunista da Revista Relações Exteriores.
É importante lembrarmos que quando era vice-presidente de Barack Obama, Biden era encarregado das relações com a América Latina, sendo um dos responsáveis pela reaproximação com Cuba, por exemplo. Forte defensor de uma política neoliberal, Joe Biden possui experiência no que diz respeito aos assuntos envolvendo a América Latina, mas experiência não quer dizer que o candidato à presidência obteve êxito em todas suas empreitadas latino-americanas. Portanto, ter Biden como novo presidente dos EUA seria positivo para América Latina e para o Brasil, mas com algumas ressalvas.
Ademais, também é importante lembrarmos do discurso pró – meio ambiente de Biden. O mesmo já expressou, mais de uma vez, sua preocupação com a floresta amazônica e com o posicionamento do governo brasileiro a essa situação. Ter Biden como presidente estadunidense seria um forte baque no governo Bolsonaro, claramente alinhado com a ideologia política defendida por Trump. Portanto, podemos esperar de Biden uma certa pressão para uma política ambiental responsável. Por já ter uma antiga relação com a América Latina, espera-se que Biden busque reverter a política unilateral implantada por Trump, buscando o diálogo com seus vizinhos do sul. Entretanto, é sempre bom lembrarmos que a política externa de Biden nunca foi moderada, defendendo o endurecimento das políticas de imigração quando vice-presidente, portanto, se vencer a corrida eleitoral, devemos ficar atentos às decisões tomadas.
CONCORDA EM PARTES
Plácido Freire
Coordenador da Política de Migrantes e Refugiados no Estado do Maranhão. Pesquisador de Paradiplomacia na Revista Relações Exteriores.
O fato é que uma vitória do ex-vice-presidente Biden representaria um retorno a certos padrões de normalidade na política externa americana. Trump foi, e continua sendo, disruptivo nesse sentido: um troublemaker natural, danoso para o sistema de expectativas que guarnece as dinâmicas da política internacional e o funcionamento da governança global, por exemplo.
Com isso não quero dizer que o que se entende por “normalidade” na política externa americana seja, por si, positivo para América Latina, e especialmente para o Brasil. Porém, ao menos restabelece um certo nível de previsibilidade, importante para o processo de tomada de decisões; e se necessário, para contenção de danos.
Parte dos resultados advindos dessa provável mudança, ou retorno, irão depender fundamentalmente do governo brasileiro. Caso o presidente Bolsonaro e o corpo diplomático brasileiro, hoje mais do que nunca desorientado, não estejam dispostos a redefinir as atuais linhas norteadoras da política externa, o posicionamento (anti)estratégico do Brasil, e a execução de agendas específicas, como a da política ambiental, o Brasil poderá enfrentar sérios constrangimentos.
CONCORDA EM PARTES
Alexandre Cavalcante Carrera
Analista de internacionais atuando na área de Consultoria Estratégica, ajudando grandes empresas a encontrarem as melhores soluções estratégicas para suas operações.
A natureza das relações entre os Estados Unidos e a América Latina foi, desde o século XX, marcada por grande influência dos interesses norte-americanos sobre os demais países da região. Isso se torna observável a partir de cenários onde Washington utilizou de sua influência para garantir seu interesse, como é o caso das ações na Venezuela e Colômbia.
De modo geral, a relação com os países da América do Sul tem sido boa, tanto nos aspectos comerciais, econômicos e diplomáticos. No que tange a América Latina, observou-se um certo distanciamento nas relações entre o país e a região durante o governo Trump, sob um ideal protecionista do estadista, em se preocupar com a realidade interna dos Estados Unidos e utilizar seu poder de barganha para ter mais controle sobre as redes de comércio ao passo em que se enfraquecem as principais organizações internacionais. Se por um lado a presença dos EUA representa influência externa sobre a América Latina, a ausência do país acarreta efeitos colaterais, deixando a região fragilizada em diversas esferas, principalmente após a pandemia. Pode-se afirmar que a eleição de Joe Biden representaria uma atuação mais próxima por parte dos Estados Unidos, porém, o que resta saber é se esses laços sociais econômicos e políticos realmente podem ser benéficos para elevar o bem estar da população latino-americana num contexto de relações de interdependência.
Tratando-se do Brasil, a relação entre os dois países na gestão Trump/Bolsonaro foi boa, graças à proximidades ideológicas entre os dois presidentes que se refletiu em alianças entre os dois países, como a indicação de suporte ao Brasil na OCDE e a posição de aliado preferencial extra-OTAN. Ainda assim, acredita-se que as relações EUA-Brasil não mudem tanto, visto que historicamente os dois países se colocam, em maior ou menor grau, como aliados. Biden já afirmou no debate do dia 29 de setembro que iria aplicar sanções ao governo brasileiro caso não fosse tomada nenhuma atitude diante da Amazônia. Isso mostra que, apesar de Biden pensar diferente sobre o posicionamento norte-americano no espectro Globalismo-Protecionismo, a relação dele pode não ser tão boa com Bolsonaro como foi entre este e Trump. Por um outro lado, Biden aparenta estar mais aberto a dialogar com os países do “Sul-Global”. Por fim, reitera-se que, independente do cenário presidencial, existem decisões pragmáticas que devem ser tomadas tendo em vista a realidade de poder brasileira na arena internacional e não apenas sua relação com os EUA.
CONCORDA EM PARTES
Victor Oliveira da Costa
Graduando em Relações Internacionais pela Universidade Cândido Mendes, com interesses de pesquisa voltados para a teoria política internacional, ética internacional e segurança internacional. Colunista da Revista Relações Exteriores.
A figura de Donald Trump representa uma certa mentalidade política que vem sendo replicada em outras democracias contemporâneas, na qual o Brasil de Bolsonaro é incluído. A política personalista, populista e subversiva é a tônica do atual governo americano, o que constrói uma base de legitimidade sólida para que outros governos alinhados, mesmo com menores projeções de poder no cenário internacional, possam impulsionar suas agendas com maior liberdade; algo que se reflete bastante na política externa brasileira, que passou a desenvolver uma postura de contestação da ordem internacional e afastamento dos consensos democráticos, bem como das orientações de Estado convencionalmente cultivadas pela tradição diplomática nacional.
A vitória de Biden, no entanto, retiraria da maior potência do mundo a fonte de referência e principal apoio à política do atual governo brasileiro, o que poderia servir de freio para conter os impulsos de uma política externa que certamente tem trazido desgastes e consequências severas para o Brasil no cenário internacional a longo prazo. Por outro lado, de imediato, é possível que a relação Brasil – EUA passe a apresentar algumas tensões que colocariam o Brasil em uma posição prejudicial. Joe Biden não deve buscar um afastamento, pois a manutenção da influência dos EUA no continente é de grande importância para a agenda de Estado norte-americana. No entanto, é notório o peso que a questão ambiental que vem ganhando para o Partido Democrata, o que, alinhado à política personalista de Bolsonaro que já tem enfatizado a sua resistência e hostilidade ideológica para com uma gestão diferente da de Trump, pode gerar um estranhamento com um governo Democrata e resultar em retaliações na forma de sanções econômicas, possibilidade que já foi explicitamente expressa por Joe Biden no primeiro debate presidencial ao se referir a questão do desmatamento na Amazônia.
CONCORDA EM PARTES
Lucas Mondin Scherer
Analista de Relações Internacionais. Mestrando em direito das Relações Internacionais pela Universidade de la empresa(UDE). Colunista da Revista Relações Exteriores.
Caso seja confirmada a vitória de Joe Biden, candidato democrata na eleição presidencial americana, as relações entre Brasil e Estados Unidos tendem a sofrer modificações devido a parceria intensa no aspecto ideológico entre Bolsonaro e Trump. Apesar de não ter logrado resultados significativos para o Estado brasileiro, fato é que a aliança Bolsonaro-Trump norteou as ações de política externa do governo bolsonarista. A vitória de Biden não necessariamente causaria uma interrupção nas relações entre Estados Unidos e Brasil e sim uma relação mais pragmática visto a importância geopolítica do Brasil em fornecimento de matéria prima, mas principalmente com a conexão que o Estado brasileiro exibe com a China.
Cabe observar qual será a posição do governo Bolsonaro caso a vitória de Biden realmente se concretize. Outro aspecto que será observado caso a vitória do democrata se concretize é no que diz respeito a demandas ambientais como o desmatamento e as queimadas que assolam o território brasileiro. Será muito difícil Biden manter nesses assuntos um certo pragmatismo, se mantendo omisso em questões de cunho ambiental, haja visto que o governo Bolsonaro exibe evidências de que sua política ambiental é satisfatória e que continuará mantendo as mesmas diretrizes ambientais.
Com relação à América Latina, essa região sempre foi e sempre será de extrema importância para o governo americano. A relação intrínseca América Latina – Estados Unidos ultrapassa a barreira governamental, sendo já uma política de Estado. Porém, diante do crescimento de inversões chinesas na América Latina, a região se tornou de extrema valia para preponderância regional que os Estados Unidos detêm sobre a região. Este será um fator que não haverá mudanças caso Biden vença a eleição e um dos poucos assuntos em que as propostas de Biden e Trump se convertem.
No que concerne à China, o país já é o principal parceiro comercial de alguns Estados Latinos e, caso Biden vença a eleição, com certeza será prioridade em sua plataforma de governo.
CONCORDA EM PARTES
Andreia G. P. Aizawa
Advogada Civil e Internacional, Pesquisadora Voluntária da Revista Relações Exteriores
É inegável que há interesses como os apresentados no texto base. Todavia, a América Latina se continuar sem um projeto a curto, médio e longo prazo, que englobe todas as suas dificuldades regionais e inserção no cenário internacional ressaltando seu potencial, não terá avanços significativos, especialmente se os governos desta região continuarem extremistas.
Terá, mais uma vez, a continuação da dependência dos países dominantes e a manutenção do "status quo" da América Latina em especial do Brasil. Assim, entendo que, é necessário identificar os interesses dos candidatos e os países se posicionarem, entretanto, não esquecermos que, independente do candidato que ganhar as eleições nos EUA, qual será nosso projeto de nação brasileira no cenário internacional e da América Latina?
Hoje, podemos traçar objetivos e projetos para avanços nacionais, regionais e internacionais? A questão é complexa, mas exige de todos nós: internacionalistas, lideranças políticas, políticos, diplomatas e demais especialistas, foco para identificarmos onde queremos chegar.
É hora de termos nossa visão, projeto e aplicação no cenário internacional. Nesse sentido, será que somos totalmente livres para isso? ou os extremismos nos impedem de avançar? A luta é contínua, mas o que sabemos é que, só o pensamento crítico e analítico poderão abrir os caminhos para a mudança que precisamos, esperamos e temos que buscar sempre.
CONCORDA EM PARTES
Jackson Bitencourt
Doutorando em Geografia Política, pesquisador e colunista da Revista Relações Exteriores
Uma vitória eleitoral de Joe Biden tende a mudar a relação política entre Washington e países latino-americanos. Essa tendência, contudo, não apresentaria inflexões significativas, visto que a agenda diplomática dos EUA está centrada em disputas comerciais e geopolíticas com a China. Na escala global, os países latino-americanos obterão maior espaço para atuação, pois, a fim de granjear a legitimação internacional para conter a atuação chinesa, o futuro governo democrata tende a retomar o apoio ao multilateralismo comercial e às Nações Unidas.
Desse modo, a manutenção de pragmatismo diplomático poderá resultar em ganhos econômicos e políticos para os países da América Latina. Na escala regional, possíveis mudanças dependerão do modo como cada país atuará politicamente. Enquanto México tende a sofrer menos pressões políticas, visto que a construção de um muro na fronteira não é uma prioridade de Biden, a pressão política contra Venezuela manter-se-á, em virtude dos vínculos geopolíticos entre Caracas, Moscou e Beijing. Em relação ao Brasil, essa relação bilateral dependerá de redimensionamento diplomático em relação à agenda ambiental e de direitos humanos. Na medida em que Brasília se distanciou de Beijing e enfrenta resistências de Bruxelas, o Itamaraty deve dinamizar convergências diplomáticas com o futuro Departamento de Estado, sob pena de prejuízos importantes na relevância internacional do país.
CONCORDA EM PARTES
Renato Revoredo Machado
Mestre em Relações Internacionais, pesquisador e colunista da Revista Relações Exteriores
Primeiramente, entendo que Biden como novo presidente dos EUA seria positivo para a América Latina, pois este candidato apresenta uma agenda mais progressista e aberta à globalização que a de Trump. Biden parece ser mais favorável às instituições multilaterais e internacionais, e tal fato ajuda o Brasil na sua participação mais ativa em discussões de temas globais, como comércio, meio ambiente, segurança internacional, contenção mais coordenada da pandemia, entre outros. Trump cortou contribuições a algumas das instituições internacionais na sua gestão, além de ter retirado o seu país de acordos ambientais, como o de Paris. Biden a princípio deveria desenvolver uma política mais globalista do que a do atual republicano Trump, e ele também parece apresentar uma plataforma política mais sensível, que valoriza aspectos de diversidade, prometendo dar mais ouvidos às minorias e a ser mais aberto com a imigração. Além disto, Biden tem se mostrado mais humano no tratamento da seriedade da pandemia do coronavírus, em que pese todas as suas complexidades econômicas envolvidas.
Entretanto, entendo que há um outro lado que faria posicionar-me como Indiferente ou Neutro em relação à essa pergunta. A vitória do Partido Democrata de Biden sobre o Partido Republicano de Trump não trará necessariamente mais benefícios ao Brasil pelo simples fato de ser Biden versus Trump. Embaso esta minha opinião através da observação histórica de que não se verificou ao longo das últimas décadas que o Brasil se beneficiou mais com gestões democratas do que republicanas. Discorro mais sobre esta minha impressão no meu artigo publicado na Revista Relações Exteriores de 5 de outubro, chamado “Eleições Americanas de 2020 – hora de recalibrar o pêndulo democrata-republicano?”.
CONCORDA EM PARTES
Fábio Ferreira Andrade
Analista de Relações Internacionais e Pesquisador de Segurança Internacional na Revista Relações Exteriores
Escolhi tal posição pois não sabemos muito quais abordagens Biden tem para a América Latina e o Brasil. O que temos até agora foi o que Biden mencionou sobre as queimadas no primeiro debate. Segundo ele, o Brasil terá ajuda e financiamento para combater tal perigo, entretanto, caso o Brasil não respeite certas regras terá sanções econômicas pesadas. Tal afirmação é boa e ruim ao mesmo tempo. Boa, pois teremos certo auxílio dos EUA e poderemos trabalhar nossa parceria a partir disso. Contudo, o lado ruim é que sabemos a força das sanções econômicas que os EUA costuma aplicar em concorrentes ou países "inimigos". Tendo esse lado ruim em vista, o Brasil está em perigo para se aproximar dos EUA de Biden.
Outros pontos importantes para essa aproximação do Brasil com uma possível vitória de Biden são: Setor de tecnologia e comunicação (5G e presença da HUAWEI no Brasil) e o setor de defesa do país (Brasil e acordos com outros países: como EUA, França e Suécia); neste neste tópico de defesa o Brasil pode tirar bastante proveito e ficar mais próximo ao EUA. Aprofundando o assunto do 5G, o Brasil pode também tirar proveito dessa questão por meio da tentativa de divisão das tecnologias para acessar o setor privado e o público, no qual o Brasil poderia negociar tanto com a China quanto com EUA para usar os dois maiores parceiros comerciais e melhorar ambos os setores do Brasil, tendo em vista que este setor no Brasil é muito importante para o desenvolvimento de outros setores correlatos.
Desenvolvendo ainda mais outros pontos recentes, temos a questão da Venezuela. No qual ainda não temos um posicionamento claro sobre as intenções do EUA de Biden para essa região. O que sei até o momento sobre esse assunto é que os EUA de Trump estão condicionando esforços militares para conter eventuais presenças externas a esta região, devido sua capacidade de reservas de petróleo. Espero que o Brasil consiga entrar em um acordo com os EUA de Biden e Venezuela para que não tenhamos maiores problemas em nossas fronteiras.
Um apontamento final que podemos fazer entre Brasil e EUA de Biden é sobre o acesso mais fácil para vacina do novo coronavírus. Tal afirmação é baseada pela proposta de maiores investimentos em saúde e criação de um sistema de saúde único dentro dos EUA (tendo como base o Obama Care). Deste modo, ambos os países podem ficar mais próximos e eventualmente se ajudarem, já que o Brasil também tem um projeto parecido.
CONCORDA TOTALMENTE
Thomas Henrique Lopes Tavares
Analista de Relações Internacionais e Colunista de Política Internacional na Revista Relações Exteriores
Concordo totalmente! Penso que uma possível vitória de Joe Biden a presidência dos Estados Unidos neste ano, poderia sim ser positiva para o Brasil em vários aspectos. Nesta pesquisa falarei mais detalhadamente sobre a pauta ambiental. O candidato democrata já mostrou seu engajamento na questão ambiental do Brasil quando este afirmou no debate que "começaria imediatamente a organizar o hemisfério e o mundo para prover US$ 20 bilhões para a Amazônia, para o Brasil não queimar mais a Amazônia" (BBC News Brasil, 2020).
Logo, diferente da postura do atual presidente republicano, isso seria positivo ao Brasil, pois forçaria uma mudança de postura do governo brasileiro em relação a esta temática; tendo em vista a contrapartida negativa que este pode vir a receber se não cumprir as condições previstas, como sanções econômicas em cima dos produtos brasileiros. Neste sentido, poderíamos assistir a uma mudança de comportamento e a escolha por um discurso mais ameno em relação ao meio ambiente. Podendo inclusive, no longo prazo, salvar o acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia – que neste momento já subiu no telhado – e assim tornar o Brasil mais atrativo a comunidade internacional